RIO – A medida provisória que restringiu a compensação de créditos tributários deve levar as refinarias privadas a operar com prejuízo e pode resultar na redução e até na interrupção da produção de combustíveis nas unidades fora do sistema Petrobras. O cenário ameaça a segurança do abastecimento nacional, pois levaria o Brasil a ampliar a dependência da importação de derivados para garantir o suprimento. Hoje, essas empresas atendem cerca de 20% do consumo brasileiro.
A MP 1227/2024 restringiu a compensação de créditos tributários de PIS/Pasep e Cofins com o objetivo de compensar os impactos da manutenção da desoneração da folha de pagamentos de empresas e de municípios.
No setor de petróleo, a visão é de que todas as empresas vão ser impactadas pela medida, que foi editada na quarta-feira (05/6) e tem efeito imediato. Um dos principais efeitos deve ser o aumento dos preços dos combustíveis para os consumidores e o aumento da tributação indireta para as empresas exportadoras. O Instituto Brasileiro do Petróleo e do Gás (IBP) está elaborando uma nota técnica que vai estimar os impactos sobre os custos dos derivados e do transporte, que será concluída até amanhã.
O cenário é ainda pior para as petroleiras independentes, que têm margem menor, e para as refinarias privadas, que já estavam sofrendo com a concorrência com os preços dos combustíveis defasados da Petrobras. A estatal não reajusta o diesel e a gasolina desde o ano passado. A Abicom estimava na manhã de hoje (6/6) a necessidade de um aumento médio de 3% nos preços do diesel e da gasolina da Petrobras para atingir a paridade com o mercado internacional.
Segundo o presidente da Refina Brasil, Evaristo Pinheiro, o impacto da medida no setor vai ser de R$ 4 bilhões por ano. Ele afirma que várias refinadoras independentes já estão operando com prejuízo, por causa da defasagem nos preços da Petrobras. Essas empresas também já estavam levando ao governo um pleito para melhorar a gestão do capital de giro, com um diferimento na cobrança de PIS-Cofins na aquisição de petróleo, cenário que deve piorar agora. Além disso, reclamavam da necessidade de importar óleo cru, por causa da demora na revisão da metodologia dos preços de referência.
“Qual é o meu limite para reajustar preço? É o preço da Petrobras. Se ela está vendendo abaixo da paridade internacional, eu tenho um teto que não me permite compensar todos os meus custos e eu vou operar no prejuízo. Então, essa medida é muito grave, porque empilha mais um custo em cima do que já está insustentável. É a gota d’água”, afirma Pinheiro.
A Refina Brasil representa sete empresas que operam refinarias independentes, fora do sistema Petrobras: Acelen, Ream, Dax Oil, Brasil Refino, SSoil Energy, Paraná Xisto e 3R Petroleum.
Judicialização
Uma das alternativas em análise é judicializar a medida provisória, com base no argumento de seria uma lesão aos princípios da não surpresa e do não-confisco, pois vai obrigar as empresas a carregar no balanço financeiro créditos que não vão poder acessar.
Além da Refina Brasil, também avaliam medidas judiciais o IBP, a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo (Abpip), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em nota, a Bioenergia Brasil e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) afirmam que a medida fere a Constituição Federal.
As entidades citam insegurança jurídica e impactos não planejados e imediatos no fluxo de caixa das empresas, além de instabilidade em meio à regulamentação da reforma tributária.
No caso do IBP e da Abpip, a decisão sobre a judicialização vai ocorrer depois de conversas iniciais com os ministérios de Minas e Energia (MME) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), da Casa Civil e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Além dos efeitos nos preços e da insegurança aos investimentos, o IBP afirma que a medida aumenta o “custo Brasil” e contraria as premissas de simplificação tributária e incentivo à industrialização que têm sido sinalizadas pelo governo. O tema é prioridade nas discussões do conselho de administração do IBP, que passou a ser presidido esta semana pela CEO da Petrobras, Magda Chambriard.
O efeito imediato é sobre o caixa das empresas, já que os créditos tributários eram usados para compensar pagamentos importantes, como imposto de renda, contribuição previdenciária e contribuições sobre o lucro. A diretora interina de downstream do IBP, Ana Mandelli, afirma que os tributos são uma grande parte do custo das empresas do setor.
“Nós usamos esses créditos para fazer esses pagamentos e agora vamos ter que tirar do caixa. Não há margem para absorver isso, principalmente em um segmento como o de combustíveis, em que a margem bruta é muito apertada”, diz.
Para as petroleiras independentes, que têm margem menor, os efeitos são piores. O presidente da Abpip, Márcio Félix, diz que o cenário cria instabilidade e pode levar a demoras nas decisões de investimentos.
Ele lembra que outras discussões recentes têm gerado incertezas sobre essa indústria, como a transição energética e as dificuldades para obtenção de licenças ambientais. Lembrou ainda da recente discussão para a inclusão dos índices de conteúdo local numa emenda do projeto de lei do Mover no Congresso, o que acabou sendo rejeitado pelo Senado.
“O petróleo está sendo vilanizado”, afirma Félix.