Combustíveis e Bioenergia

Proposta para concorrência por QAV em Guarulhos descumpre decisão do Cade, diz conselheiro

Luís Braido foi responsável pelo voto vencedor, que puniu a GRU Airport e distribuidoras Air BP, Raízen e Vibra

Vista aérea das obras de ampliação do Aeroporto de Internacional de Guarulhos – Governador André Franco Montoro, também conhecido como Aeroporto de Cumbica (Foto: Delfim Martins/Portal da Copa, CC)
Aeroporto de Internacional de Guarulhos é alvo de disputa por acesso à pool de combustíveis (Foto: Delfim Martins/Portal da Copa, CC)

O conselheiro Luís Braido entendeu que as informações apresentadas pela GRU Airport para abertura do acesso à central de combustíveis do aeroporto de Guarulhos são insuficientes.

A publicação das regras foi uma das determinações do tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no julgamento que condenou a concessionária do aeroporto e as distribuidoras do pool de combustíveis Vibra, Raízen e Air BP.

O julgamento, motivado por denúncias da Gran Petro, foi concluído entre novembro e  dezembro e a operadora GRU Airport teve até o fim de janeiro para apresentar as condições de acesso ao Cade.

  • O aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, é o maior do país e, portanto, o que mais consome querosene de aviação (QAV). É interligado por dutos a refinarias da Petrobras. A Transpetro opera a infraestrutura de movimentação, armazenamento e, internamente, Vibra Raízen e Air BP controlam o sistema de hidrantes, alternativa mais eficiente para abastecimento das aeronaves.
  • Em novembro, por quatro votos a dois à favor, o tribunal do Cade acompanhou o entendimento de Braido e condenou Vibra, Raízen e Air BP ao pagamento de R$ 150 milhões em multas. As decisões do Cade envolvendo Guarulhos foram encaminhadas à Anac e à ANP, onde repercussões do julgamento vem sendo tema de análise interna.

Conselheiro aponta “impropriedades”

Segundo Luís Braido, as condições de acesso “não correspondem integralmente ao definido na decisão do tribunal do Cade”.

O despacho de Braido será analisado pelo tribunal do Cade. Uma vez homologado, começa a contar o prazo de 30 dias para GRU Airport, Raízen, Air BP e Vibra se adequarem às regras de acesso; e o prazo de 15 dias para as distribuidoras se manifestarem.

O conselheiro sugere correções em cláusulas, mas se posicionou contra a aplicação de multa.

Definição de capacidade. O conselheiro manifesta preocupação com a negativa de acesso. Cita a inclusão da projeção de demanda de cinco anos na condição da existência de capacidade para acesso a novos agentes.

“[A cláusula] condiciona o acesso de terceiro à expectativa de ociosidade futura definida pelas distribuidoras concorrentes”, diz.

O conselheiro defende que a entrada de novas distribuidoras no pool pode reduzir preços, em razão da concorrência, mas “não influencia significativamente o volume de combustível demandado pelas companhias aéreas”. E pondera que há baixa elasticidade entre preço e demanda nesse mercado.

Custo para acesso. Outro ponto é quanto custará aos terceiros interessados acessar a infraestrutura de abastecimento.

Segundo Braido, ao incluir que a remuneração levará em conta valores não amortizados – investimentos feitos na central de abastecimento, mas ainda não recuperados –, os termos deixam de atender a decisão do Cade.

“Para seu cumprimento [da decisão do Cade], deve-se tornar público – ou, ao menos, disponível a qualquer interessado sob simples consulta – o valor de referência para a aquisição de quotas do condomínio”, diz.

Apesar das críticas, o conselheiro avalia que “as impropriedades acima referidas são sanáveis, tornando a aplicação da multa, nesse momento, desproporcional”.

A GRU Aiport afirma que cumpriu a determinação do tribunal, uma vez que publicou as normas em seu site dentro do prazo previsto – até 20 de janeiro, sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil.

O conselheiro também afirma que suas observações não impedem que a Superintendência Geral do Cade avalie as condições e, eventualmente, aponte outras irregularidades.

Rito proposto passa por análise de concorrentes

De acordo com as regras publicadas, a partir da solicitação de um interessado, será formado um comitê pela GRU Airport e pelas distribuidoras responsáveis pela operação da central de combustíveis.

O grupo analisará a documentação do interessado e as condições operacionais para sua admissão.

Passada esta etapa, indicará uma empresa de auditoria independente, a ser custeada pelo interessado, para avaliar o valor a ser pago pelas cotas condominiais.

Finalmente, o comitê decidirá se há: impossibilidade de admissão do solicitante; possibilidade de admissão sem necessidade de realização de investimentos em expansão; ou possibilidade de admissão com necessidade de investimentos em expansão.

Gran Petro: indefinição confirma problemas de concentração

A Gran Petro, que em 2022 conquistou na justiça o acesso ao parque de abastecimento de querosene de aviação do aeroporto de Guarulhos, informou em nota que se manifestará nos autos do processo.

E que “aguarda a correta implementação da decisão do Cade”, no julgamento do ano passado, que deu razão aos seus argumentos, contra a GRU Airport e as distribuidoras concorrentes.

“As indefinições a respeito do cumprimento da decisão do Cade, por parte das distribuidoras, após três meses da conclusão do julgamento pelo tribunal do órgão antitruste, confirmam os problemas da concentração e a falta de compromisso com a abertura da concorrência no mercado de QAV”, diz a Gran Petro, em nota.

A Air BP informou que “cooperou com as investigações durante todo o processo e sempre reiterou seu compromisso com a livre concorrência e o cumprimento da lei em todos os países em que atua, sempre priorizando a segurança das pessoas e da operação”.

Procuradas, GRU Airport, Vibra e Raízen optaram por não se manifestar sobre o despacho de Luís Braido.

Papel das agências no acesso à infraestrutura de QAV

Na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o tema também vem sendo tratado internamente.

A agência é responsável por regular a infraestrutura de combustíveis até o limite dos aeroportos. A revisão de regras de acesso faz parte da agenda regulatória, mas as propostas ainda não avançaram.

Após a condenação das concorrentes no Cade, a Gran Petro manteve reuniões com diretores da ANP sobre o mercado de QAV.

Os votos e demais decisões do julgamento do Cade foram encaminhados ao diretor-geral Rodolfo Saboia e serão tratados em áreas sob responsabilidade da diretora Symone Araújo e do diretor Fernando Moura. Daniel Maia também acompanha a questão.

Novos contratos de concessão de aeroportos tratam de acesso

Para prevenir condutas anticoncorrenciais entre operadores de aeroportos e distribuidores de combustíveis neles instalados, desde a 5ª rodada de leilão de aeroportos, em 2019, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) instituiu nos contratos de concessão as seguintes cláusulas:

“A concessionária deverá submeter à ANAC, para análise e eventuais medidas cabíveis, os contratos que envolvam a construção ou operação de infraestruturas de dutos e hidrantes no aeroporto, previamente à sua assinatura”, diz a agência.

A ANAC poderá, assim, determinar que a concessionária “estabeleça restrições à participação das empresas operadoras de infraestruturas de dutos e hidrantes nas atividades de distribuição e revenda de combustíveis no aeroporto”.

Elas estão presentes na minuta de contrato do edital de relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), publicado no DOU na última quarta (8/2).

Apesar de serem anteriores ao julgamento do Cade, as cláusulas buscam justamente prevenir o tipo de situação observada no aeroporto de Guarulhos.

As regras de acesso aos Parques de Abastecimento de Aeronaves (PAAs) foram tema de consulta pública da agência no ano passado.

Atualização: a Gran Petro conquistou em 2022 na justiça o acesso ao parque de abastecimento de querosene de aviação do aeroporto de Guarulhos. Não em 2021, como informado no texto original.