BRASÍLIA – O autor do projeto de lei que cria o Operador Nacional do Sistema de Combustíveis (PL 1923/2024), deputado federal Júlio Lopes (PP/RJ), afirma que a proposta do órgão não é controlar os preços no mercado, e sim monitorá-los em tempo real e disponibilizá-los ao público para consulta online.
Em entrevista à agência epbr, o parlamentar explicou que a ideia, inspirada no ONS do setor elétrico, é a de que o consumidor tenha acesso a um conjunto de informações sobre os estoques e a movimentação de combustíveis por meio de uma ferramenta digital (por exemplo, um aplicativo). Esse painel aumentaria o poder de escolha do indivíduo e facilitaria o acompanhamento do serviço prestado nos postos. A fiscalização segue como prerrogativa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Lopes diz ser um “inimigo total” do controle de preço e recusou a tese de que o PL 1923/2024 teria essa finalidade, apesar dos temores do mercado em relação à possibilidade de intervenção estatal nos valores cobrados na bomba. Na visão do deputado, o país precisa “ter monitoramento de preço e informação ao cliente”. “É só isso.”
“Eu até coloquei lá no projeto uma citação dizendo que, em momento algum, esse órgão poderá controlar preço. O que esse órgão vai fazer é monitorar preço”, comentou. “Então, não tem nada em relação a controle de preço. Muito pelo contrário. Eu sou inimigo de controle de preço, total. Nós queremos o preço livre, nós queremos que o preço se manifeste em função do mercado.”
Em nota, o Ministério de Minas e Energia (MME) informou que os estudos internos sobre o Operador Nacional do Sistema de Distribuição de Combustíveis estão em fase de aperfeiçoamento. Já a ANP disse que não comenta projetos de lei em andamento.
Metodologia da ANP
Para Lopes, a resistência à proposta dentro da ANP contrasta com uma metodologia que, segundo entendimento do parlamentar, é “analógica” e baseada apenas em “estimativas”.
O congressista defende a ideia de que o trabalho do Operador Nacional em nada “vai colidir” com as atribuições do ente regulatório. Pelo contrário, tem potencial para ampliar a eficiência da fiscalização e ajudar a produzir melhores resultados.
“É impossível, por exemplo, se admitir que estamos em 2024, e o Brasil não tem nem ideia do seu volume de estoque de petróleo. A ANP não faz ideia de quanto o Brasil tem de estoque de petróleo. Nem de quanto vamos precisar ou remanejar em cada região do país. Isso é inconcebível. A Argentina faz um monitoramento do seu estoque de petróleo desde a década de 90. Todos os países do mundo têm uma forma de quantificar seus estoques de forma muito mais precisa.”
“Tudo na ANP é por estimativa, estimativa muito longínqua, em função do tipo de metodologia que eles usam, que é analógico. (…) Lamentavelmente, ela usa a fiscalização in loco e o acompanhamento analógico para monitorar toda a movimentação de petróleo no Brasil. E a gente está vendo o governador Tarcísio de Freitas dizer, todo dia, que tem 1.100 postos comandados pelo PCC em São Paulo, e a ANP não tem capacidade e velocidade para controlar esse tipo de movimentação em nenhum aspecto.”
Tecnologia e transparência
De acordo com o projeto, a partir da criação do ONSC, todas as informações referentes ao fluxo dos combustíveis no país seriam mapeadas em tempo real e disponibilizadas ao público por meio de ferramentas digitais. Pretende-se alcançar uma fiscalização mais acurada, de modo a coibir fraudes e crimes fiscais, assim como contribuir para a garantia da qualidade dos serviços.
O texto da proposição também inclui os agentes que atuam na cadeia de gás natural, no processamento e transporte, além do refino, importação e revenda de combustíveis.
“O que ele vai fazer é permitir a você que está em casa e que vai sair para abastecer o seu carro, você entra em um aplicativo e vai ver, dos 48 mil postos brasileiros, aquele que mais convém. Quanto que ele está cobrando pelo combustível? Você vai colocar no teu carro e vai aferir, ou tentar aferir pelo menos, se aquele litro que você colocou está com a qualidade devida”, disse o deputado.
“Você vai aferir a informação, porque quem vai cuidar disso é a ANP. Esse órgão vai tratar só da parte digital, da parte de informação, e obviamente vai comunicar à ANP, à Polícia Federal, a quem quer que seja de direito, para tomar as providências de aferição, adequação. O Inmetro, por exemplo, para verificar”, completou.
Financiamento privado
Questionado sobre as preocupações do mercado em relação à precificação, Lopes alegou que tem recebido o apoio de grandes empresas do setor de distribuição. Ele citou Cosan (Raízen), Vibra e Ipiranga, que, diz o parlamentar, “estão muito animadas com o projeto”. O trabalho de interlocução tem sido feito pelo Instituto Combustível Legal (ICL).
“Esse projeto é exatamente fruto de muito trabalho e muita interação com o ICL, com a Vibra, Ipiranga, Shell, com as grandes empresas que precisam encontrar uma forma de se proteger da pirataria, da ilegalidade eda fraude.”
Lopes explicou ainda que, se a proposição for aprovada, a ideia é instituir o ONSC com financiamento privado, recursos que seriam captados juntamente às empresas mencionadas pelo deputado.
O ICL chegou a defender a ideia de que o órgão deveria ser 100% privado, sugestão que não foi acolhida no texto do PL. “Ninguém está pensando em gastar dinheiro público. O que a gente quer é que as empresas constituam financeiramente, será uma instituição público-privada aos moldes do ONS.”
Veja abaixo outros trechos da entrevista com o deputado Júlio Lopes:
Dentro da ANP, há resistência por parte de diretores que acreditam que a criação de um Operador Nacional do Sistema de Combustíveis poderia invadir competência da agência reguladora. Isso faz sentido?
“De maneira alguma. Em momento algum vai entrar nas competências da ANP. O Operador vai apenas monitorar e acompanhar o setor, dando a informação aos órgãos competentes para fazer a fiscalização. E quais são esses órgãos? MME, Ministério da Justiça, Fazenda e Receita Federal.”
“Pelo que eu saiba, a ANP, todas as vezes que eu estou com eles, estão reclamando de deficiência de orçamento, deficiência de pessoal, uma série de questões. Essa nova instituição vai trabalhar primordialmente, e quase que exclusivamente, de forma digital e online. Será uma instituição para muito poucos empregados, mas com desempenho extraordinário com base em tecnologia de dados, informação, inteligência artificial, digitalização, enfim, esse é o propósito. E em nada seu trabalho colidirá com a ANP. Apenas vamos fazer um monitoramento.”
Como o senhor pretende vencer a resistência da ANP?
“Primeiro, não me cabe vencer a ANP. Não é meu papel e não me cabe fazer isso. Eu estou propondo uma lei em complementação ao trabalho da ANP. Essa instituição que eu estou propondo vem dar exatamente o melhor e maior acompanhamento ao sistema de concorrência e proteção de sistema de dados. Então, de forma alguma, qualquer alegação dessa da ANP tem cabimento, no meu entendimento. O que estamos propondo é uma nova instituição que vai trabalhar em complementaridade com a ANP.”
E dentro do governo e do Ministério da Fazenda, há objeção?
“Não vejo nenhuma resistência da Fazenda. Conversei longamente, cinco vezes, com o ministro Haddad. Todas as vezes ele [se mostrou] muito animado com o projeto. Conversei muitas vezes com o Barreirinhas, que é o secretário especial da Receita, todas as vezes ele [se mostrou] extremamente animado com o projeto. Obviamente, o governo é muito amplo e eles terão que estabelecer consensos internos lá. Mas, da minha parte, eu tenho conversado desde o início, muito proximamente, com o ministro Haddad. E ele, muito animado.”
Por que incluir os agentes do gás natural na proposta?
“A gente está falando de uma Operadora Nacional de Combustíveis. Gás é combustível. E é um combustível fundamental para tocar a vida do brasileiro e, muitas vezes, do brasileiro mais desassistido. Nós subsidiamos o gás e, muitas vezes, esse subsídio não chega na ponta. Precisamos ter uma entidade que, com mais agilidade do que a ANP, fiscalize essa ação. O que estamos propondo é uma instituição basicamente digital, que faça o acompanhamento online de todos os combustíveis no país. E o gás não poderia ficar de fora. O gás é uma parte importante do conjunto energético brasileiro e que tem um impacto enorme na população.”
Quais são as condições políticas atualmente para a tramitação do PL 1923/2024?
“Está muito no início. A gente acabou de ter o projeto apresentado. Vai para as comissões, vai haver essa discussão, e é necessário que essa discussão seja ampla. É um tema polêmico. Vamos ver como isso vai tramitar aqui. Agora, eu estou fazendo a minha parte. Tenho uma reunião marcada com o Bruno Dantas. Já tive uma reunião com o ministro Lewandowski, que adorou integralmente o projeto, ficou apaixonado pelo projeto. (…) Isso, na verdade, visa defender o consumidor e defender o país. Então, é nesse sentido que a gente tem tido aí um conjunto bastante grande de apoiamentos. Vou fazer também uma reunião com a CNI. A CNI tem um projeto enorme chamado Brasil Ilegal, e aí vou lá propor à diretoria da CNI que apoie o projeto. Enfim, estou fazendo meu trabalho.”
Dá para votar ainda esse ano?
“Eu não estou trabalhando com essa hipótese imediatamente porque vai depender muito do engajamento do governo também. Obviamente, uma instituição como essa só vai sair se o governo entender que tem cabimento. O ministro Silveira se pronunciou muito favoravelmente. Inclusive, já colocou isso [publicamente] inúmeras vezes na imprensa. Então, precisamos obviamente que o ministro se coordene com o ministro da Justiça, que se coordene com o ministro da Fazenda, outro que também se mostrou favorável inúmeras vezes, para que a gente possa fazer isso andar.”
“É uma operação que todos vão ganhar. Na realidade, se alguém vai ficar incomodado, é alguém que está trabalhando no mercado ilegal, alguém que está trabalhando com mercadoria ilegal, enfim, fraudando o consumidor. Aquele que está trabalhando corretamente vai ter assegurado as suas regras de competitividade. Não estou querendo focar e nem atrapalhar a vida de ninguém, volto a dizer. Não tem uma empresa ou conjunto específico. É algo de dar modernidade a um setor que está muito envelhecido. A dinâmica é ainda analógica. O que queremos é uma dinâmica digital para um mercado que tem um comportamento concorrencial de alta velocidade e precisa ter essa dinâmica.”
O ministro Alexandre Silveira vai apoiar?
“Não me parece razoável que o governo se oponha a uma ideia de fiscalização mais apurada e mais acurada. Enfim, não me parece. Pode ser que sim. Mas aí a gente vai ver. Estou fazendo meu trabalho, tentando dar uma contribuição.”