A reforma tributária começa, de fato, a se materializar e o setor de combustíveis desponta como um dos mais diretamente impactados. Trata-se de um segmento estratégico para a economia nacional, marcado por alta complexidade operacional, grande relevância arrecadatória e sensibilidade aos movimentos regulatórios.
Assim, com a aprovação da Lei Complementar nº 214/2025 — que institui um regime específico para a tributação de combustíveis no âmbito do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) —, inicia-se uma nova era para um dos setores mais importantes da economia nacional.
O regime específico de combustíveis tem tudo para representar um divisor de águas — não só pela modernização do sistema tributário, mas também pelo seu alinhamento com metas de sustentabilidade e pela promoção da maior previsibilidade fiscal.
O objetivo é claro: simplificar, oferecer previsibilidade e blindar o sistema contra oscilações do mercado. Mais do que uma mudança técnica, trata-se de uma importante sinalização política e econômica, tanto no cenário nacional, quanto no internacional.
Ao adotar a tributação monofásica, concentrando a cobrança dos tributos na origem da cadeia, o Brasil acerta em cheio. Para um setor marcado por alta complexidade logística e preços voláteis, trata-se de uma decisão estratégica e inteligente.
Tributação única, alíquotas uniformes em todo o território nacional e fixas por volume: medidas pensadas para reduzir litígios, evitar a cumulatividade e facilitar o compliance. É o tipo de solução que o empresariado vinha demandando há tempos.
Neste sentido, o desenho do novo modelo é tecnicamente sofisticado, mas sua lógica é simples: cobrar com eficiência e deixar claro o custo tributário envolvido. A base de cálculo agora será física — a quantidade de combustível será aferida de acordo com a unidade de medida própria de cada produto (como, por exemplo, litros) — e não mais atrelada ao preço, o que protege o sistema contra as flutuações internacionais e pressões inflacionárias, sem comprometer arrecadação.
O cronograma da transição do antigo para o novo sistema tributário também foi cuidadosamente planejado. A CBS começa a valer em 2027, com base na carga tributária de julho de 2025 a junho de 2026.
Já o IBS será implementado gradualmente até 2033. Esse período de transição garante tempo hábil para que o setor se adapte e para que estados e municípios se ajustem à nova lógica de arrecadação.
Mas talvez o aspecto mais promissor tenha sido o compromisso com a transição energética. Ao prever alíquotas reduzidas para biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão — variando entre 40% e 90% do que é cobrado dos combustíveis fósseis — o novo regime envia um sinal claro: o futuro é verde, e o fisco precisa estar alinhado com essa transformação.
Neste sentido, a LC nº 214/2025 definiu um rol (exemplificativo) de combustíveis fósseis e biocombustíveis sujeitos à incidência única dos novos tributos na etapa inicial da cadeia, independentemente da destinação do produto.
Ao aplicar a tributação ainda na origem, reduz-se o risco de evasão fiscal, evita-se a cumulatividade e facilita-se a fiscalização.
É igualmente louvável a proteção conferida ao etanol, com a preservação do diferencial tributário frente à gasolina, tomando como referência os dados de 2023/2024. Isso assegura maior estabilidade ao setor sucroenergético, tão importante para a economia brasileira, especialmente nas regiões fora dos grandes centros urbanos.
O rigor no combate à sonegação também foi reforçado. Ao concentrar a responsabilidade nos grandes players da cadeia (refinarias, produtores e importadores) e prever a responsabilidade solidária para quem compra, o modelo fecha brechas e desestimula práticas oportunistas.
O Brasil ainda está longe de ter um sistema tributário verdadeiramente simples, mas o que se desenha no setor de combustíveis representa, sem dúvida, um avanço. Se bem implementado, esse novo regime tem potencial para se tornar referência — não apenas em eficiência, mas também em alinhamento com os desafios ambientais e energéticos do nosso tempo.
Em síntese, o regime específico previsto na Lei Complementar nº 214/2025 para os combustíveis estabelece um modelo tributário moderno, compatível com as exigências de simplificação, previsibilidade e comprometimento com a transição energética.
Ao uniformizar alíquotas, desonerar parcialmente biocombustíveis e atribuir a responsabilidade tributária a agentes econômicos com maior capacidade de compliance, a legislação promove segurança jurídica e eficiência arrecadatória, ao mesmo tempo em que fortalece as diretrizes constitucionais de proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
O desafio agora está na execução e na capacidade do setor público e privado de transformar boas regras em bons resultados.
Caberá ao poder público garantir uma regulamentação clara e a implementação transparente das novas regras. Ao mercado, por sua vez, cabe fazer sua parte: investir em conformidade, inovação e, principalmente, em uma agenda energética voltada para o futuro.
Janssen Murayama é sócio fundador de Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados.
Mariana Ferreira é coordenadora tributária em Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados.