O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta segunda (22/2) não entender o reajuste de 15% no diesel anunciado pela Petrobras, acusou Roberto Castello Branco de não trabalhar e ainda tentou enquadrar a precificação dos combustíveis no estado de calamidade, que ele próprio decidiu não estender.
As declarações foram feitas em uma conversa de menos de dez minutos com fãs, em Brasília, e replicada por canais bolsonaristas.
Incluiu novas críticas à ANP, ao Inmetro e à Receita Federal por suposta displicência na fiscalização e controle do setor de combustíveis.
“O petróleo é nosso ou é de um pequeno grupo no Brasil?”, questionou o presidente, ao criticar o “mercado financeiro”.
Após decidir pela troca no comando da Petrobras, interferindo no comando da companhia, ele afirma que o mais recente reajuste foi excessivo. Não entende o que justificou o aumento de 15% no diesel, anunciado na semana passada.
“Ninguém vai interferir na política de preços da Petrobras. Eu não consigo entender no prazo de duas semanas ter um reajuste no diesel em 15%. Não foi essa variação do dólar aqui dentro, nem do preço do barril lá fora”, disse.
E mirou diretamente Castello Branco, que está há dois anos no comando da Petrobras. “O atual presidente da Petrobras está há 11 meses em casa sem trabalhar né? “Trabalha” de forma remota”, criticou.
O presidente chegou a citar o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que trata de isenções de regras fiscais em caso de calamidade, para justificar que a Petrobras deveria descumprir com a política de paridade de preços.
O artigo não se aplica, evidentemente, à governança da Petrobras. E por decisão do próprio governo federal, o estado de calamidade pública foi encerrado em 31 de dezembro de 2020 — o Congresso Nacional discute nas próximas semanas tanto o orçamento, como a PEC Emergencial, com efeitos fiscais e “gatilhos” que podem provocar efeitos semelhantes ao do estado de calamidade.
A conta de Bolsonaro leva em consideração o período entre 9 e 19 de fevereiro, em que o diesel foi reajustado em 6% e 15%, respectivamente. Mas desconsidera a defasagem acumulada nos preços dos combustíveis, que se arrasta desde o ano passado.
Para a concorrência, analistas do mercado financeiro e consultorias, era evidente que o reajuste do dia 9 fora insuficiente. No dia seguinte, a XP Investimentos, por exemplo, publicou que a defasagem do diesel permanecia em cerca de 14%.
Desde 2019, quando foi assinado o acordo da Petrobras com o CADE para venda de metade da capacidade de refino da companhia, os importadores de combustíveis representados pela Abicom já cobravam o maior alinhamento entre os preços domésticos e os internacionais.
No acordo com o Cade, a Petrobras se compromete em manter a paridade, para não controlar artificialmente o mercado, com o fechamento das janelas de importação.
Hoje atacado por Bolsonaro, Castello Branco sempre defendeu que não havia interferência do governo na Petrobras — até mesmo, quando uma ligação de Bolsonaro fez a companhia adiar um reajuste no início do mandato.
Castello Branco “sem trabalhar”
Na semana passada, Bolsonaro enviou a indicação de Silva e Luna para o Conselho de Administração da Petrobras, que se reúne nesta terça (23) para tratar também da nomeação para o cargo de presidente da empresa. O mandato de Castello Branco acaba em 20 de março.
“O atual presidente da Petrobras — deixar bem claro isso aí, tá? Já que tem bastante gente me ouvindo aqui, preste atenção por favor: o atual presidente da Petrobras está há 11 meses em casa sem trabalhar né? “Trabalha” de forma remota”, criticou Bolsonaro.
Com o avanço da pandemia no Brasil, que matou quase 250 mil pessoas em um ano, segundo dados oficiais, diversas empresas públicas e privadas, órgãos e agências adotaram o trabalho remoto como medida de precaução.
Bolsonaro, por sua vez, estimula aglomerações, critica o uso de máscaras e, há até pouco tempo, fazia pouco caso da vacinação, enquanto promove o “tratamento precoce” com remédios ineficazes na prevenção da doença.
“O chefe tem que estar na frente, bem como os seus diretores. Para mim, isso [trabalhar de casa] é inadmissível”.
O presidente também enumerou realizações do atual diretor-geral de Itapu Binacional, o general da reserva Joaquim Silva e Luna, para justificar sua indicação para o Conselho de Administração e para a presidência da Petrobras, no lugar de Castello Branco.
“Só ano passado, investiu dois bilhões e meio em obras, dentre essas obras, duas pontes com o Paraguai, a extensão da pista de Foz do Iguaçu que vai começar a receber voos internacionais, bem como atendeu a mais de 20 municípios com as mais variadas obras. Isso não é eficiência?”, questionou.
Em recuperação, a Petrobras apresentou lucros líquidos de R$ 25 bilhões em 2018, último ano do governo Temer, e de R$ 41 bilhões em 2019. Mesmo com os efeitos da pandemia, que derrubou as cotações do petróleo em 2020, o mercado espera bons indicadores operacionais na divulgação do balando anual da companhia na quarta (24), graças ao aumento da produção, das vendas e exportações.
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Política de preços é interesse de poucos
A argumentação é que o mercado financeiro, a Petrobras e empresas do setor de combustíveis estariam colocando seus lucros — e ganhos pessoais — acima dos interesses dos consumidores.
“Queremos saber números concretos do que acontece lá, bem como a política salarial do presidente e dos seus diretores. Alguém sabe quanto ganha um presidente da Petrobras? Chuta bem alto aí”, disse.
A remuneração do presidente da Petrobras, maior da diretoria executiva, foi de R$ 2,7 milhões em 2019, superior a R$ 220 mil por mês. Para 2020, os valores foram mantidos, mas o teto para pagamento de bônus foi elevado em mais de 20%, para R$ 43 milhões.
No universo das empresas públicas e estatais, a Petrobras tem a maior remuneração e os maiores faturamentos. Em 2019, lucrou R$ 41 bilhões e faturou R$ 392 bilhões.
Os dados são públicos e de fácil acesso. O próprio Ministério da Economia consolidou essas informações em um relatório recente (.pdf). Também estão disponíveis nos relatórios da Petrobras.
“O ritmo de trabalho de muitos servidores lá [na Petrobras] está diferenciado. Ninguém quer perseguir servidor — pelo contrário, temos que valorizar os servidores. Agora, o petróleo é nosso ou é de um pequeno grupo no Brasil?”, questionou o presidente aos seus apoiadores.
Disse também que o incômodo do “mercado financeiro” é reflexo do interesse de “alguns grupos” no Brasil.
A interferência na governança da Petrobras derruba não apenas as ações da empresa, mas tem efeito em outros setores, como o de energia, por medo de uma guinada populista.
Bolsonaro vem reclamando do lucro das empresas do setor de combustíveis, neste momento de crise econômica.
“Ninguém fazia nada”
Incomodado por ser alvo de críticas pelos preços dos combustíveis, Bolsonaro mira seu próprio governo. Sem nenhuma base, afirma que o aumento da fiscalização dos postos pode reduzir os preços “numa média de 10%”.
Isso seria possível graças ao combate à fraude conhecida como bomba baixa — o consumidor é enganado e acaba pagando por um volume maior de combustível do que o efetivamente vendido.
E pela garantia de qualidade dos combustíveis, atribuição da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
- Leia na epbr: Bolsonaro critica governo federal e ANP por fiscalização de postos: “ninguém dá bola para nada”
“Vários órgãos do governo — e eu sou o responsável — não faziam nada. Um não é do governo, é a ANP, que tem a missão de controlar a qualidade do combustível. Do nosso lado, o Inmetro é o volume”, diz.
Segundo o presidente, um decreto vai obrigar os postos a publicarem não apenas o peso do ICMS nos combustíveis, mas também a composição completa dos preços, com as margens brutas da Petrobras, distribuidoras e do próprio posto.
“A questão das notas fiscais, a bitributação, é a Receita. No fundo, ninguém fazia nada e eu tenho que descobrir sozinho isso”.
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