Gás para Todos

Governo prepara MP do novo vale‑gás e redesenho do mercado de botijões

Estudos da ANP para distribuição de GLP recebem apoio do MME e decreto é preparado para antecipar reforma; minuta prevê enchimento fracionado e regulação do suprimento 

Presidente Lula da Silva durante coletiva à imprensa, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 30/1/2024 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Presidente Lula (PT) durante coletiva à imprensa, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 30 de janeiro | Foto Ricardo Stuckert/PR

BRASÍLIA — O governo federal pretende publicar ainda em maio a medida provisória com a nova proposta para o Gás para Todos, o vale-gás com subsídio direto para a compra de botijões de gás liquefeito de petróleo (GLP) por famílias de baixa renda. 

O texto, segundo apurou a agência eixos, altera a proposta que foi enviada à Câmara dos Deputados ano passado: inclui as despesas nos limites do orçamento da União, vai prever que a quantidade de botijões subsidiados por ano será proporcional ao tamanho das famílias e prevê mais detalhes para operacionalização do novo vale-gás. 

Além do subsídio, o governo e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) amadureceram as propostas de reforma da regulação da distribuição de GLP, o que inclui a retomada do debate sobre enchimento fracionado de botijões de até 13 kg, destinados ao consumo doméstico.

O assunto subiu a nível governamental em razão de uma convergência entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a ANP, apurou a agência eixos. Uma minuta de decreto foi elaborada para acelerar a reforma, atualmente prevista para ser concluída na agência no primeiro semestre de 2026.

As informações foram antecipadas pelo eixos pro, serviço exclusivo para empresas da agência eixos (teste grátis).

A agenda social é prioridade no Planalto. Os preços do GLP dispararam no Brasil desde 2020, acima de outros itens que compõem o IPCA, a inflação oficial do país. Um botijão de 13 kg custava, em média, R$ 74,75 no Brasil em dezembro daquele ano. No fim de 2024, chegou a R$ 107,41 (+44%). No período, a inflação acumulada foi de 29%.    

Na sexta (2/5), Lula discutiu com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), a ampliação da tarifa social de energia elétrica (TSEE), peça-chave da proposta de reforma setorial apresentada pelo MME há duas semanas. O governo também pretende criar a nova TSEE por medida provisória.  

O presidente, contudo, tem duas agendas internacionais nas próximas semanas. Acompanhado de ministros, Lula chegará na Rússia na quinta (8/5) e participará, na sexta (9/5), das celebrações do 80º aniversário do Dia da Vitória. A data relembra a vitória soviética contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.

No sábado (10/5), a comitiva seguirá para a para a China, onde cumprirá agenda até terça (13/5).

Gás para Todos voltou à prancheta

Na edição do PL 3335/2024, enviado à Câmara dos Deputados no fim de outubro, o governo Lula propôs a criação do subsídio direto na aquisição de botijões de gás de cozinha para famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), com renda per capita de até meio salário mínimo nacional. 

É diferente do vale-gás atual, criado pelo Congresso Nacional no governo de Jair Bolsonaro, pelo qual é feito um pagamento adicional às famílias de baixa renda equivalente ao preço nacional do botijão, considerando um consumo médio de um vasilhame a cada dois meses.    

O projeto de Lula abriu, contudo, uma crise em razão da possibilidade de financiamento direto com recursos da venda do óleo da União no pré-sal. Com a MP do Gás para Todos, o programa social contará com despesas incluídas nos limites de gastos do arcabouço fiscal. 

Há R$ 3,6 bilhões previstos no orçamento da União desde ano, sendo R$ 600 milhões do projeto original, enviado em 2024; e R$ 3 bilhões acomodados em março, a partir do corte de outras despesas

Os modelos vão coexistir, mas a intenção é gradativamente migrar as famílias carentes de um programa para outro. 

Nos seis meses entre a edição do projeto de lei e a elaboração da medida provisória, Minas e Energia, Fazenda e Casa Civil refinaram o programa – uma discussão que inevitavelmente ocorreria durante a tramitação no Congresso Nacional. 

A pedido da Fazenda, o Gás para Todos vai prever que o subsídio seja proporcional ao tamanho das famílias beneficiadas, ao contrário do vale-gás atual, que utiliza uma espécie de consenso para fins estatísticos (um botijão por família, a cada dois meses). 

Além do uso mais racional dos dinheiro público, a medida ajuda a mitigar o estímulo à criação de um mercado paralelo, dado que famílias menores poderiam retirar uma quantidade de botijões por ano muito acima do seu consumo real. 

Os botijões serão retirados na revenda por meio de um voucher. O meio de pagamento será desenvolvido pela Caixa Econômica Federal, banco público responsável pela execução de programas sociais, como o Bolsa Família. 

Outra alternativa seria conceder um cashback, descartada em razão da necessidade de os beneficiários terem em mãos o dinheiro para aquisição dos botijões, para depois receberem um reembolso. 

A revenda será remunerada a partir da definição de preço fixo de referência, que será calculado e atualizado periodicamente. A adesão será voluntária.

Minuta de decreto prevê autorização para “enchimento remoto” de botijões 

O MME, em colaboração com a ANP, finalizou a minuta de um decreto que reformula por completo as regras de distribuição do GLP. 

O texto, obtido pela agência eixos, cria a figura da Central de Envase Remoto (CER), libera o envase de botijões de marcas diferentes na mesma base e obriga produtores e importadores a dar acesso prioritário a empresas de menor porte nos polos onde o produto é escasso.

A intenção com o decreto é avançar com o escopo da reforma proposta na ANP – é fruto dos estudos já apresentados na agência, em novembro do ano passado. Não elimina a necessidade de regulações adicionais pela ANP, trabalho previsto para ocorrer no segundo semestre e ser concluído no início de 2026.  

O diagnóstico comum entre os dois órgãos é que o atual regime de requalificação dos botijões encarece a logística e cria uma barreira de entrada para novos concorrentes. Hoje, cada botijão tem uma marca de uma distribuidora e o enchimento é feito exclusivamente pela respectiva empresa.

Este debate foi retomado após quase dez anos: no governo de Michel Temer, o então diretor-geral da ANP, Décio Oddone, propôs uma reforma da regulação, que não avançou. As distribuidoras são contra, defendem que o modelo vigente garante a segurança dos botijões.

Argumentam também que o setor tem custos elevados, com botijões vendidos aos consumidores abaixo dos preços de custo e mediante altos investimentos na aquisição e logística dos vasilhames.   

O botijão é encomendado pelas distribuidoras e vendido aos consumidores finais pelas revendas autorizadas. Já a carga de 13 kg pode ser adquirida de qualquer empresa, mas há uma logística reversa nas bases, de destroca, para cada distribuidora encher os botijões das suas marcas, antes de colocar de volta no mercado.

Segundo a minuta do decreto, a CER representaria a criação de um novo elo da cadeia que poderá comprar, armazenar, fazer o envase e comercializar GLP, mediante autorização da ANP.

Para isso, a empresa deverá autorizar a ANP a ter acesso a documentos fiscais eletrônicos da operação, por exemplo.

Como medida adicional de integridade, a CER fica obrigada a substituir o recipiente que não estiver em condições adequadas de uso, além de providenciar a manutenção preventiva e corretiva dos botijões.

Entre as medidas de segurança, estão a exigência de instalação de detector de vazamento, balança e controle do limite de enchimento.

Caberá à ANP controlar o número de série gravado em cada botijão de até 13 kg, identificador para rastreio do vasilhame, dado que poderá ser enchido o botijão de quaisquer marcas.

Todo distribuidor poderá envasar e comercializar todo botijão de até 13 kg, independentemente da marca gravada, mediante comunicação prévia à ANP. 

Também precisam assegurar que os vasilhames estejam em condições de reutilização; possuam número de série e sejam rastreáveis; possuam informações como a data e nome do distribuidor que realizou o envase. Fornecedores que ignorarem irregularidades serão corresponsáveis por eventuais falhas.

Mercado elevou margens 

A margem líquida das distribuidoras de GLP passou de 7,7% em 2019 para 13,7% em 2023. Além da margem crescente, as distribuidoras também fortaleceram sua posição financeira, com crescimento de 313% nos recursos em caixa.

As conclusões são da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), parte dos estudos que embasaram as propostas da ANP, como mostrou a eixos ano passado. 

À época, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), Sérgio Bandeira de Mello, disse que o crescimento nas margens do setor se deu porque os outros combustíveis tiveram aumento de preço, o que tornou o GLP mais competitivo, inclusive se comparado à energia elétrica.

“As margens efetivamente tiveram uma evolução positiva. Eu acho que as empresas conseguiram remunerar melhor as suas atividades, que eram pessimamente remuneradas antes”, disse.

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