Combustíveis e Bioenergia

Eletrificação: poluindo mais para poluir menos – parte 2, painéis solares

Geração renovável não significa carbono zero no ciclo de vida dos materiais

Eletrificação (pt.2, painéis solares): poluindo mais para poluir menos. Na imagem, fábrica de painéis solares fotovoltaicos (Foto: The Picture Box/Pixabay)
Da mineração até a transformação à metal virgem muito carbono é emitido na atmosfera. O volume de emissões associadas varia a depender da matriz energética de onde o painel solar é produzido (Foto: The Picture Box/Pixabay)

A eletrificação do transporte e dos processos industriais é tida como fundamental para que se alcance o chamado “net zero carbon emissions”.

O esforço neste sentido não é trivial e exige um esforço nunca visto, uma mudança energética estrutural a ser realizada em menos de três décadas.

A corrida pela eletrificação já começou, mas a esperada redução das emissões de carbono ainda não. Pelo contrário, a construção basilar da transição está aumentando as emissões de carbono, pelo menos por enquanto.

No primeiro artigo desta série Eletrificação: poluindo mais para poluir menos, foi apresentado como as baterias de lítio aumentam as emissões de carbono na atmosfera nos curto e médio prazos.

De forma similar, isso também ocorre com a produção em larga escala de painéis fotovoltaicos, os famosos “painéis solares”, quanto mais eles são produzidos hoje maiores são as emissões de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera.

Adicionalmente, observa-se que no curto prazo a oferta de energia pode diminuir, à medida que usinas de carvão são substituídas por painéis solares.

Produzindo painéis solares

O principal componente dos painéis solares é o silício, um elemento químico encontrado fartamente na areia.

O tradicional castelo de areia feito pelas crianças com água e um pequeno balde pode ser transformado em barras de silício de alta pureza, que move a microeletrônica pelo mundo.

A “mágica” química, porém, exige muita energia para segregar os átomos de silício presentes na areia.

Além de silício, os painéis solares mais tradicionais exigem quantidade considerável de cobre, alumínio e plásticos, entre outros componentes em menor proporção.

Da mineração até a transformação à metal virgem muito carbono é emitido na atmosfera. Dependendo da matriz energética aonde o painel solar é produzido, as emissões associadas são maiores ou menores. 

A China é o maior fabricante de painéis solares do mundo, com mais de 90% do mercado (LAI, 2022), bem como tem o carvão compondo 55% da sua matriz energética (BP, 2022).

Não é exagero dizer que maior parte desses painéis são produzidos a base de carvão, assim como pode-se dizer que o carvão está “patrocinando” a transição para energia solar, de forma indireta.

Estudos de ciclo de vida de painéis solares indicam que a construção deles, assim como da infraestrutura associada, gera 66 gramas de gases de efeito estufa por quilowatt-hora (kWh), em média (IPCC, 2022).

Para fins de comparação, uma hidroelétrica, “nasce” com pegada de carbono de 19 g de CO2e para cada kWh, menos da metade de um sistema fotovoltaico, um sistema gerador eólico nasce com 15 gCO2e/kWh e uma usina térmica a carvão com 9,6 gCO2e/kWh aproximadamente. Obviamente, a usina a carvão irá emitir uma grande quantidade de GEE ao longo da sua existência, fazendo com que sua “pegada final” seja de 820 gCO2e/kWh (IPCC, 2022) – ver quadro 1.

Quadro 1 – Emissões de GEE de fontes de energia elétrica selecionadas (gCO2e/kWh). Fonte: elaboração própria, a partir de IPCC, 2022.
Quadro 1 – Emissões de GEE de fontes de energia elétrica selecionadas (gCO2e/kWh). Fonte: elaboração própria, a partir de IPCC, 2022.

Se você se embaralhou no meio de tantos números, vale enfatizar: no início do ciclo de vida, a fabricação dos painéis solares emite muito mais carbono do que suas fontes concorrentes, isto quer dizer que, nos curto e médio prazos, um maior uso desses painéis irá aumentar as emissões de carbono na atmosfera.

Salienta-se que esta afirmação não considera a reciclagem do conjunto fotovoltaico (placas, infraestrutura de instalação e inversores de frequência).

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O decréscimo de energia disponível

Um segundo ponto a ser observado em relação à energia fotovoltaica está relacionado ao seu “retorno energético”.

Uma análise bastante importante no estudo de sistemas energéticos está centrada no EROI (Energy Return on Investment), que indica o “retorno do investimento em energia”.

O EROI é um indicador que estima a quantidade de energia que se obtém para cada unidade de energia que se investe para produzi-la. Portanto, obviamente, quanto maior a proporção, quanto maior o EROI, melhor, porque significa que se pode obter maior retorno em energia pelo investimento realizado.

O EROI de tradicionais painéis fotovoltaicos de silício monocristalino é da ordem de 6 (PICKARD, 2017), ou seja, para cada joule de energia utilizada na sua fabricação retorna-se seis joules de energia para utilização. Carvão tem EROI entre 25 e 60 (HALL, 2014).

A substituição de geração de energia elétrica em usinas de carvão por fotovoltaica induz um desequilíbrio na oferta de energia.

Se a geração em painel solar substitui a do carvão, tem-se imediatamente um decréscimo do EROI médio disponível. A exigência de curto prazo é a necessidade de mais energia para reequilibrar o balanço e manter a transição.

Se o incremento não vem, o preço da energia é pressionado para cima. Conciliar transição energética com aumento da disponibilidade líquida de energia é desafio adicional a enfrentar por conta disso.

Poluindo mais para poluir menos

Diante do exposto até aqui, fica claro que a longo prazo o uso de painéis fotovoltaicos em substituição a fontes fósseis reduzirá as emissões de GEE, porém, menos do que outras opções como hidro, eólica e nuclear.

Contudo, nos curto e médio prazos, o efeito será inverso, as emissões irão aumentar, dada a alta intensidade de carbono associada à fabricação e infraestrutura dos painéis, pelo fato de que cada joule de capacidade em energia “limpa” construída hoje requer muitos joules de energia fóssil.

O balanço energético, oferta e demanda, é igualmente ponto-chave e crítico a ser observado na transição energética ao passo que a necessidade de energia para produzir energia aumenta simultaneamente ao consumo realizado pela sociedade.

A queda do EROI induzida pelos painéis solares precisa ser contrabalanceada por outras fontes, inclusive fósseis. 

A China, maior fabricante de painéis fotovoltaicos, aumentou sua geração de energia a partir do carvão e gás natural para sustentar essa liderança industrial, entre outras.

Soa contraditório, mas foi a forma de manter o balanço energético em equilíbrio. E, assim, vai-se vivenciando a transição, poluindo-se mais, para poluir menos.

Cobrimos por aqui:

Referências

  1. BP Statistical Review of world energy. Disponível em: < https://www.bp.com/en/global/corporate/energy-economics/statistical-review-of-world-energy.html>. Acessado em julho de 2022.

HALL, C. A.S.; LAMBERT, J.G.; BALOGH, S. EROI of different fuels and the implications for society. Energy Policy, Volume 64, January 2014, Pages 141-152

IPCC. Technology-specific Cost and Performance Parameters. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/ipcc_wg3_ar5_annex-iii.pdf>. Acessado em julho de 2022.

LAI, K. China solar photovoltaics market: how it leads the global clean energy race? Disponível em: <https://lynk.global/insights/chinas-solar-photovoltaic-market-how-it-leads-the-global-clean-energy-race>. Acessado em julho de 2022.

PICKARD, W. F. (2017). A simple lower bound on the EROI of photovoltaic electricity generation. Energy Policy, 107, 488–490.