RIO — Em meio à reação das grandes empresas do mercado de combustíveis contra a proposta que as obrigava a aumentar temporariamente os estoques de diesel S10 no país, entre setembro e novembro, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) derrubou a medida.
No lugar, os diretores da ANP aprovaram nesta sexta-feira (5/8) um conjunto de ações para aperfeiçoar o monitoramento dos estoques — sem mexer na essência, contudo, da autorregulação do mercado.
De acordo com a proposta alternativa, os agentes continuam obrigados a informar os volumes de estoque de S10, nos termos dos comunicados de sobreaviso anteriormente publicados pela ANP.
E passam a ser obrigados a informar:
- o volume das cargas de S10 contratadas com destino ao Brasil, bem como avisar sempre que identificarem restrição – efetiva ou parcial — na contratação dessas cargas;
- a previsão, bem como a data efetivamente realizada de partida dos navios dos portos com as cargas;
- quaisquer contratempos, paradas não previstas, alteração de destino, ou qualquer outro fato relevante que possa vir impactar a chegada dessas cargas ao Brasil;
- qualquer alteração na sua previsão de produção, inclusive a ocorrência e o impacto de paradas não programadas.
As medidas estão sujeitas a um novo comunicado de sobreaviso no abastecimento, nos termos da Resolução ANP 53/2015.
Também foram incluídas outras medidas que visam a aprofundar o acompanhamento do abastecimento pela ANP. Com isso, a equipe técnica da agência terá:
- que fazer o acompanhamento da produção estimada de diesel S10 e a previsão de entidades do setor e órgãos do governo, em periodicidade certa;
- acompanhar a projeção atualizada da produção de diesel junto a cada produtor, com periodicidade certa;
- apresentar à diretoria colegiada da ANP o cruzamento e análise dos dados obtidos.
Racha na diretoria
A proposta alternativa foi apresentada pelo diretor Fernando Moura — que, na semana passada, entrou com pedido de vistas sobre a minuta de resolução que previa o aumento dos estoques obrigatórios.
Ele alegou, na ocasião, que ainda não era possível avaliar com clareza os benefícios e os sacrifícios que a medida traria. E que a proposta tinha sido elaborada como bases em estimativas defasadas da produção nacional.
A mudança sugerida por ele no escopo da proposta foi aprovada nesta sexta pelos colegas Daniel Maia e Cláudio Jorge.
A minuta de resolução com o plano original de aumento do estoques havia sido elaborada pela Superintendência de Distribuição e Logística (SDL) e apresentada pela diretora Symone Araújo, responsável pela área. O diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia já havia manifestado voto a favor da proposta da SDL.
Relembre: Originalmente, a proposta da ANP obrigava produtores e distribuidores a manter o equivalente a nove dias de estoques de S10 entre setembro e novembro – o que, na prática, significava aumentar os volumes estocados ante os níveis mais recentes.
A medida valeria para refinadores e distribuidoras com market share superior a 8% das vendas de S10 no segundo semestre de 2021. Ou seja, cinco companhias: Petrobras, Acelen, Vibra Energia, Raízen e Ipiranga.
As empresas reagiram contra a medida, sob a alegação de que a manutenção de estoques aumentaria custos e poderia aumentar os preços. A ANP, antes de aprovar a proposta alternativa, chegou a flexibilizar as regras originais.
Na reunião desta sexta-feira (5/8), Moura afirmou que os benefícios advindos da aprovação da proposta original , “não superariam eventuais ônus nela contidos”. Ele destacou que hoje o mercado mundial vive um cenário dinâmico e vem se adaptando às restrições na oferta.
“O cenário internacional, ainda que sem uma solução definitiva, vem se moldando de forma a não admitir uma interrupção de suprimento, fato esse comprovado com a manutenção das importações do Brasil até o presente momento”, justificou o diretor, durante participação na reunião de diretoria.
Para Moura, a questão do abastecimento de diesel S10 pode ser tratada com um monitoramento mais aprofundado junto aos agentes, sem a necessidade de medidas mais interventivas.
Já o diretor Daniel Maia propôs também que a ANP realize uma série de estudos para avaliar os estoques existentes no país. Moura também questionou se era papel da agência estabelecer estoques mínimos, já que a legislação não prevê a formação de estoques estratégicos para o diesel, mas apenas para petróleo e etanol.
Petrobras vê evolução no cenário, mas prega cautela
As discussões sobre os riscos de desabastecimento no segundo semestre ganharam força a partir de maio, quando a Petrobras, então sob gestão de José Mauro Coelho, fez alertas ao governo sobre o cenário de estresse no mercado global.
Na ocasião, Jair Bolsonaro pressionava a estatal a segurar reajustes, em meio à alta dos preços internacionais. Ao defender a necessidade de manter os preços alinhados ao mercado global, a estatal argumentava que a livre formação de preços era necessária para permitir que outros importadores mantivessem as encomendas, diante dos riscos de desabastecimento.
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Segundo a Petrobras, o risco era maior no segundo semestre em função:
- do aumento sazonal da demanda mundial no segundo semestre;
- da menor disponibilidade de exportações russas pelo prolongamento e agravamento de sanções econômicas ao país;
- e de eventuais indisponibilidades de refinarias nos Estados Unidos e Caribe com a temporada de furacões de junho a novembro.
Na semana passada, a Petrobras sinalizou a investidores que o cenário do mercado, desde os primeiros alertas, melhorou um pouco, mas que a situação ainda demanda cautela:
“Na verdade, a Petrobras, há alguns meses, até fez um alerta sobre essa situação. De lá para cá, algumas coisas evoluíram, e ainda enxergamos com cautela o cenário de diesel nos próximos meses”, comentou o diretor de comercialização e logística, Cláudio Mastella, durante teleconferência com investidores, na sexta passada (29/7).