Descarbonização marítima

Brasil precisa criar demanda para combustíveis marítimos verdes, defende relatório da ONU

Na imagem: Navio cargueiro entrando no Porto de Suape, em Pernambuco (Foto: Divulgação)
Navio cargueiro entrando no Porto de Suape (Foto: Divulgação)

RIO — A criação de uma demanda interna para biocombustíveis para o transporte marítimo é uma das principais recomendações endereçadas ao governo brasileiro pelo relatório divulgado em setembro pelo Grupo de Trabalho de Negócios Oceânicos (GTNO) do Pacto Global da ONU – Rede Brasil. 

O GT liderado pelo Porto do Açu e a Ocean Stewardship Coalition, com participação de mais de 84 membros, analisou oportunidades que a aceleração da transição energética no setor pode representar ao país.

“É necessário criar condições para mobilizar a procura por biocombustíveis de baixo carbono ou carbono neutro para o transporte marítimo”, afirma o relatório.

E destaca a necessidade de ampliar programas de incentivos à descarbonização, a exemplo do Combustível do Futuro, recém sancionado pelo governo Lula (PT).

A nova legislação cria mandatos de redução de emissões na aviação doméstica e amplia obrigações de mistura de biocombustíveis à gasolina e ao diesel no transporte terrestre.

O relatório da ONU destaca que o Brasil já conta com diversas políticas e incentivos que visam a transição energética para mobilidade — RenovaBio, Rota 2030 (atual Mover) e Combustível do Futuro, entre outros — , porém nenhum deles alcança diretamente os setor marítimo. 

“Adaptar e ampliar esses mecanismos para beneficiar a descarbonização do setor marítimo portuário. Isso pode ser mais eficiente, no curto prazo, do que a criação e aprovação de novos mecanismos legais”, defende o GT.

Vocação para biocombustíveis

O relatório sublinha que o Brasil, por sua longa experiência com biocombustíveis como o etanol, pode liderar a transição do setor marítimo no Atlântico Sul e fornecer soluções globais.

Mas será preciso ter uma atuação menos “reativa”, visto que o governo aguarda definições da Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês) que indiquem mais precisamente o caminho a seguir. 

“Incentivar imediatamente a produção de combustíveis alternativos no país, principalmente hidrogênio verde, metanol e biocombustíveis como etanol e HVO (diesel verde), sem esperar outras definições internacionais, para não perder a competitividade no mercado global, pois algumas direções já estão claras para o setor”, recomenda. 

Também avalia que, no Brasil, o foco no curto prazo deve ser para biocombustíveis, como etanol, e no médio prazo GNL e metanol. 

“Ainda se fala pouco sobre produção nacional do metanol verde, que já é apontado internacionalmente como um dos combustíveis mais promissores para o transporte de carga, basta olharmos para a Maersk e a Cosco”. 

No longo prazo, destacam-se como alternativas a amônia e hidrogênio, além da captura de carbono a bordo e propulsão nuclear aparecem como alternativas. 

Brasil fora da rota de corredores verdes (ainda)

Corredores verdes — rotas marítimas específicas, desenhadas para operar com combustíveis de baixo carbono ou zero emissões — já estão em andamento no Atlântico Norte, no Mar do Norte e no Pacífico Norte, mas esses projetos ainda não alcançam o Brasil. 

“Chama atenção a ausência de iniciativas que contemplem o Brasil”, diz o estudo, reforçando que existem mais de 44 iniciativas de corredores verdes em curso em outras partes do mundo.

A visão é que esses corredores, bem como a criação de ECAs (Emission Control Areas) poderiam acelerar a transição do setor no Brasil, a partir do estabelecimento de um ecossistema vantajoso, com incentivos financeiros e regulamentações de segurança, por exemplo.

“O desenvolvimento de corredores verdes permite concentrar esforços e investimentos em rotas comerciais específicas, facilitando a criação de um ecossistema eficiente com infraestrutura adequada, medidas regulatórias direcionadas e incentivos financeiros”, explica.

Além disso, os combustíveis alternativos precisam ser competitivos e atrativos para as embarcações internacionais que hoje abastecem fora do país. Nesse ponto, caberia ao governo brasileiro criar as condições para viabilizar a produção e oferta desses novos produtos. 

“Embarcações internacionais de longo curso não costumam abastecer no Brasil porque o valor do bunker, aqui, não é competitivo se comparado com Singapura ou outros portos. Só abastece aqui o navio que teve uma necessidade imprevista”, destaca.

Papel dos portos

Em evento promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) nesta quarta (16/10), Eduardo Kantz, diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da Prumo, controladora do Porto do Açu, afirmou que infraestrutura portuária também tem um papel a desempenhar na transição energética. 

“O desafio principal está em oferecer as soluções de descarbonização para o setor marítimo (…) Não haverá net zero em 2050 sem a descarbonização do setor marítimo”. 

Segundo ele, o Açu já vem trabalhando para garantir uma operação resiliente do ponto de vista climático e, ao mesmo tempo em que explora novas oportunidades de negócios que a transição energética traz para as operações portuárias e marítimas. 

“Os portos terão um papel fundamental nesta conversão de uma infraestrutura que atende hoje aos setores intensivos em carbono para uma infraestrutura capaz de fornecer combustível marítimo de baixo carbono, mas também soluções para os setores difíceis de abater”.

Kantz destaca que hoje 90% do comércio global é dependente do setor marítimo,  responsável por 3% das emissões globais de CO2.

“Se fosse um país, o setor marítimo sozinho seria o oitavo maior emissor global. E são emissões que não estão cobertas pelas NDCs, pelas instituições específicas de países, que dependem de uma atuação muito forte da IMO ou da sua estratégia de descarbonização”, completou.