“Nosso compromisso é neutralizar as emissões de CO2 até 2050. Essa proteção do clima é o objetivo central da nossa estratégia de negócios”, diz Priscilla Cortezze, diretora de Sustentabilidade e Assuntos Corporativos da Volkswagen, em entrevista à agência epbr.
A recém-criada diretoria de Sustentabilidade tem como missão unificar a pauta sustentável da empresa e fortalecer os fatores ESG — Ambiental, Social e Governança na estratégia de negócios.
Mundialmente, o grupo alemão vai investir 14 bilhões de euros no programa Way to Zero, um pacote de medidas para acelerar a descarbonização da empresa e dos seus produtos, os carros.
“Temos um caminho muito grande para acelerar a transição para mobilidade sustentável, cuja eletrificação é um dos principais vetores, mas vai além”, conta Priscilla.
A estratégia passa também pela descarbonização da cadeia de suprimento e da produção nas fábricas — a meta é diminuir pela metade as emissões do CO2 por carro produzido nas fábricas no mundo todo até 2030.
Além de garantir fontes de energia limpa.
“Estamos fazendo a nossa parte, fazendo uma grande mudança da tecnologia dos automóveis, mas não adianta nada ter o carro elétrico se o automóvel não é carregado com energia limpa e sustentável”, destaca.
“Essa transição energética tem que ocorrer junto com a evolução dos nossos carros”.
Os planos vêm na esteira da mobilização de empresas e governos para alcançar emissões líquidas zero até 2050 e alcançar o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C até o fim do século.
São também uma sinalização de mudanças na governança da companhia, quem em 2015 protagonizou o escândalo de emissões que ficou conhecido como dieselgate.
“O dieselgate trouxe uma nova visão estratégica para a empresa. Tivemos que repensar todo o impacto econômico, social e de sustentabilidade, e reconquistar a confiança”, afirma a executiva.
A seguir, os principais pontos da entrevista:
Eletrificação acelerada na Europa e etanol no Brasil
Parte da estratégia de descarbonização da Volkswagen, a eletrificação acelerada deve acontecer com mais força na Europa.
A meta é que em 2030 mais de 70% dos carros vendidos pela companhia no continente sejam elétricos. Nos Estados Unidos e China, a meta para 2030 é de 40%.
Já em países emergentes, como o Brasil, a aceitação dos elétricos deve ser diferente e a estratégia é se adaptar.
“No Brasil, estamos completamente alinhados de que o etanol é uma estratégia complementar já existente. Por isso, a nossa estratégia é desenvolver tecnologias a partir do etanol como combustível além do que a gente tem hoje”, conta Priscilla.
Ela vê o momento como oportuno para o Brasil exportar a tecnologia como alternativa à eletrificação.
“A gente diz que o etanol tem a chance de deixar de ser uma jabuticaba e poder ser exportado para vários países, porque não é só o Brasil que vai ter o desafio de acelerar essa eletrificação da frota. Outros países também terão”.
Entre os desafios estão os investimentos necessários em infraestrutura de recarga, garantir que a matriz elétrica seja renovável, o custo dos veículos e a manutenção.
“Vamos ter uma frota diversificada no Brasil, com carros elétricos puros e, principalmente, carros movidos a biocombustível com tecnologia elétrica. Talvez não alcancemos essas mesmas porcentagens da Europa e Estados Unidos, mas a eletrificação da frota também vai acontecer no Brasil, só que por meio de tecnologias com o etanol”.
Segundo Priscilla, a Volkswagen não tem meta para o fim dos carros a combustão.
“É possível que eles deixem de ser vendidos nesses países mais rapidamente, mas vai depender muito de evolução. O que a gente tem como objetivo é descarbonizar. É ter tecnologias que nos levem a neutralizar as emissões até 2050. E o etanol entra como uma grande oportunidade”.
Desafio tecnológico
Recentemente, a montadora anunciou um Centro de P&D de Biocombustíveis no Brasil.
A proposta é pesquisar fronteiras do uso do etanol como modelo de eletrificação via célula a combustível, com foco também na exportação.
O centro ainda está em fase de estruturação e busca de parcerias com universidades e agências de fomento. Será conectado à fábrica na Anchieta (SP), e possivelmente São Carlos, onde são produzidos os motores.
“Ainda existe um desafio tecnológico [para a célula a etanol], porque tem que ser algo comprimido, pequeno, que possa se adequar ao carro”.
Priscilla explica que é importante que a tecnologia consiga se adequar aos modelos de veículos que já existem hoje e o Centro de P&D de Biocombustíveis tem essa premissa.
“Nós não vamos produzir um veículo especialmente para rodar com etanol. Temos que adaptar essa vanguarda de tecnologias ao que já temos hoje”, completa.
Acessibilidade
Tornar os elétricos acessíveis economicamente é um desafio, especialmente em países emergentes, onde o risco é que as tecnologias de baixo carbono fiquem restritas a uma pequena camada da população de alto poder aquisitivo.
“Essa é de fato uma grande preocupação, mas a gente faz uma comparação, por exemplo, com o mercado de telefonia. Quando os primeiros telefones celulares surgiram, eram telefones enormes, caríssimos, pouquíssimas pessoas tinham acesso ao telefone. O mesmo aconteceu com os computadores”, compara.
“À medida que a tecnologia foi evoluindo, o custo de geração de baterias e de processamento foi ficando cada vez mais barato, o ganho de escala foi trazendo o barateamento da tecnologia e ampliou o acesso”.
De acordo com Priscilla, a visão da companhia é de que, em alguns anos, os carros elétricos vão se beneficiar dessa escala de produção. E o esforço de produção para isso está acontecendo.
“Na Europa, por exemplo, o ADI3, um carro elétrico compacto equivalente ao Golf, tem o mesmo preço de um carro a diesel. Ou seja, ele já tem um preço competitivo”.
‘Nosso cliente ainda está aprendendo sobre as emissões de CO2’
Em julho, a Volkswagen lançou a calculadora Abasteça Consciente, um aplicativo que compara o preço do etanol e da gasolina e mostra as emissões de CO2.
Em média, a emissão de CO2 do etanol versus a gasolina é quase 75% a 80% menor, na comparação ‘do poço à roda’.
“No primeiro mês, tivemos 100 mil downloads. Ou seja, mesmo tendo o etanol como combustível há tantos anos no Brasil, nosso cliente ainda está aprendendo sobre as emissões de CO2 e o impacto que um combustível como o etanol pode trazer”.
Governança
O dieselgate trouxe uma nova visão estratégica para a empresa.
“Eu diria que o grupo hoje é o mais bem preparado para essa transição para a mobilidade sustentável. Nós temos uma plataforma de veículos que já nasceram elétricos e isso tem uma relação com o dieselgate porque, naquele momento, a empresa teve que repensar todo o impacto econômico, social e de sustentabilidade, e reconquistar a confiança”, diz.
A empresa também passou por um processo de monitoria do governo dos EUA e precisou fazer um esforço de compliance para se adequar às cobranças sociais mudanças.
“Hoje é um tema que acabou nos ensinando muito. Serviu para reconstruir todos os nossos padrões de governança. É uma outra empresa, um outra cultura”.