A Procuradoria-Geral Federal junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) entende que a agência tem base técnica e legal para autorizar projetos-piloto de abastecimento de combustível, com entrega por aplicativo.
O órgão subordinado à Advocacia-Geral da União (AGU) participa da defesa da agência, em ação movida pela Fecombustíveis na Justiça Federal, em que a federação dos postos de combustíveis tenta impedir a liberar do delivery de combustíveis – também foi pedido um mandado de segurança pelo Minaspetro. Decisões liminares impedem a liberação do serviço.
Veja a decisão liminar (.pdf), que atende parcialmente pedido da Fecombustíveis.
Discussão desencadeada pelo Gofit, serviço lançado pela Fit Combustíveis, da Refit, que entrou em operação no fim do ano passado, vendendo gasolina e etanol por meio de aplicativo, e posteriormente foi suspenso por determinação da ANP.
O negócio, em fase inicial, era baseado na intermediação entre consumidores na Zona Oeste do Rio de Janeiro – Barra da Tijuca, Recreio e Vargem Grande – e o Posto Vânia, de bandeira branca. Sem previsão regulatória, a ANP interrompeu a operação da Gofit e, há duas semanas, formalizou o auto de infração ao Vânia, por venda de combustíveis fora do posto.
Contudo, a área técnica da ANP, agora corroborada pelos procuradores da AGU, entende que, em benefício da inovação e potencial aumento da concorrência na venda de combustíveis, a agência pode liberar a execução de projetos-piloto, com o objetivo de testar a operação e, eventualmente, promover alterações na regulação.
“O objetivo principal do projeto piloto, também conhecido como sandbox é, por meio da criação de um regime jurídico próprio e particularizado, permitir o teste de produtos ou serviços em um ambiente controlado, de forma a reduzir o tempo de entrada desses no mercado e auxiliar na identificação de medidas que precisem ser adotadas para a proteção dos usuários”, defende a procuradoria.
Na ação, a Fecombustíveis argumenta que o serviço – abastecimento realizado fora do ambiente controlado dos postos de combustível, sujeitos à fiscalização –, ameaça a segurança dos consumidores. No modelo da Gofit, a entrega era feita com uma caminhonete adaptada e o motorista da empresa também realizava o abastecimento.
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Proposta em estudo na ANP
O caso é analisado na Superintendência de Fiscalização do Abastecimento da ANP, que entende que é possível liberar o projeto-piloto da Gofit. Antes, contudo, o caso precisa passar pela diretoria da agência. Rito inclui elaboração da avaliação de impacto regulatório (AIR)
Se autorizado, não será restrito à Gofit. Essa isonomia faz parte da defesa da ANP – associados da Fecombustíveis também poderão oferecer o serviço, dentro das exigências do projeto-pilo, diz a agência.
Teste previsto para durar 360 dias. A agenda regulatória atual da ANP prevê alterações nas normas de revenda de combustível, que já poderiam incorporar o delivery.
Algumas das exigências em estudo:
- Indicação de responsável técnico pela segurança operacional da atividade do aplicativo;
- Disponibilizar para os clientes, a cada entrega, equipamento para verificação da bomba medidora – norma ABNT NBR 17.505/2013; para a revenda de combustíveis líquidos, a medida padrão é de 20L. A Gofit afirmou, em reuniões com a ANP, que utiliza maletas de equipamentos para aferir a qualidade dos combustíveis;
- Entregar, quando solicitado pela ANP, dos dados referentes à rastreabilidade dos produtos em movimentação para entrega e dos já entregues;
- Entre os requisitos de segurança, o veículo que transporta os combustíveis – a Gofit utilizou caminhonetes Chevrolet S10, adaptadas com tanque e bomba de combustível – tem que seguir as normas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o que inclui a habilitação específica do motorista.
- O abastecimento não pode ser feito em ambientes confinados, como garagens. Segundo informações da Gofit no processo, nesses casos é feito o estorno da compra pelo aplicativo;
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Liberdade econômica em debate
O projeto da Gofit, seguido da proibição da ANP e posterior ação na Justiça Federal, está motivando uma discussão sobre inovação técnica e regulatória, isto é, qual deve ser o papel das agências reguladoras diante de iniciativas do mercado, não previstas na legislação.
“O arcabouço normativo posto é constantemente desafiado por novas tecnologias que não se amoldam perfeitamente nos formatos de negócio tradicionalmente regulados. Neste contexto, a literatura regulatória vem propondo abordagens mais dinâmicas e flexíveis para enfrentar esse tensionamento entre as normas existentes e o surgimento de novas tecnologias.”
O parecer da AGU cita artigo que trata das fintechs, empresas de tecnologia que atuam no mercado financeiro e desafiam, não apenas no Brasil, a regulação dos mercados bancários e de financiamento.
“Essas características fazem da sandbox uma ferramenta vantajosa para regulador, agente regulado e consumidor. O agente econômico consegue introduzir seu novo modelo de negócios no mercado, o consumidor tem acesso ao um novo produto ou serviço e a agência obtém as relevantes informações decorrentes do teste empírico”, afirma a procuradoria.
O artigo citado é o Promoção do financiamento das PME, no contexto da Revolução Fintech: um estudo de caso da prática e regulamentação no Reino Unido, em tradução livre, do pesquisar Lerong Lu, da University of Bristol Law School.
Por aqui, a novidade foi a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, promulgada em setembro por iniciativa do Ministério da Economia (lei 13874/2019). O texto estabelece, como direito, o desenvolvimento de novos modelos de negócio, “quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente”
A defesa da ANP vai além e conclui que antes da edição da 13874/2019, a agência reguladora já era capaz de realizar um “teste regulatório empírico”, ou seja, permitir, de forma controlada, atividades não previstas ou vedadas pela regulação vigente.
“Mesmo antes da edição de leis recentes, como a lei nº 13874/2019, o afastamento isolado das normas em vigor para se permitir uma avaliação experimental, desde que devidamente motivado, era admitido com base na própria função regulatória, criada para fazer frente a complexidade e mutabilidade de determinados setores da economia”
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