Transição energética, a indústria de óleo e gás e os créditos de carbono

Como sociedade e cidadãos devemos estar cientes dos ônus e bônus desse processo. De um lado, entender que renunciar a oportunidades competitivas representa abdicar de benefícios sociais e econômicos, de outro, compreender a urgência para o atendimento de compromissos ambientais e o enfrentamento das mudanças climáticas, avaliam Aurélio Amaral e Erick Diniz

Transição energética, a indústria de óleo e gás e os créditos de carbono. Na imagem: Mão de frentista branco segura bomba na cor vermelha durante abastecimento de carro flex, gasolina ou álcool (Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)
Abastecimento de carro flex, gasolina ou álcool (Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)

Num cenário de transição energética, a origem e os impactos da energia que consumimos passam, cada vez mais, a serem questionados. Metas de sustentabilidade e redução da emissão de carbono são adotadas por empresas privadas e demandadas não só pela sociedade civil – vide reinvindicações de investidores, consumidores e organizações não governamentais – como também por instituições.

Tal parece ter sido o caso da corte judicial holandesa, órgão que impôs a redução em 45% das emissões de carbono da Shell até 2030, de modo a garantir a implementação de metas postas no Acordo de Paris [1].

Nesse contexto, a ONU coloca o Brasil em posição de destaque para liderar as discussões sobre o tema [2], pois, de fato, não há como negar mais de 48% da nossa matriz energética advir de fontes renováveis, com possibilidade real de expansão desse percentual, ao passo que a média mundial é de 13,8%, conforme o Balanço Energético Nacional 2021 [3].

De todo modo, ponderações devem ser feitas.

Por mais que os referidos objetivos sejam imprescindíveis para o futuro do setor energético como um todo, não se deve restringir sua discussão ao aspecto ambiental, na medida em que fatores econômicos e sociais apresentam relevantes impactos nessa equação, cujo resultado desejável é o desenvolvimento econômico sustentável.

Nesse sentido, defende-se que a transição energética é um compromisso de longo prazo, cuja velocidade parece ter se acelerado frente aos impactos da pandemia do Covid-19.

Como sociedade e cidadãos devemos estar cientes dos ônus e bônus desse processo

De um lado, é preciso entender que renunciar a oportunidades competitivas representa abdicar de benefícios sociais e econômicos, de outro, compreender a urgência para o atendimento de compromissos ambientais e o enfrentamento das mudanças climáticas.

Nesse sentido, um paradigma parece estar sendo implementado; o de que os combustíveis fósseis são os grandes vilões do meio ambiente. Conforme relatório publicado em maio de 2021 [4], a International Energy Agency reitera a necessidade de se implementar medidas para neutralidade das emissões de carbono até 2050.

Para tanto, dentre outras ações, orienta-se o término do financiamento de atividades de exploração de recursos fósseis e eliminação da comercialização de carros a combustão até 2035 [5].

De todo modo, por mais que o aspecto ambiental tenha especial importância, não devemos incorrer em extremos, o desenvolvimento econômico sustentável não impõe e nem deve defender a proibição de atividades poluidoras que possuem custos socioambientais razoáveis de serem enfrentados.

Do contrário, não estaríamos implementando incentivos no setor, a exemplo do REATE, do Novo Mercado de Gás, do PROMAR e do Novo Cenário Downstream.

No PDE 2030, a EPE estima o aumento da produção onshore para 355 mil barris de óleo equivalente por dia (mboed) em 2030 e denota a possibilidade de aumento em 200 mboed para cada 1% de crescimento do fator de recuperação das bacias terrestres [6].

Nesse sentido, mais prudente que a importação de metodologias estrangeiras, como a eletrificação da frota de veículos automotivos e fim dos investimentos em combustíveis fósseis, devemos nos colocar na vanguarda e julgar a velocidade e a forma como esse processo se dará, em favor dos interesses do nosso mercado e de nossa população, na medida em que nossas oportunidades e desafios são outros.

Para tanto, investimentos em biocombustíveis, energia solar, hidráulica, eólica e, quem sabe, o hidrogênio verde são caminhos que tomam protagonismo e são complementados pela atuação da indústria de óleo e gás, vista a necessidade de se garantir segurança energética.

Desse modo, uma proposição é feita: melhor do que somente discutir emissões de gases de efeito estufa, devemos incentivar indústrias que garantam sua captura, monetizando tais processos financeiramente frente a economias estrangeiras.

A indústria dos biocombustíveis, em especial a da cana, mostra como a sustentabilidade e desenvolvimento econômico podem ser aliados. Como coloca Adriano Pires, tal indústria é um exemplo de economia circular, na qual praticamente todos seus subprodutos são aproveitados.

Na prática, a União da Indústria de Cana de Açúcar afirma que, desde março de 2003 até fevereiro de 2019, o consumo de etanol anidro e hidratado reduziu a emissão de GEE em 535 milhões de toneladas de CO² equivalente.

Além disso, o adimplemento quase que integral das metas do RenovaBio e dos C-bios frente ao ano desafiador de 2020 mostra a resiliência e eficiência dessa indústria [7].

Então, melhor do que implementar um Roadmap to Netzero 2050, enderecemos o PDE 2030 e o PNE 2050, compreendendo o protagonismo nacional para fins de transição energética.

Aurélio Amaral foi diretor da ANP até março de 2020 e é sócio na RSA sociedade de advogados.

Erick Diniz é advogado e mestre em Direito pela FGV Direito Rio.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Referências: 

[1] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/05/26/tribunal-ordena-que-a-shell-corte-as-emissoes-de-co2-em-decisao-historica. Acesso 24 de Junho de 2021

[2] Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/energia-minerais-e-combustiveis/2021/01/brasil-e-escolhido-como-lider-em-debate-sobre-energia. Acesso em 24 de Junho de 2021

[3] Disponível em https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-601/topico-588/Relat%C3%B3rio%20S%C3%ADntese%20BEN%202021-ab%202020_v2.pdf. Acesso em 30 de Junho de 2021.

[4] Por mais que tal estudo apresente apenas um cenário ou uma ideia, sua vinculação a uma instituição do porte da EIA têm capacidade real de influenciar tomadas de decisão quanto a negócios e ao acesso ao crédito no setor financeiro, investidores e acionistas se sentirão, cada vez mais, legitimados para cobrar tanto das empresas do setor como de bancos metas de redução de carbono e de sustentabilidade.

[5] Disponível em: https://www.iea.org/reports/net-zero-by-2050. Acesso 30 de Junho de 2021

[6] Disponível em https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-decenal-de-expansao-de-energia-2030. Acesso em 30 de Junho de 2021

[7] Valor Econômico. 18 de fevereiro de 2021.