Imagine o sistema energético mundial como um conjunto de 100 moedas, onde cada uma representa um pacote de energia utilizado.
Em 2022, as moedas foram utilizadas da seguinte forma: 32 moedas de petróleo, 27 de carvão, 23 de gás natural, 14 de fontes renováveis e 4 moedas de energia nuclear.
Esta foi a matriz energética mundial do ano de 2022, em que para cada 100 pacotes de energia, 82 foram gerados por fontes fósseis (Figura 1).
No dia a dia, parte das moedas energéticas disponíveis mundo afora é utilizada para gerar novas moedas, isto é, gasta-se energia para se produzir nova energia.
Em resumo, um tanto das moedas produzidas é utilizado para manter a produção de energia, enquanto o restante é consumido pela sociedade em outras atividades.
O equilíbrio entre oferta e demanda de moedas energéticas é tênue. Embora todas essas moedas sejam de alguma forma armazenáveis — há como estocá-las para utilização posterior –, guardá-las nem sempre é tarefa simples ou barata.
Ampliar a oferta de moedas renováveis, bem como de toda a nova infraestrutura associada, exige consumo adicional das moedas existentes, o que pressiona a oferta líquida de energia no curto e médio prazo.
Exemplo interessante neste contexto é o hidrogênio, que muito tem-se falado como elemento importante na geração de energia limpa.
Quando avaliado todo o ciclo de vida, o hidrogênio tem retorno energético negativo; em média, para cada moeda de energia por ele gerada, tem-se o consumo de 1,5 moeda de energia, isto é, consome-se mais energia para fazê-lo do que ele oferece de útil no uso.
Isso impedirá o seu uso, então? De forma alguma, mas vai exigir somente que tenhamos outras moedas de energia sobrando.
Então, para que seja possível hoje produzir hidrogênio verde, dobrar a oferta de moedas de energia solar e eólica, fazer captura de carbono, entre outros, e ao mesmo tempo manter a oferta de energia para a sociedade, será preciso consumir parte das moedas energéticas existentes no mundo.
Isso pressiona a oferta de energia e exige que se disponha das moedas fósseis para alinhar oferta e demanda.
A China é exemplo vivo disso. O gigante asiático é hoje o maior gerador de energia solar, em termos absolutos, e o maior fabricante de painéis solares do mundo.
É também o maior consumidor de carvão do planeta. O motivo? Sem o carvão, faltariam moedas de energia. A China foi em 2022, inclusive, responsável pelo consumo de aproximadamente metade das moedas de carvão consumidas no mundo.
Em outro caso, se uma fábrica de moedas de gás natural é parada, como observado na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, ela precisa de alguma forma ser compensada.
A forma mais rápida que a Europa encontrou no curto prazo para suprir suas moedas energéticas que sumiram, foi recorrer novamente ao carvão, mesmo quando deseja exatamente o oposto.
Trocando as moedas
A jornada da transição energética envolve a substituição de uma moeda por outra, sem que se deixe faltar.
A velocidade desse processo de troca é importante. O desejo é por uma rápida transição, mas ela pode escassear a oferta de moedas de energia se for mais rápida do que a reposição delas no mercado.
É preciso acelerar a geração de moedas renováveis, algo que todos apoiam, só que isso leva, em um primeiro momento, a uma maior necessidade de moedas fósseis, pois são elas que sustentam a transição.
Pode soar estranho e contraditório para muitos, mas é necessário manter, ou até aumentar, a curva de produção de carvão, óleo e gás durante a transição, para que seja possível realizar a troca das moedas com equilíbrio.
O aumento dos investimentos em energia renovável implica em um maior consumo de energia primária, sustentada pelo pacote de moedas disponíveis.
Economizando moedas
Parte significativa, possivelmente a mais importante do processo de transição, está na economia de moedas, através do aumento da eficiência energética.
Quando ocorreu a massificação das lâmpadas de LED substituindo as antigas lâmpadas incandescentes, houve um ganho de eficiência tremendo, que reduziu a necessidade de moedas de energia para este fim, o de iluminação.
Muito outros exemplos podem ser citados nesta linha: eletrodomésticos, automóveis, construção civil, industrial etc., praticamente todos se tornaram mais eficientes, o que permitiu a população mundial dobrar de tamanho de 1970 a 2020 ao mesmo tempo em que o consumo per capita de energia aumentou em 1/3, mesmo com a crescente demanda por energia. Eficiência na veia.
Outras frentes que vão economizar moedas de energia, no longo prazo, envolvem incentivos ao menor consumo de materiais, à eletrificação do transporte, ao transporte público, às ciclovias, às outras formas de mobilidade, ao aumento da economia circular, entre tantas outras que exigem menor consumo de energia.
Enquanto isso transcorre, moedas de energia fóssil serão tão necessárias quanto as de fontes renováveis, para que se tenha disponibilidade de moedas para bancar a travessia da ponte da transição, suscitando segurança energética.
Será preciso contar com carvão, petróleo e gás para atravessar essa ponte. Em um dado momento desta longa jornada, a “niqueleira energética” contará majoritariamente com o brilho das moedas renováveis. Até lá, será preciso muito esforço para que não nos faltem moedas.
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