RIO — A Superintendência-Geral (SG) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra, sem restrições, do controle da Gaspetro pela Compass, subsidiária do grupo Cosan.
A decisão foi publicada nesta terça (8/3).
Diversos elos da cadeia de gás natural se manifestaram contra o negócio e podem recorrer da decisão. O tribunal do órgão de defesa da concorrência também pode determinar que o caso precise passar pelo aval dos conselheiros.
Sem recursos ou sem essa decisão do colegiado de levar para si a decisão, o negócio estará definitivamente aprovado em 15 dias.
Há também o direito de estados de exercer a preferência na compra de participações de distribuidoras com presença da Gaspetro. Ao menos quatro já indicaram esse interesse.
Compra da Gaspetro sem restrições tem efeito positivo, diz SG
Na visão da SG, não há necessidade de alterar o negócio firmado entre a Petrobras e o grupo Cosan, como foi proposto por diferentes partes na análise da venda, incluindo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O negócio de R$ 2 bilhões, fechado em 2021, envolve a entrada do grupo Cosan em 18 distribuidoras de gás natural. A Mitsui detém os 49% restantes da Gaspetro.
A Cosan já é controladora da Comgás, maior do país no segmento, e ano passado comprou a Sulgás, na privatização promovida pelo governo gaúcho de Eduardo Leite (PSDB).
A concentração do poder de compra de gás natural nas mãos do grupo Cosan, além da potencial verticalização de negócios envolvendo Comgás (distribuição), Compass (comercialização e infraestrutura) e a Raízen (combustíveis e biogás) levou diversos elos da cadeia a se posicionarem contra o negócio.
A Raízen é uma sociedade entre a Cosan e a Shell (50%-50%).
O Cade reconhece que a operação reforça concentrações verticais e horizontais no mercado brasileiro de gás natural, mas conclui que o ‘efeito líquido’ é positivo.
Isto é, que é melhor ter um mercado de distribuição com um agente com grande poder de compra de gás, do que a permanecer na situação atual, em que a Petrobras de forma vertical e dominante no suprimento e distribuição de gás natural.
“Em síntese, compreende-se que o cenário pós-operação é melhor para o ambiente concorrencial que o cenário pré-operação, dado que — ainda que transfira a um único agente econômico a Gaspetro — a alienação retira a participação do agente incumbente (Petrobras), que também é monopolista nas atividades à montante da cadeia, notadamente produção”, diz o parecer.
Por fim, a SG conclui que cabe à regulação setorial, sob responsabilidade da ANP, garantir o pleno funcionamento do Novo Mercado de Gás.
Ao longo da análise, a Compass rebateu diversas vezes as acusações. Afirma, entre outros pontos, que os mercados de distribuição são regulados — direito constitucional dos estados — e portanto não há como cometer abusos.
“Na prática, o que parece é que as terceiras interessadas pretendem delegar ao Cade a função de manutenção do estado atual do mercado”, rebateu a Compass em uma das respostas.
“Para além de fugir ao escopo do controle de estruturas da autoridade, este requerimento é absolutamente contraditório à própria jurisprudência recente da autoridade concorrencial que, justamente, culminou na assinatura do TCC do Gás”, diz em resposta a um dos pedidos contra a venda.
ANP recomendou fatiamento da venda
Consultada pelo CADE, a ANP recomendou a reprovação da operação e a realização de uma nova licitação, pela Petrobras
A análise foi feita pelas superintendências de Infraestrutura e Movimentação e de Defesa da Concorrência.
Os técnicos da ANP entenderam que TCC da Petrobras com o Cade para o mercado de gás natural não foi atendido, uma vez que a Compass falhou em demonstrar sua independência em relação a outros elos da cadeia de gás natural.
Sugeriu, portanto, que o Cade levasse em conta o poder de compra das distribuidoras e determinasse um teto para fatiar a venda das distribuidoras que poderiam ser controladas, em última análise pelo grupo Cosan.
No TCC firmado entre a Petrobras e o Cade a empresa se comprometeu a deixar todos os elos da cadeia de gás natural, com exceção da produção. É um tipo de acordo que parte das empresas e foi assinado em 2019, já no governo Bolsonaro, dando continuidade à política iniciada com Michel Temer.
Críticas de produtores e consumidores
Além da ANP, a associações das indústrias de vidro (Abicidro) e de grandes consumidores de energia (Abrace), além dos transportadores de gás natural (ATGás) e produtores (Abep) manifestaram restrições ao negócio.
Os consumidores temem que um eventual poder dominante da Cosan no mercado de distribuição, além da possibilidade da companhia atuar na comercialização e regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) — como já pretende fazer em São Paulo — vai prejudicar a concorrência no mercado livre de gás entre novos supridores.
Essa perspectiva, que a dominância do mercado, hoje da Petrobras, passará para o grupo Cosan, é compartilhada pelos produtores de gás.
A ABEP também pediu que o Cade determinasse a aplicação dos chamados ‘remédios’, medidas que o órgão antitruste pode tomar para condicionar a aprovação dos negócios.
Defendeu a inclusão de garantias para impedir a coordenação de decisões entre a Compass e outras empresas do grupo Cosan e a separação, com independência na governança da Compass Gás e Energia e da Compass Comercialização.
“Tal cenário pós-operação gera potencial poder de monopsônio [de compra] e, consequentemente, desestímulo à entrada no mercado de comercialização, bem como redução da oferta de gás natural pelos produtores”, disse a ABEP.