RIO – Após uma sucessão de vitórias no Congresso Nacional, que consolidou políticas para a bioenergia, o setor sucroenergético se volta às discussões internacionais que serão sediadas no Brasil e fechar lacunas de financiamento para ampliar a participação do etanol no mercado.
“Talvez, nesse ano, seja um pouco menos intenso o trabalho no Congresso e mais intenso o trabalho no Executivo. Nesse momento, o esforço regulatório é maior”, avalia Luciano Rodrigues, diretor de Inteligência Setorial da Unica – que representa grandes produtores do setor sucroenergético –, em entrevista à agência eixos.
A entidade prevê uma forte agenda na regulamentação e busca por financiamento para projetos de combustível sustentável de aviação (SAF) e biometano, além de discussões em defesa dos biocombustíveis na Cúpula dos Brics e na COP30, ambas sob a presidência brasileira e sediadas no Brasil este ano.
As condições macroeconômicas deterioraram com a interrupção do breve período de queda da taxa básica de juros, em 2024, elevando custos de financiamento para indústria.
Por outro lado, o Congresso aprovou oito leis que consolidaram o protagonismo da bioenergia na transição energética brasileira.
Isso vai exigir exigir um forte trabalho de diálogo com o Executivo e com as agências reguladoras, em especial a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
E também com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), uma novidade para o setor do etanol, por conta da entrada do SAF na pauta, depois da aprovação das metas de descarbonização do transporte aéreo doméstico, estabelecidas no Combustível do Futuro, a partir de 2027, explica Rodrigues.
O Combustível do Futuro (CF), mercado regulado de carbono, Paten (Programa de Aceleração de Transição Energética), marco legal para o hidrogênio de baixo carbono e a inclusão de produtores rurais no programa RenovaBio são cinco de oito projetos de lei aprovados em 2024 envolvendo, direta ou indiretamente, a bioenergia.
A lista inclui ainda o programa de Mobilidade Verde (Mover), o Fundo Nacional de Aviação – que prevê o custeio de projetos de produção de combustíveis renováveis de aviação no país, – além do programa de incentivos para o hidrogênio.
Agenda internacional, Brics e COP30
Na esfera internacional, a entidade acredita que o grande desafio será seguir o debate para a derrubada de barreiras que impedem a adoção de biocombustíveis na descarbonização global do transporte marítimo e da avição .
“Temos que continuar o trabalho que já temos feito de disseminar o etanol como solução de descarbonização em outros países”, afirma Rodrigues.
Hoje, agentes apontam a existência de um “protecionismo” imposto por regulamentos como o Corsia, da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao, em inglês), que restringe os combustíveis elegíveis para descarbonização da aviação.
A tabela da Icao determina valores-padrão para as emissões de SAF produzidos mundo afora, mas é alvo de questionamentos quanto à adequação das metodologias à produção de biomassa fora da Europa.
“No caso do biocombustível, essa falta de convergência se dá na mensuração das emissões associadas ao uso da terra, e uma dificuldade ainda maior quando se fala da emissão associada ao uso indireto da terra”, aponta o representante da Unica.
“Estamos vendo agora elementos de política climática que acabam sendo impondo restrições ao comércio (…) Tem que separar o joio do trigo, mas vai ser uma discussão pesada, especialmente no bloco europeu que tem uma visão mais, digamos, prejudicial para a bioenergia”, completa.
Segundo Rodrigues, a entidade espera ter presença nas discussões tanto do Brics, como da COP30 , defendendo “que biocombustíveis e preservação ambiental, no caso brasileiro, andam juntos”.
Financiamento para biometano, SAF e BECCS
O ano também será marcado pela preparação para os novos mercados de biometano e SAF, além da regulamentação dos BECCS, em cumprimento com as definições do Combustível do Futuro (CF).
No caso do biometano, está previsto o mandato de 1% do gás renovável nas operações de gás natural por produtores e importadores, já a partir de 2026.
Há também a modalidade de emissão e compra de certificados de garantia de origem do biometano (CGOBs), que permite que produtores de todas as regiões do país – mesmo distante dos centros de distribuição – possam participar desse mercado, por meio da venda dos certificados.
Segundo levantamento da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás), 32 projetos aguardam autorização da ANP e devem somar mais 1,3 milhões de m³/dia de capacidade na produção de biogás, sendo que cerca de 70% virá do agronegócio, com forte participação do setor sucroalcooleiro.
“Temos um ano para a regulamentação desse programa. Desde o ano passado, estabelecemos um grupo junto com outras associações, com a própria ABiogás, para discutir e ter uma convergência em relação a um formato adequado para esse mercado de crédito, de certificado de garantia de origem de biometano, como a gente viabiliza”, explica o diretor da Unica.
“Além disso, temos o programa de SAF, que vai ser implementado em 2027, mas tem que começar agora conversa com o Executivo, Anac e ANP”, completa.
O CF obriga as empresas aéreas a reduzir as emissões de GEE, incluindo por meio do uso SAF. A meta começa em 1% em 2027 e aumenta progressivamente até chegar a 10% em 2037.
Rodrigues ressalta que um dos grandes desafios será viabilizar fontes de financiamento para colocar tantos projetos de biometano, como de SAF, de pé, a tempo de cumprir os mandatos regulatórios.
Um dos caminhos é o Paten – fundo garantidor de financiamento para projetos “verdes” aprovado no ano passado.
Administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o fundo será abastecido por meio de créditos que as empresas tenham com o governo. O texto também permite o uso de recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.
“Temos toda a regulamentação dos dispositivos lá aprovados pelo Paten, então é um outro ponto que vai exigir articulação. Nesse caso, inclusive, envolvendo o BNDES e outros órgãos”.
Ele cita os grandes incentivos fiscais dados pelos Estados Unidos que vem atraindo a instalação de biorrefinarias no país, e o esforço do Brasil em encontrar alternativas para a implementação de plantas por aqui.
“Se a gente olhar o SAF, sem dúvida nenhuma temos a melhor matéria-prima, seja com óleo de soja, seja com etanol ou biometano, para fazer safra aqui no Brasil, mas a gente tem uma condição econômica mais difícil do que outros países”.
Até agora, apenas três projetos de produção de SAF foram anunciados no Brasil. Todos utilizam a rota de produção a partir de óleos vegetais – conhecida como HEFA.
O setor sucroenergético desponta como um potencial produtor de SAF utilizando tanto a rota do alcohol-to-jet (ATJ), como a rota Fischer-Tropsch (FT), em que o combustível é produzido a partir do vapor de biometano para geração de hidrogênio e combinado ao CO2 biogênico – este outro possível mercado do setor sucro.
“Entendo que avançando na produção de combustíveis sintéticos, a gente tem um espaço sim para ter um mercado para o CO2 biogênico”.
“Temos ali na fermentação do etanol, na purificação do biogás, um CO2 puro, com custo zero, sem esforço nenhum adicional para concentrar esse CO2, só será necessário capturá-lo e eventualmente transformá-lo”.
Por fim, na agenda o Combustível do Futuro, também é esperada a regulamentação da atividade de captura e armazenamento (CCS), e que pode resultar em um sistema negativo em carbono. Usinas de etanol nos Estados Unidos e Reino Unido já investem na solução.
Segundo Rodrigues, também há expectativa de discussões no Congresso para estímulos à produção de combustíveis verdes para a navegação, após a definição de critérios pela Organização Marítima Internacional (IMO).
Implementação do E30
Já nos primeiros meses, a Unica pretende dar início aos trabalhos para implementação das do E30, mistura de 30% de etanol à gasolina comum, prevista no Combustível do Futuro – hoje esse limite é de 27,5%.
Os testes para a mistura estão sendo realizados pelo Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), em São Paulo, com supervisão da ANP.
“A previsão de término dos trabalhos é final de fevereiro, começo de março. A partir daí, vamos ter uma análise para avaliar a viabilidade técnica e eventualmente implementar o E30”, afirma o diretor.
Imposto seletivo para carros mais poluentes
Outra agenda prioritária da Unica será a regulamentação da reforma tributária, sancionada esta semana, que prevê um imposto seletivo, em substituição ao IPI, buscando encarecer veículos mais poluentes e, com isso, tornar carros “verdes” mais competitivos.
Entre os critérios que vão influenciar a alíquota, que poderá ser maior ou menor dependendo do grau de sustentabilidade, está a avaliação das emissões de carbono no ciclo de vida “do poço à roda”.
A metodologia também é adotada na política de incentivo aos produtores de biocombustíveis, o RenovaBio, e inserida no CF e no Mover – o programa de incentivo à indústria automotiva que substituiu o Rota 2030.
O que é ciclo do poço à roda?
Ciclo de vida que contabiliza as emissões de GEE oriundas dos processos de cultivo e extração de recursos e da produção dos combustíveis líquidos ou gasosos ou da energia elétrica (ex: plantação de cana soja, extração de petróleo, geração solar), sua distribuição e utilização em veículos leves e pesados de passageiros e comerciais.
“Tivemos a aprovação da reforma tributária e, entre os itens para calibrar o imposto seletivo, está o nível de emissão “do poço à roda”. Temos uma agenda importante na regulamentação dessas novas diretrizes para a indústria automotiva do Brasil, algo que teremos que acompanhar”.
Diferentemente do Mover e do CF, a proposta para a reforma tributária não adota o ciclo de vida “do berço ao túmulo”, que na avaliação de Rodrigues é algo mais complexo e exigirá mais tempo para aprofundamento técnico.
No caso do Mover, essa mensuração começa a valer a partir de 2027. Em tese, especialistas apontam que a medição “do berço ao túmulo” seria mais benéfica aos híbridos a etanol.
O que é ciclo de vida do berço ao túmulo?
Ciclo de vida que considera as emissões de GEE incorporadas no ciclo do poço à roda, acrescidas daquelas geradas desde a extração de recursos e na fabricação de autopeças (o que inclui o processo de mineração das matérias-primas utilizadas), na montagem e no descarte dos veículos leves e pesados de passageiros e comerciais.
“Essas medidas de carbono se complicam quando damos o passo seguinte. No caso da mobilidade, precisamos avançar a mensuração “do berço ao túmulo”, especialmente na parte de mineração, de produção dos componentes e descarte dos veículos e componentes”, avalia o diretor da Unica.
A reforma também marcou uma vitória do setor de etanol, ao concentrar nas usinas produtoras de etanol hidratado toda a tributação de PIS e Cofins, o que traz mais competitividade frente a outros combustíveis mais poluentes.
Novas regras do RenovaBio
No caso das novas regras do RenovaBio sancionadas em dezembro e que passam a valer este ano, uma das tarefas será implementar o rateio dos Créditos de Descarbonização (CBIOs) entre produtores de biocombustíveis e fornecedores de matéria-prima (sobretudo a cana, na produção de etanol).
Outra é garantir a aplicação do endurecimento das penalidades por descumprimento das metas de descarbonização do programa, por parte das distribuidoras de combustível, criando um ambiente justo de mercado e evitando fraudes.
“Tínhamos duas agendas importantes com os distribuidores sérios. O primeiro deles era essa questão tributária, que foi equacionada na reforma. O segundo era a inadimplência na compra de CBIOs por parte de alguns distribuidores. A ideia é que o distribuidor que não compre CBIOs, ou passe a comprar ou caia fora do mercado”, pontua Rodrigues.
Ele acredita que o assunto foi finalmente equacionado com um acordo entre produtores rurais, usineiros e distribuidores, o que deve impactar positivamente os números do setor sucroenergético este ano.
“Os três elos em um acordo, depois de negociação, de discussão, conseguiram endereçar esses dois elementos. Então, acho que esse é um ponto importante que você mencionando o que foi trazido no último ano e que deve repercutir no mercado de etanol neste ano”.