Meio ambiente

Diretor e técnicos do Ibama discordam sobre licenciamento da Foz do Amazonas

Em despacho interno, diretor se diz contra rejeição imediata da licença, mas concorda com técnicos que Petrobras deve fazer ajustes na proposta da campanha de exploração no offshore do Amapá

Diretor e técnicos do Ibama discordam sobre licenciamento da Foz do Amazonas. Na imagem: Sonda de perfuração offshore para exploração de petróleo (Foto: Cortesia/Total Energies)
Petrobras planejava perfurar um poço na Foz do Amazonas, que integra a margem equatorial, em novembro, mas licenciamento ambiental foi questionado pelo MPF (Foto: Cortesia/Total Energies)

BRASÍLIA – Em despacho interno do Ibama, o diretor substituto da Diretoria de Licenciamento Ambiental (DLIC), Régis Fontana, discordou parcialmente do parecer técnico que sugere a rejeição da licença para atividade de perfuração na Foz do Amazonas, projeto da Petrobras em águas profundas do Amapá.

O servidor diz não se opor aos argumentos da equipe técnica em relação a falhas no Plano de Proteção à Fauna, um dos elementos que compõem o requerimento de licença.

Por outro lado, no mesmo documento, afirma que considera todo o processo uma “avaliação político-estratégica a ser tratada em arena diversa do licenciamento ambiental”, e classifica a autarquia como “tão somente um órgão executor” de políticas estabelecidas pelo governo para as áreas ambiental e energética.

O despacho foi assinado por Fontana na quinta (27/4), mesmo dia em que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD/MG), ligou para o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. O parecer dos técnicos, concluído em 20 de abril, foi revelado pelo portal Sumaúma.

A epbr teve acesso ao despacho de Fontana e, após a publicação desta matéria, ao parecer obtido pela Sumaúma, agência de jornalismo ambiental.

A decisão final cabe a Agostinho, que tem autoridade para deferir ou não o pedido de licenciamento feito pela Petrobras.

A reportagem tentou fazer contato com o presidente do Ibama e por meio da assessoria do órgão, no sábado (29/3), mas não houve resposta. O diretor substituto da Dilic também foi procurado, nesta terça (2/5), mas não quis comentar o assunto. O espaço segue aberto.

Em entrevista à agência epbr, o diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Joelson Falcão, afirmou que não há pressão sobre o Ibama para emitir a licença e que a relação com o órgão é estritamente técnica.

“Nós já furamos mais de mil poços em águas profundas e águas ultraprofundas no Brasil, sem nenhum tipo de intercorrência. Ao longo de mais de três décadas que a gente tá em águas profundas e águas ultraprofundas”, afirma o executivo. Veja na íntegra.

Diretor indica continuidade do licenciamento

No despacho enviado à presidência do Ibama, o diretor do Dilic sugere que, em caso de negativa, “o processo não seja arquivado de imediato” de modo que a Petrobras possa apresentar “outras melhorias em resposta às dificuldades logísticas” apontadas pela área técnica do Ibama em relação ao projeto original.

A recomendação de Fontana diverge do parecer técnico, que indica “o indeferimento da licença requerida e o arquivamento [imediato] do processo de licenciamento ambiental”.

Tempo de resposta a vazamentos

Um item crucial do licenciamento de projetos de petróleo offshore é a mitigação dos riscos de um vazamento atingir a costa.

Segundo estudos contratados pela Petrobras, as condições marítimas da região levariam o óleo na direção oposta, para mar aberto. Os modelos foram considerados insuficientes no parecer do Ibama que indica a rejeição da licença, segundo a Sumaúma.

Fontes da área ambiental ouvidas pela epbr afirmam, de fato, entender que há risco de o óleo atingir a costa, não apenas a partir de um vazamento na Foz do Amazonas, mas em um eventual poço perfurado em Barreirinhas, bacia na margem equatorial.

Sobre a Foz do Amazonas, essas fontes afirmam que a falha está no tempo de resposta apresentado pela Petrobras e o plano emergencial deveria prever uma reação mais rápida a um incidente. É uma das pendências que poderia justificar, tecnicamente, a continuidade do licenciamento.

Barreirinhas é uma bacia sedimentar majoritariamente na costa do Maranhão. A Petrobras e outras empresas também possuem ativos na região. Assim como no caso da Foz do Amazonas, na costa do Amapá, os blocos estão em águas profundas e ultraprofundas.

Petrobras afirma que não há chance de óleo chegar a costa

Em nota enviada à epbr, após a publicação desta matéria, a Petrobras afirma que “não há probabilidade de toque de óleo na costa brasileira”.

Segundo a empresa, os estudos apresentados ao Ibama no fim de 2022 “comprovaram que o movimento do óleo, numa remota eventualidade de vazamento no poço FZ-M-059, é em direção offshore, oposta ao litoral”.

Diz ainda que esses estudos foram aprovados pelo Ibama. “Segundo o documento [estudo da Petrobras], não haveria ocorrência de óleo em Unidades de Conservação brasileiras, assim como não haveria probabilidade de toque na costa brasileira”, registra um dos pareceres do órgão.

“Em novembro de 2022, a Petrobras apresentou ao Ibama um estudo atualizado de modelagem de dispersão de óleo, garantindo a incorporação no processo de licenciamento dos avanços computacionais ocorridos nos últimos anos, como a atualização de softwares de simulação, atualização das condições de contorno e análise dos resultados com novos dados”, diz a empresa.

“A partir de uma análise comparativa com outra modelagem, realizada em 2015, foram ratificadas as premissas utilizadas para a elaboração do estudo ambiental como um todo, assim como seus resultados alcançados, que indicam que não há possibilidade de toque de óleo na costa brasileira”, completa. Veja a íntegra no fim do texto.

Ao longo das diferentes deliberações internas no Ibama, técnicos do Ibama reconhecem a melhoria na qualidade da modelagem de dispersão de óleo. Afirmam, contudo, que “o estudo se trata de um modelo. E modelos não são eximidos de erros”, como diz o parecer que recomenda o arquivamento do processo.

Plano de proteção à fauna é único ponto sob competências do Ibama

O chefe do Dilic afirma que, “embora não discorde dos posicionamentos da equipe técnica”, apenas um dos aspectos, relacionado ao Plano de Proteção à Fauna (PPAF), “se encontra inteiramente nas competências do licenciamento ambiental [prerrogativa do Ibama] e que, de fato, impediriam tecnicamente a expedição da licença ambiental requerida”.

De acordo com a análise da área técnica, o plano tem falhas em relação ao planejamento de atendimento e resposta da empresa exploradora caso ocorram acidentes com vazamentos na bacia da Foz do Amazonas, o que provocaria grave impacto ambiental – morte de espécies ameaçadas, espalhamento de óleo pelas correntes marítimas, entre outros danos.

Fontana pondera, por outro lado, que as dificuldades logísticas para implementação de um Plano de Proteção à Fauna em linha com manuais de boas práticas poderiam ser avaliadas com a realização da simulação proposta pela Petrobras –  a APO (Avaliação Pré-Operacional).

O intuito é demonstrar a capacidade de resposta desenvolvida pela Petrobras em hipótese de acidente.

“Desta forma, ainda que pese o longo tempo de tramitação do presente processo de licenciamento ambiental, o que traz muitos resultados deletérios para sua efetividade, sugiro que o processo não seja arquivado de imediato, oportunizando a empresa que apresente outras melhorias em resposta às dificuldades logísticas para a implementação do PPAF e/ou com a realização da APO.”

Fontana encerra o despacho enviado ao gabinete de Agostinho com a afirmação de que:

“(…) a decisão da abertura ou não de nova fronteira de exploração de petróleo no país, embora seja de extrema importância simbólica, é uma avaliação político-estratégica a ser tratada em arena diversa do licenciamento ambiental, uma vez que o Ibama é tão somente órgão executor das políticas estabelecidas pelas partes responsáveis pela definição das políticas ambientais e energéticas do país”.

Régis Fontana é remanescente do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ocupa a chefia do Dilic interinamente.

Em maio de 2021, de acordo com o DOU, ele foi designado pelo então chefe do Ibama, Eduardo Bim, para assumir a função de diretor substituto da Diretoria de Licenciamento.

Petrobras propõe medidas adicionais

A Petrobras tem argumentado que, nesta fase inicial de exploração, a análise de impactos deve se restringir à perfuração de um poço pioneiro. Tenta evitar a antecipação da avaliação de impactos e condicionantes relativas a um projeto de maior porte.

Diante de negativas passadas do Ibama, a companhia propôs atividades adicionais – entre elas a realização de uma simulação de resposta a emergências – e novos estudos para etapas futuras, caso o primeiro poço resulte, de fato, em uma descoberta.

Mais de uma dezena de possíveis perfurações foram mapeadas, antes mesmo da empresa assumir a liderança do projeto. Originalmente, o FZA-M-59 e blocos adjacentes eram operados pela francesa TotalEnergies, que desistiu do projeto.

Em nota enviada à agência epbr, a estatal informou no sábado (28/4) que “aguarda posicionamento do governo” e que vem conduzindo diligentemente seu processo de licenciamento ambiental, “atendendo todas as exigências definidas pelos órgãos ambientais”.

A estatal também disse que vai acatar “qualquer decisão, seja liberando a perfuração ou optando por aprofundamento de estudos para avaliação da viabilidade de execução de uma campanha na bacia”.

Ministro intercede em favor de projeto no Amapá

Alexandre Silveira tenta interceder em favor de uma solução para o licenciamento da exploração na bacia da Foz do Amazonas (bloco FZA-M-59) – a cerca de 160 quilômetros da costa do Oiapoque (AP), na chamada Margem Equatorial. A Petrobras, por sua vez, pressiona para que o projeto vá adiante.

Na sexta (28), durante agenda em Uberaba (MG), Silveira declarou à epbr: “Tomei a liberdade de ligar para o presidente do Ibama. (…) “Ele [Agostinho] demonstrou muita parcimônia. Recebeu as minhas ponderações com muito bom grado”, afirmou.

Além da Petrobras, comandada por Jean Paul Prates (PT), e de Alexandre Silveira, o projeto encontra apoio em outras pastas. A ministra de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva (Rede), já se posicionou contrariamente; defendeu que novos estudos precisam ser iniciados.

Estudos geológicos apontam a possibilidade de o sucesso exploratório da Guiana, que produz mais de 300 mil barris/dia, se repetir na região de águas profundas da Foz do Amazonas.

Os países vizinhos da Margem Equatorial receberam investimentos em exploração offshore. A Guiana projeta ultrapassar 1 milhão de barris/dia no fim da década, há descobertas no Suriname e foram feitas tentativas na Guiana Francesa, que faz fronteira marítima com o Brasil.

Sem consenso sobre estudos de impacto ambiental

Historicamente, técnicos do Ibama demonstram preocupação tanto com os impactos de uma nova atividade industrial na região – aumento do tráfego de navios, aeronaves, atividades portuárias – como o risco de um vazamento atingir a costa.

Ambientalistas afirmam que há lacunas no conhecimento sobre a dinâmica das correntes. Modelagens contratadas pela Petrobras indicam não ser o caso, que um vazamento não atingiria a costa.

A localização do poço está há mais de 150 km da costa do Amapá e quase 500 km da foz do Rio Amazonas, propriamente dita, que dá nome à bacia sedimentar. Na região costeira, há áreas ambientalmente sensíveis.

A íntegra da nota da Petrobras, enviada na segunda (8/5)

“Em relação à reportagem “Análises no Ibama divergem sobre viabilidade de licenciamento na Foz do Amazonas”, publicado pela epbr, em 4/5, a Petrobras esclarece que os estudos de modelagem de óleo realizados pela companhia, e aprovados pelo Ibama, comprovaram que o movimento do óleo, numa remota eventualidade de vazamento no poço FZ-M-059, é em direção offshore, oposta ao litoral. Não há probabilidade de toque de óleo na costa brasileira.

Em novembro de 2022, a Petrobras apresentou ao Ibama um estudo atualizado de modelagem de dispersão de óleo, garantindo a incorporação no processo de licenciamento dos avanços computacionais ocorridos nos últimos anos, como a atualização de softwares de simulação, atualização das condições de contorno e análise dos resultados com novos dados.

A partir de uma análise comparativa com outra modelagem, realizada em 2015, foram ratificadas as premissas utilizadas para a elaboração do estudo ambiental como um todo, assim como seus resultados alcançados, que indicam que não há possibilidade de toque de óleo na costa brasileira.

Esses estudos de modelagem foram aprovados pelo Ibama em janeiro de 2023, por meio do Parecer Técnico 31/23.

Em atendimento a recomendações do Ibama, a Petrobras incluiu uma embarcação adicional à frota de embarcações de recolhimento de óleo previstas no plano de resposta do projeto. No total, oito embarcações do tipo OSRV estão estrategicamente posicionadas, garantindo prontidão para atuação no caso de vazamento de óleo.

No mesmo parecer no qual aprovou a modelagem (31/23), o Ibama aprovou a nova composição da frota, considerando as embarcações aptas a serem incluídas no Plano de Emergência Individual (PEI) do poço.

O parecer também aprovou a inclusão no PEI do Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD), construído pela Petrobras em Belém (PA), para atendimento à fauna silvestre em caso de evento acidental. Adicionalmente, o CRD foi vistoriado e aprovado pelo Ibama em fevereiro de 2023.

Além do CRD, a Petrobras conta com embarcações equipadas com profissionais habilitados para transporte e atendimento de fauna oleada. Além disso, a companhia dispõe de unidades móveis de atendimento a fauna em Oiapoque e outras localidades.

Por meio do Parecer Técnico 53/23, emitido em fevereiro de 2023, o órgão ambiental afirmou que “o plano de emergência conceitual para a atividade de perfuração do Bloco FZA-M-59 apresenta-se alinhado com as solicitações da equipe técnica. Demonstra ter opções de ferramentas, comunicação/ articulação prévia com países potencialmente afetados e opções de técnicas de resposta adequadas aos cenários acidentais previstos”.

A Petrobras vem cumprindo todos os requisitos e procedimentos estabelecidos pelos órgãos reguladores, licenciadores e fiscalizadores. Também segue prestando esclarecimentos solicitados e atendendo às solicitações, em especial visando garantir maior robustez na resposta a potenciais eventos acidentais, atendendo, assim, ao rigor do licenciamento ambiental que este processo exige.

No momento, a companhia aguarda a definição do Ibama quanto à realização da Avaliação Pré-Operacional (APO), requisito do processo de licenciamento ambiental, que consiste em simular um evento acidental envolvendo vazamento de óleo no mar, com o objetivo de avaliar o Plano de Emergência Individual da Petrobras.

A atuação da Petrobras na Margem Equatorial, assim como nas demais áreas onde a companhia opera, é pautada no respeito à vida, às pessoas e ao meio ambiente.

As atividades são realizadas sob protocolos rigorosos de responsabilidade social e ambiental, e a companhia tem ampla e larga experiência técnica, adquirida ao longo de décadas atuando no offshore brasileiro, com reconhecimento mundial em Exploração e Produção em águas profundas e ultra profundas. A Petrobras está à disposição para entender e atender qualquer nova demanda colocada pelo Ibama”.

As informações citadas pela Petrobras na nota, nos pareceres técnicos 31 e 53 de 2023, foram confirmadas pelas epbr.