A Petrobras pediu ao Cade o arquivamento do caso em que é investigada por supostas restrições no acesso ao óleo da companhia para operação da refinaria de Mataripe, operada pela Acelen.
Segundo a estatal, há um denso histórico de comunicações em que a Acelen tenta exigir a comercialização do petróleo cru por um valor mais barato “em razão de expectativa que alegadamente teria sido criada durante as negociações para a venda da refinaria”. Segundo a petroleira, tal acordo nunca foi fechado.
Questionada pela epbr, a Acelen não se manifestou sobre a referida expectativa, mas defendeu que a Petrobras deve “manter uma política única e isonômica de preços para petróleo, válida para as refinarias integrantes do seu sistema, ou as de seus concorrentes, indistintamente”.
“O Brasil precisa garantir um ambiente de negócios previsível, seguro e justo, coibindo práticas anticompetitivas. No refino, isso passa fundamentalmente pelo acesso isonômico ao petróleo”, disse a Acelen. Veja a íntegra da nota ao final da matéria.
A Petrobras afirma que a investigação em curso se baseia em “premissas equivocadas”, entre elas, a de que a companhia exerce papel de agente dominante no mercado de comercialização de petróleo bruto. Argumenta que tal mercado é global, e que há diversos agentes econômicos capazes de suprir a demanda da Acelen.
Outro ponto destacado pela empresa foi a utilização da sua relação com as refinarias integradas (em que não há transação comercial estabelecida) como parâmetro para avaliar se há discriminação com as refinarias não-integradas.
“A Petrobras não vende petróleo para refinarias integradas; ela transfere o insumo entre suas unidades operacionais. Para isso, é utilizado um registro contábil, o Preço Interno de Transferência, que não pode ser equiparado a um preço de venda”.
Mataripe não é RLAM, lembra Petrobras
A Petrobras argumentou ao Cade que os termos do TCC do refino levaram à venda do conjunto de ativos associados às refinarias, o que “permite que elas operem de forma autônoma e independente da Petrobras”.
Mataripe foi uma delas, antiga refinaria Landulpho Alves (RLAM), vendida no final de 2021 para a MC Brazil Downstream Participações, empresa do grupo Mubadala Capital.
Assim, a estatal sustenta que não há obrigação em tratar Mataripe como uma de suas refinarias integradas, restituindo a operação que mantinha com a antiga RLAM.
Se Mataripe tem restrições para o acesso de navios – profundidade do canal de acesso ao terminal, conforme alegado pela refinaria ao Cade – ou ao mercado internacional, cabe à Acelen investir “para assegurar a otimização de infraestrutura”, afirma a Petrobras.
Das oito refinarias colocadas à venda pela petroleira, três negócios foram concluídos: Rlam (BA), para o Mubadala; Reman (AM), para a Atem; e SIX (PR), para a F&M Brazil.
Petrobras sob nova direção
Ao Cade, os advogados da Petrobras afirmam que o inquérito deve ser arquivado, também porque não cabe ao órgão antitruste assegurar o lucro de concorrentes da Petrobras.
“Não é obrigação da Petrobras aumentar os lucros de empresas independentes. Não é o papel do Cade, a toda evidência, prestar-se a propósito semelhante”.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), já afirmou, em outro contexto, que o preço de paridade de importação é o “preço do concorrente” e não cabe à companhia, por decisão do governo passado, manter práticas comerciais que favorecem a competitividade de terceiros.
O executivo já deixou claro que a Petrobras vai contestar o acordo para venda de refinarias no Cade, termos que levaram à venda da Landulpho Alves para a Acelen.
Os acordos com o Cade partiram de políticas de governo. Durante os quatro anos de Bolsonaro (PL) e, especialmente por força das equipes do ex-ministro Paulo Guedes, a Petrobras acelerou a desverticalização no refino e no gás natural.
A estratégia corporativa previa a concentração de negócios integrados no Centro-Sul: refino, geração de energia a gás natural e produção de petróleo nos grandes campos do pré-sal.
Na reta final do governo, Bolsonaro editou os primeiros atos que poderiam levar à privatização da companhia. Prates também já defendeu o fim da venda do controle da transportadora de gás natural TBG, dona do gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol).
Preços de exportação do óleo
Sobre a questão dos preços do óleo que estimulam agentes a preferir exportar a produção – um dos pontos levantados pela Acelen –, Petrobras afirma que “não seria adequado, ou lícito, forçar a Petrobras a fazer aquilo que outros agentes econômicos, atuando livremente no mercado e tomando decisões comerciais racionais, escolhem não fazer”.
O assunto entrou na agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), na MP 1152, que muda regras tributárias para adequar os preços de transferência aos padrões da OCDE.
A medida foi editada ainda no governo de Jair Bolsonaro, e para Haddad, seus efeitos são positivos e “corrigem uma distorção que faz com que grandes exportadores não paguem imposto devido no Brasil e mandem para fora os seus lucros”. O ministro chegou a apontar a prática adotada por petroleiras.
A Petrobras, por sua vez, afirma que não é responsável por “questões regulatórias e tributárias que tornam mais vantajoso exportar o petróleo extraído no Brasil que vendê-lo a refinarias instaladas no território nacional”.
Caso tem origem em denúncia contra Acelen
O inquérito contra a Petrobras foi instaurado oficialmente em setembro de 2022, e tem origem em outra investigação, contra a Acelen, aberta em junho do mesmo ano.
Nesta, o Cade apura suposta discriminação de preços entre compradores de gasolina A e diesel S10 produzidos na refinaria de Mataripe, em desfavor dos clientes localizados na Bahia.
A denúncia, feita em março pelo Sindicombustíveis/BA, AEPET-BA e Abraspet, chegou a ser arquivada pela Superintendência-Geral do Cade em maio.
No mesmo mês, o conselheiro Gustavo Augusto avocou o caso, e entendeu que o tribunal deveria não só dar andamento à apuração da denúncia apresentada pelas organizações, mas também investigar a possibilidade de que a discriminação de preços por parte da Acelen tivesse origem em uma discriminação anterior, por parte do fornecedor do óleo cru (a Petrobras).
“É plausível, e isso pode ser objeto de investigação, que a distorção se refira, na verdade, a uma possível discriminação de preços do fornecedor do óleo cru, o qual pode estar praticando preços distintos em prejuízo da refinaria representada, privilegiando as refinarias do próprio grupo econômico, com as quais possui integração vertical”, afirmou o conselheiro em despacho.
No mês seguinte, foi instaurado inquérito contra a Acelen, e, quatro meses depois, contra a Petrobras.
A íntegra da nota da Acelen sobre o caso
“A Acelen apresentou ao CADE evidências de que a Petrobras está repassando petróleo para suas refinarias a preços inferiores aos que ela pratica para as refinarias de seus concorrentes.
Entendemos que, tendo em vista a posição amplamente dominante que a Petrobras detém na produção de petróleo no Brasil, isso não é admissível, devendo a Petrobras manter uma política única e isonômica de preços para petróleo, válida para as refinarias integrantes do seu sistema, ou as de seus concorrentes, indistintamente.
A Acelen considera fundamental e confia em um desfecho adequado das investigações conduzidas pelo CADE. O Brasil precisa garantir um ambiente de negócios previsível, seguro e justo, coibindo práticas anticompetitivas. No refino, isso passa fundamentalmente pelo acesso isonômico ao petróleo”.