A diretoria da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) decidiu na última quinta (27/1) acionar a Justiça para derrubar o decreto de João Dória (PSDB), que criou regras locais de classificação de gasodutos, em julho de 2021.
A ação será conduzida pela Advocacia-Geral da União (AGU) no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Queria destacar a importância dessa iniciativa para que seja obtida a necessária segurança jurídica, que é fator essencial para atração de investimentos ao setor, para que sejam alcançados os propósitos do desenvolvimento do mercado de gás natural”, disse o diretor geral, Rodolfo Saboia.
Além do decreto, o governo de São Paulo discute com a ANP, justamente, a classificação do Subida da Serra, projeto da Cosan de expansão da rede no estado.
Em setembro do ano passado, a ANP classificou o gasoduto como transporte, decisão que inviabiliza os planos da Comgás, uma distribuidora, de incorporar o ativo.
Para agência paulista, a Arsesp, essa decisão foi ilegal; e ignora que o projeto, do chamado Reforço Metropolitano, está plenamente circunscrito na área de concessão estadual, sem prejuízos à infraestrutura de transporte, sob regulação federal.
O que diz o decreto questionado pela ANP
O decreto paulista determina que todos os dutos que movimentam, interligam gasodutos de transporte ou atendem clientes livres ou cativos no território estadual serão classificados como distribuição, quando destinados ao serviço local.
Inclusive em conexões diretas a gasodutos de escoamento da produção, instalações de gás comprimido (GNC), liquefeito (GNL) e de estocagem, além de processamento (UPGN) e plantas de biogás ou biometano.
Um parecer da Procuradoria Federal junto à ANP concluiu que a ação é cabível, com pedido de suspensão cautelar do decreto.
“[O decreto] extrapolou as competências legislativas e regulamentares do referido ente da federação, pois, sob pretexto de regular atividade de sua competência (serviço local de gás canalizado), acabou por trazer critérios para a classificação de estruturas incluídas na competência federal”, diz o documento.
A procuradoria também defendeu a urgência do questionamento judicial, a fim de impedir que projetos sejam desenvolvidos com base na norma.
“(…) os agentes econômicos que porventura venham a pleitear a implantação de projetos — tais como gasodutos entre unidades de processamento de gás natural ou terminais de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) e redes de distribuição de gás canalizado — correm o risco de receberem autorização ou permissão de ente não competente, o que fatalmente será contestado”, diz.
Preço, contratos e leis estaduais são focos de conflito
Esse é um novo capítulo da judicialização, desde que o governo federal conseguiu aprovar, em 2021, a nova Lei do Gás (PL 4476/20).
Desde o início, não há consenso. As discussões ganharam força no Gás para Crescer, no governo Temer, e culminaram no Novo Mercado de Gás, de Bolsonaro.
Governos estaduais e distribuidoras sempre demonstraram descontentamento com iniciativas federais, apoiadas por outros elos do mercado, que consideram uma tentativa de impor uma diretriz para o mercado.
Da mesma forma, consumidores, produtores e transportadoras travam batalhas nos estados contra políticas e leis estaduais que julgam ameaçar o mercado livre, mesmo com o novo marco.
A primeira onda de ações judiciais foi desencadeada por preços, com recursos aos tribunais contra a Petrobras para manter condições comerciais mais favoráveis.
Ainda assim, um dos argumentos era a ausência de condições regulatórias para a empresa deixar de ser a supridora dominante do mercado.
Agora, a ação no STF contra São Paulo mira diretamente em um conflito entre estado e União sobre quem tem o direito de promover o desenho do mercado.
Para São Paulo, judicialização afastará investimentos
Fontes do governo de São Paulo ouvidas pela epbr afirmam que foram surpreendidas pela decisão da ANP.
Havia, no governo paulista, um certo otimismo em relação às negociações sobre a classificação do projeto Subida da Serra, e que seria possível evitar uma judicialização. O desenrolar, agora, é incerto, dizem.
Em nota, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo afirmou que a judicialização afasta investimentos, causando insegurança jurídica, “o que atrasará a abertura do mercado”.
“A eventual judicialização, menos de um ano após aprovada a Nova Lei do Gás, prejudicará o diálogo e a busca de entendimento e harmonização na regulamentação e legislação federal e estaduais”, diz.
Afirma também que manteve um diálogo com o Ministério de Minas e Energia (MME) para demonstrar apoio “efetivo” à abertura do mercado e no interesse no Novo Mercado de Gás.
“Não há qualquer interesse de São Paulo em verticalizar quaisquer elos da cadeia, uma vez que o modelo bem sucedido adotado aqui permitiu ao estado alcançar a condição de maior consumidor de gás do país”, diz a secretaria estadual.
A Abegás, que representa as distribuidoras estaduais, considerou lamentável a decisão da diretoria da ANP.
“A Abegás não tem dúvidas sobre o dever da ANP de autorizar e regular os dutos de transporte, mas a agência tem a obrigação de respeitar a competência regulatória dos Estados para promover a expansão da malha de distribuição”.
E diz esperar que “o bom senso prevaleça, sob pena de adiar ainda mais a abertura do mercado de gás”.
Segundo a entidade, do ponto de vista jurídico, o decreto está em linha com a autonomia assegurada aos estados pela Constituição Federal “para regular os serviços de distribuição de gás canalizado — a qual nenhuma outra lei se sobrepõe”.
O mais grave, segundo a Abegás, é a intenção de gerar um precedente que afete todos os atos normativos estaduais, o que inibiria diversos projetos de expansão das redes locais de distribuição.
“(…) Muito além das questões jurídicas, o que causa real estranheza é que a ANP vem tendo seu papel desvirtuado”, diz a Abegás.
A Abegás também defendeu a “necessidade de indicação urgente de novos diretores para a composição adequada dos quadros da agência”.
“Mesmo estando com colegiado desfalcado, com apenas duas cadeiras ocupadas por titulares (…), a ANP vem se dedicando a temas que não deveriam ocupar sua atenção — à luz da Constituição Federal, que delimita claramente as atribuições”, criticou.
A ANP conta com apenas dois diretores nomeados – Rodolfo Saboia e Symone Araújo. Essa semana, obrigatoriamente, serão definidos os novos três diretores-substitutos.