RIO – A redução dos índices de reinjeção de gás natural não se dará ao custo de uma “destruição de valor” dos projetos e da própria arrecadação da União, afirmou nesta segunda (26/8) o secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Pietro Mendes.
Ele saiu em defesa dos dispositivos do novo decreto regulamentador da Lei do Gás e que reforçam o papel da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no controle da reinjeção. O texto conta com a oposição dos operadores offshore.
Mendes descartou, no entanto, mudanças em projetos que levem à destruição do Valor Presente Líquido (VPL) – método de análise da viabilidade de investimentos.
O MME defende que é preciso revisar os planos de desenvolvimento, pois esse é o caminho para se ter acesso aos dados de reservatório e produção – e para, de fato, reavaliar a reinjeção. A percepção de risco de mudar o que foi aprovado (e levou às decisões de investimento) é uma das principais queixas das petroleiras.
Pietro Mendes defendeu, por sua vez, que o temor se dá por uma interpretação isolada dos novos artigos introduzidos pelo decreto. A legislação, e não apenas a Lei do Gás, protege os contratos, argumentou o secretário, em entrevista coletiva após a assinatura do decreto.
“Vai ter uma avaliação técnica, desde a viabilidade técnica, respeitada a viabilidade econômica, porque isso também tem fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), que não pode causar dano ao erário com nenhum tipo de política pública. Todo o arcabouço legal e dos órgãos de fiscalização serão respeitados”, rebateu.
A nova regulamentação da Lei do Gás prevê que a expansão da infraestrutura do setor será precedida por estudos de planejamento e regulação da remuneração do escoamento. Com isso, defende a pasta, há espaço para rever a reinjeção de gás em projetos existentes, inclusive com capacidade ociosa.
Mendes citou, como exemplo, a possibilidade de uso de infraestruturas ociosas e a criação de “hubs de gás” (plataformas com capacidade para tratar gás de outras unidades que não contem com esse tipo de instalação).
“É essa discussão que a gente quer promover, mas obviamente respeitando a lucratividade, nunca saindo de um cenário hoje mais lucrativo para outro menos lucrativo. É sempre do que está para melhor, inclusive do ponto de vista do VPL dos projetos e da arrecadação”.
O que diz o novo decreto da Lei do Gás?
Entre idas e vindas, o decreto foi costurado para abrir o caminho para que a ANP determine, na esfera administrativa, a redução da reinjeção de gás nos campos offshore ao mínimo necessário – inclusive com a possibilidade de fixação de volumes máximos de gás a ser reinjetado.
Prevê que a ANP poderá determinar o aumento da produção de campos em operação e, nesse sentido, rever os planos de desenvolvimento das concessões (inclusive aquelas já em operação).
O debate sobre reinjeção é tema sensível entre as petroleiras. Rever projetos já contratados é uma solução que conta historicamente com a oposição dos operadores – a Petrobras, inclusive.
Os produtores argumentam que otimizar a produção de óleo resulta em mais participações governamentais para os cofres públicos. E que, por isso, não se deve falar em “desperdício de gás” com a reinjeção – um desafio de comunicação com a sociedade reconhecido pelas petroleiras.
Gás reinjetado é cobiçado pela indústria
O volume reinjetado representa cerca de metade da produção de gás natural no Brasil. De acordo com a ANP, no primeiro semestre, a reinjeção totalizou 60 milhões de m3/dia – descontado do cálculo o CO2 injetado por questões técnicas.
O combate aos elevados índices de reinjeção conta com a simpatia de Alexandre Silveira (PSD) e foi uma rota de colisão públicas entre o ministro de Minas e Energia e Jean Paul Prates – que resistiu às pressões para rever os projetos do pré-sal que injetam 100% do gás.
Magda Chambriard assumiu a presidência da petroleira, justamente, com o desafio de administrar pressões políticas por um protagonismo maior da Petrobras na busca por soluções para aumentar a oferta de gás a preços competitivos para a indústria.
A agência epbr apurou que a executiva não abriu mão da posição histórica da Petrobras, de que é preciso maximizar o retorno dos ativos, e que a recuperação do óleo é fundamental. Mas chegou a um alinhamento com o governo, diante de modelagens que indicaram oportunidades de elevar a oferta de gás, com ganhos de rentabilidade.
Na indústria, a reinjeção de gás é um tema caro à Coalizão pela Competitividade Gás Natural – grupos empresariais liderados pela Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) que tentam emplacar junto ao governo uma política de gás a preços competitivos, em especial para fertilizantes e química.
Nas discussões do Gás para Empregar, a Coalizão, por exemplo, tentou pressionar para que os projetos contratados e ainda não entregues fossem revistos, para inclusão de plantas de separação de CO2.
Estudos do Instituto de Energia da PUC, encomendados pela Coalizão, também apontaram para o potencial do uso das rotas de escoamento existentes e ociosas na Bacia de Santos como forma de viabilizar o aumento da oferta de gás – um diagnóstico compartilhado pelo Plano Indicativo de Processamento e Escoamento de Gás (Pipe), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Na visão do diretor-presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos, o decreto acerta em atacar as “distorções regulatórias” do setor de gás.
“O primeiro elemento que a gente consegue enxergar no decreto é a disposição e a determinação de que sejam revisados os planos de desenvolvimento dos campos de óleo e gás no Brasil, no sentido de encontrar uma solução para reduzir a reinjeção que, porventura, esteja sendo feita além das necessidades técnicas estritamente necessárias”, disse, em entrevista à agência epbr.
Ele citou também os dispositivos do decreto que avançam na regulação sobre as infraestruturas de escoamento e processamento.
Na Lei do Gás, esses dois elos da cadeia são regidos pela lógica do acesso negociado entre as empresas, com atuação da ANP na solução de controvérsias – em oposição ao elo do transporte, que é regulado. O decreto, contudo, almeja replicar para essas infraestruturas alguns pontos do tratamento regulatório dado ao transporte.
“Aqui no Brasil a gente não tem clareza e transparência de como essas infraestruturas estão sendo aportadas do ponto de vista do preço, do custo da remuneração delas, porque essa infraestrutura está misturada ao preço da molécula. Isso precisa ser separado”, disse Passos.
Petrobras avalia hub de gás para Búzios
“Há FPSOs que não têm como exportar gás. Então esses FPSOs não faz sentido você ter uma rediscussão”, pontuou Mendes. É o caso de Búzios.
A Petrobras avalia internamente ampliar a capacidade de exportação de gás natural em Búzios, com a entrada de uma 12ª plataforma.
No campo, uma “hub de gás” também poderia tratar a produção de outras unidades de Búzios que foram concebidas com foco na reinjeção do gás para recuperação de petróleo. O gargalo se dá na separação de CO2, contaminante presente no campo.
São projetos em fase inicial de análise que ainda precisam passar pelas instâncias internas. A previsão, hoje, é que não ocorra a aprovação de um investimento firme a tempo da atualização anual do plano de negócios, no fim de 2024.
O gerente-executivo do Campo de Búzios, Wagner Victer, afirmou em entrevista coletiva sobre os resultados da companhia no segundo trimestre, que a petroleira avançou com a primeira fase de estudos sobre a plataforma, mas a solução não está fechada.
“Não quer dizer que vamos executar uma plataforma, mas faz com que possamos caminhar para a segunda fase e fazer o EVTE [estudo de viabilidade técnica e econômica]”, disse.
“É algo desafiador, vamos colocar nossas equipes para trabalhar e, em seis meses, avaliar as diversas alternativas – não só das formas de contratação, mas a alternativa de fazer a execução da exportação de gás e, quem sabe, a viabilidade da exportação de gás para o conjunto de plataformas Búzios”.
O desenvolvimento de Búzios foi concebido para ter 12 FPSOs – 11 deles já estão em operação ou contratados.
As plataformas mais recentes de Búzios têm sido contratadas com foco na reinjeção de gás para maximização da produção de petróleo. Nos últimos anos, houve uma mudança no perfil de reinjeção nos campos do pré-sal. Os FPSOs mais recentes passaram a ser planejados com capacidades cada vez maiores de produção de petróleo.
Ao menos quatro das plataformas mais recentes, contratadas pela Petrobras, preveem a reinjeção total do gás e uma produção de 225 mil barris/dia – ante os patamares usuais, até então, de 180 mil barris/dia.
A expectativa, dada as características geológicas das reservas, no entanto, é que o ativo produza cada vez mais gás. A Petrobras já avalia há alguns anos tecnologias para lidar com o aumento da relação gás-óleo (RGO) a partir da próxima década no campo.