BRASÍLIA – Entidades que representam consumidores de energia consideram positivo que despesas sustentadas pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) passem para o orçamento da União.
Entretanto, cobram a revisão de subsídios e mudanças estruturais na conta. A CDE é uma espécie de conta corrente, que financia políticas públicas e subsídios setoriais. Entre 2018 e 2023, o orçamento saltou de R$ 18,9 bilhões (R$ 25 bilhões, se corrigido pelo IPCA) para R$ 40,3 bilhões por ano.
Acabar com a CDE é uma proposta antiga de consumidores de energia, apresentada novamente em 2023, após a mudança de governo. A esperança é que ao transferir as despesas para União, a concessão de subsídios no setor elétrico passe a depender da discussão orçamentária, mais rígida.
Entidades defendem contudo que a discussão deve passar por um pente-fino nas políticas setoriais.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD) propôs usar receitas da União com a produção do petróleo para reduzir o pedo da CDE nas contas de energia, que representa, em média, 13% do preço da tarifa de energia paga pelos consumidores.
Se avançar, também será uma forma de vincular a produção do combustível fóssil ao financiamento do setor elétrico, altamente renovável. O que leva a ressalvas de um ponto de vista climático.
Silveira discutiu as propostas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o plano ainda depende do aval do Planalto. A intenção de Silveira é apresentar um texto em setembro, por projeto de lei ou medida provisória.
A destinação de recursos ainda precisa ser avaliada pela equipe econômica, que está em meio a cortes de gastos e a necessidade de se adequar ao teto orçamentário. Silveira fala em aproveitar a janela de crescimento das receitas nos próximos anos.
Rosana Santos, diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética, vê a iniciativa do governo com ressalvas, já que estimular a produção de petróleo sob a justificativa de financiar a transição poderia ameaçar uma oportunidade.
“A redução gradativa e planejada do uso do petróleo não é uma questão puramente ambiental, mas sobretudo uma questão de início de um novo ciclo econômico para nosso país”, analisa.
Na opinião da diretora-executiva, existem oportunidades para ampliar a produção de energéticos limpos, a exemplo do biometano, o combustível sustentável de aviação (SAF) e o hidrogênio verde.
“Não deveríamos, sem um plano de phase out e sem levar em consideração o que significa para as oportunidades de novo ciclo de crescimento econômico baseado em atender o mercado global descarbonizado, aprofundar investimentos em fósseis”, finalizou.
O Instituto Pólis realizou uma pesquisa em 2023, em que 89% dos entrevistados concordaram que os encargos na conta de luz sejam utilizados para subsidiar a universalização do acesso à energia elétrica.
Porém a proposta do governo tem questões ambientais a serem levadas em conta, de acordo com o instituto.
“Vincular estas políticas previstas na CDE às receitas do petróleo aumenta a dependência do sistema em energias com maior emissão de carbono. O compromisso com a transição energética justa exige uma análise cuidadosa da direção que o setor deve tomar, devendo colocar os consumidores, em especial os mais vulneráveis, e a crise climática no centro do debate”, conclui.
Oportunidade para pente-fino em subsídios
Em nota, a Frente Nacional de Consumidores de Energia disse serem “importantes e bem-vindas” as iniciativas para reduzir o custo da energia e defende que programas sociais façam parte do Orçamento Geral da União.
No entanto, a entidade considera que buscar novas fontes para custear a CDE é um “paliativo”, já que os Poderes Executivo e Legislativo deveriam passar os subsídios a limpo.
“Essa revisão deverá culminar na descontinuidade daqueles subsídios que já não fazem mais sentido de existir, como os que são concedidos às energias renováveis, uma vez que elas já são competitivas e estão plenamente estabelecidas”.
Subsídios a fontes poluentes como o carvão são considerados pela Frente uma “incoerência” em relação ao contexto de transição energética.
Para Carlos Faria, diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), reduzir o custo da energia elétrica é uma “proposta tentadora”, mas pondera que é preciso passar a limpo a CDE.
“O custo excessivo da energia não será resolvido apenas com um remendo desse tipo, por mais generoso que seja. A redução desse custo passa por uma revisão técnica de todos os subsídios incidentes sobre as contas de luz, com a manutenção apenas daqueles que fazem sentido em termos de política pública”, opina.
Faria defende que o Tesouro Nacional faça uma análise minuciosa dos subsídios, inclusive para adequação do teto de gastos do orçamento da União.
Grandes consumidores lutam por congelamento da CDE
A Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace) apresentará uma novamente a proposta para que a CDE seja congelada e passe, gradativamente, a ser paga pelo Tesouro Nacional.
A entidade já levantou a ideia de realizar uma transferência anual de 20% da conta para o orçamento da União. Assim, a conta seria zerada em cinco anos.
“O ministro deu um sinal importante que o foco dele, é claro, é o consumidor subsidiado, o consumidor carente, mas a gente sabe que a energia pesa muito para os brasileiros. Pesa na conta de luz e pesa no preço de tudo que as pessoas compram. É uma escolha de país”, afirma o presidente executivo da Abrace, Paulo Pedrosa.
O MME pretende incluir a medida em novas propostas para a abertura do mercado livre de energia.
Na avaliação de Pedrosa, medidas que reestruturem o setor elétrico também são necessárias. O risco de que a CDE seja inflada a partir de decisões políticas é minimizada pelo dirigente da Abrace.
“É legítimo que um parlamentar do sertão queira encontrar um mecanismo para desenvolver a região dele. E se ele vai fazer isso no orçamento da União, vai levar isso pros colegas que representam todos os estados, e o Congresso vai fazer uma escolha legítima dentro do orçamento da União e dentro do Pacto Federativo”, exemplifica.
R$ 40 bilhões gastos em 2023
Em 2023, a CDE totalizou R$ 40,3 bilhões, com a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) compreendendo R$ 11,3 bilhões. É o subsídio da geração de energia em sistemas isolados, em sua maioria, na região amazônica.
As fontes incentivadas, onde entram solar e eólica e biomassa, receberam R$ 10,7 bilhões em subsídios, enquanto a geração distribuída representou R$ 7,1 bilhões do montante.
Programas sociais, como a tarifa social e o Luz Para Todos, demandaram investimentos de R$ 7,5 bilhões.
A conta também subsidia a geração de usinas a carvão e a óleo. Além de despesas com irrigação, distribuidoras de pequeno porte, ligações rurais, água e saneamento.
Os dados são do Subsidiômetro, painel criado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com dados da CDE. A mini e microgeração distribuída (MMGD) foi incluída ano passado, quando a conta passou a bancar parte dos custos que antes eram rateados apenas de forma implícita nas áreas de concessão das distribuidoras.
Texto atualizado para incluir o posicionamento do Instituto Pólis