A transição energética é um processo que ocorrerá gradualmente ao longo das próximas décadas. A oferta de matérias-primas, energia e produtos renováveis necessários para essa transição depende de regulamentação adequada, desenvolvimento tecnológico e investimentos vultosos, proporcionando reduções efetivas de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Neste caminho, as metas nacionais e setoriais de redução de GEE têm apontado para um aumento da demanda por combustíveis renováveis. Isso tem resultado em previsões de redução da demanda por produtos de origem mineral a partir da próxima década.
Diante disso, a Petrobras tem se posicionado de forma estratégica na produção de biocombustíveis, com investimentos em biorrefino e no desenvolvimento de novos produtos com menor intensidade de carbono (IC).
O papel da soja
O início da caminhada do biorrefino tem sido feito com óleo de soja, que é hoje a matéria-prima com maior oferta e cadeia logística consolidada, respondendo por 70 % da produção nacional de biodiesel, conforme dados da ANP (2021); seguido de sebo (10,4 %) e outras matérias graxas (11,4%).
A soja é importante não só para a produção de biocombustíveis. Em 2022, a produção de farelo de soja foi de cerca de 39 milhões de toneladas (ABIOVE, 2023), um produto rico em proteína utilizada como ração animal e na produção de alimentos variados.
O Projeto de Lei do Combustível do Futuro (PL 4516/2023), em análise pelo Congresso, prevê o uso de diesel renovável em até 3% no mandato do diesel e abatimento de 1% das emissões de GEE na aviação civil a partir 2027, aumentando gradativamente até 10% em 2037.
A entrada do diesel renovável, somado ao biodiesel, permitirá aumentar o conteúdo renovável do diesel comercializado no país, com um biocombustível avançado totalmente compatível com o diesel mineral.
E isso já pode ser iniciado com o coprocessamento de óleos vegetais, como o de soja, nas refinarias, como já ocorre na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar).
A Petrobras está se estruturando, adaptando outras refinarias para o coprocessamento de óleos vegetais bem como prevendo novos investimentos em unidades dedicadas para produção de diesel renovável e combustível sustentável de aviação (SAF), visando atender à demanda futura desses biocombustíveis.
Obviamente, não se pretende atender aos volumes de biocombustíveis demandados utilizando-se apenas óleo de soja. Matérias-primas complementares serão necessárias.
A diversificação de matérias-primas para o biorrefino
Uma das formas de atender ao aumento da demanda por matéria-prima para biocombustíveis nos próximos anos pode ser pelo aumento da produção de oleaginosas e de óleo associado, com o foco no investimento em culturas que tenham uma relação óleo/biomassa maior do que a soja oferece atualmente.
Além disso, a expansão futura deverá ocorrer em áreas de baixos estoque de carbono e produtividade (áreas degradadas).
Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, há um potencial de expansão da agricultura de forma sustentável por meio da otimização da utilização de áreas de pastagens.
Dos 151 milhões de hectares de terras brasileiras destinados aos rebanhos em 2023, há pelo menos 33 milhões de hectares de terras com degradação severa para expansão agrícola (figura 1), área similar à dedicada hoje ao plantio de soja, que fazem do Brasil o segundo maior produtor do grão no mundo. A maior parte dessas áreas se concentra nas regiões centro-oeste e norte do país (figura 2).
A soja, porém, não é a única matéria-prima possível. Por variadas razões, é fundamental o desenvolvimento de matérias-primas alternativas sustentáveis complementares.
As tecnologias existentes no mercado e as desenvolvidas pela Petrobras no Brasil são adequadas para o processamento da maioria dos óleos vegetais produzidos, como canola, milho ou dendê, entre outros; para gorduras animas como sebo; e para óleos e gorduras residuais, óleo residual de produção de celulose etc.
Os resíduos graxos, em especial, têm uma menor pegada de carbono associada ao seu ciclo de vida, além de normalmente terem custos mais competitivos. Em todos os casos, é importante que essas matérias-primas possuam baixos teores de contaminantes a fim de evitar impactos nos processos produtivos das refinarias, sendo por isso mais desafiador o seu uso em unidades de coprocessamento.
Um resíduo graxo típico e bastante conhecido é o óleo de cozinha usado, que pode se tornar relevante a partir da ampliação da logística reversa. O uso desse tipo de óleo para produção de biocombustíveis evita o descarte indevido, fomenta a economia circular e pode, ainda, gerar renda para a população, trazendo impactos sociais e ambientais positivos para a sociedade.
Outras matérias-primas, como o óleo de macaúba, óleos de culturas de entressafra da soja, e materiais graxos residuais, são opções que também estão mapeadas e em desenvolvimento e que deverão se tornar realidade nos próximos anos, contribuindo para um cenário de maior diversificação e volume de óleo, com menor impacto no uso da terra para produção de biocombustíveis sustentáveis.
As novas culturas agrícolas, como a macaúba, além de outras aptas a serem cultivadas em áreas de pastagem degradadas ou em rotação com a soja, já estão ganhando escala comercial no Brasil e são grandes apostas para a diversificação das matérias-primas necessárias ao biorrefino.
O cultivo em áreas degradadas contribui significativamente, inclusive, para o aumento do estoque de carbono desses solos, principalmente quando são empregadas técnicas de integração lavoura-floresta.
A Petrobras vem estudando, ainda, diferentes modelos de negócio e possibilidades de parcerias com empresas fornecedoras de matérias-primas sustentáveis, como forma de viabilizar uma cadeia de valor integrada, em larga escala, que garanta o acesso, o suprimento e a rastreabilidade dessas matérias-primas, ancorada em processos de certificação de toda a cadeia. Essa caminhada é longa.
O biorrefino e a transição
Os biocombustíveis são parte fundamental da transição energética. A diversificação das matérias-primas e as novas rotas tecnológicas são igualmente importantes nesta jornada. A produção de biocombustíveis pela hidrogenação de óleos e gorduras, denominada rota Hefa, é a tecnologia madura neste segmento de biorrefino.
No futuro breve, deverá responder por parte significativa da demanda de biocombustíveis sustentáveis, até que outras tecnologias escalem e se viabilizem técnica e economicamente, como a conversão de álcoois para SAF, a conversão de resíduos lignocelulósicos em biocombustíveis e a conversão de CO2 e hidrogênio verde em combustíveis sintéticos (e-fuels). Essas tecnologias estão em diferentes estágios de maturidade e ainda apresentam desafios e custo de produção superiores à rota Hefa.
Os custos da transição energética devem ser comparados com os custos decorrentes de se prosseguir na marcha atual de emissões de GEE: impacto no clima, na produção de alimentos e na saúde pública. O Brasil tem programas exitosos de inserção de renováveis na matriz energética, como o etanol, o biodiesel e a hidroeletricidade.
Em todos os casos, houve uma mobilização da sociedade e do governo, na forma de investimentos públicos e privados, programas estruturantes, ajustes na regulamentação vigente, incentivos fiscais, dentre outros, que permitiram a inserção gradual de novas energias a um custo competitivo para a sociedade. Para o momento atual da transição energética, não será diferente.
O coprocessamento dos óleos vegetais disponíveis, como a soja, é a opção mais econômica que se dispõe atualmente, agregando mais valor aos ativos de refino existentes no país e ao potencial agro que o Brasil dispõe. Alternativas complementares estão sendo construídas em relação às matérias-primas e às novas tecnologias, ao seu tempo e de olho na economicidade da oferta de energia sustentável.
Garantir a oferta líquida de energia, outro pilar essencial no processo de transição, é parte do complexo movimento de transformação em curso. Neste sentido, a Petrobras atua fortemente para maximizar o uso das suas refinarias, bem como para ampliar a oferta de combustíveis (com investimentos no Gaslub, no segundo trem da Rnest e outros projetos de ampliação do refino e biorrefino), com total atenção ao racional econômico.
Assim, busca-se atender ao crescimento da demanda de combustíveis no país, ao mesmo tempo em que a empresa se prepara para atuar no mercado de biocombustíveis avançados, com diversificação das suas matérias-primas e contribuindo para a transição energética. Vamos adiante, há muito por fazer.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Leonardo Martins Barbosa é coordenador de Implantação de Projetos da Petrobras. Ricardo Drolhe Montaury Pimenta é consultor sênior de Tecnologias de Refino da Petrobras. E José Luiz Zotin é consultor master de Biorrefino do Centro de Pesquisas da Petrobras.
Referências
ABIOVE. Estatística. Disponível em:<https://abiove.org.br/estatisticas>. Acessado em novembro de 2023.
ANP. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/arquivos-anuario-estatistico-2023/secao-4/tabelas/t4-13.xls>. Acessado em novembro de 2023.
MAPA. Proposta de Revisão do Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, com vistas ao Desenvolvimento Sustentável – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano Operacional ABC+ 2020-2030 – 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/planoabc-abcmais/publicacoes/abc-portugues.pdf>. Acessado em novembro de 2023.