BRASÍLIA – Produtores de biocombustíveis saíram em defesa da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) nesta semana, após críticas das distribuidoras ao funcionamento do programa.
Na visão de Unica, Bioenergia Brasil e Indústrias de Bioenergia de Mato Grosso (Bioind MT), as propostas de reforma no RenovaBio descaracterizam a política de descarbonização a favor de interesses “meramente comerciais” e ignoram fatores externos que impactaram o mercado nacional de combustíveis.
Desde que passou a valer no Brasil, em 2020, a obrigação para que as empresas compensem as emissões dos combustíveis fósseis que distribuem, o cenário macroeconômico atravessou diversas turbulências, com efeitos também sobre o funcionamento da nova política. [Veja linha do tempo ao final da matéria]
Os produtores listam pandemia de covid-19, quebra de safra de cana-de-açúcar por questões climáticas e intervenções federais no RenovaBio para rebater as críticas das distribuidoras.
E dizem que a política cumpre seus objetivos, apesar das adversidades políticas e econômicas.
Com cerca de 109 milhões de CBIOs emitidos, o programa evitou o lançamento desse mesmo volume de toneladas de CO2 à atmosfera entre 2020 e 2023, já que cada crédito equivale a uma tonelada de carbono evitada durante a produção de etanol, biodiesel ou biometano.
De acordo com a Bioind MT, a política também está alavancando investimentos na indústria, para melhorar sua eficiência energética e ambiental.
“As indústrias de bioenergia de Mato Grosso têm, ano a ano, feito volumosos investimentos tanto para rastreamento e mensuração das informações sobre sua matéria-prima, quanto para desenvolver e implantar soluções para reduzir suas emissões”, diz a associação que representa produtores de etanol de milho.
Terceiro maior produtor de etanol do Brasil e líder na produção do biocombustível de milho, o Mato Grosso deve contribuir, nesta safra, com a produção de 5,5 bilhões de litros do renovável.
“O programa é considerado pelo diretor geral da Agência Internacional de Energia [IEA] como a maior iniciativa de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na matriz de transportes do mundo”, defende a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
O que querem as distribuidoras
Na segunda (20/11), um grupo formado pelas maiores distribuidoras do país retomou oficialmente a agenda de mudanças do programa de descarbonização do setor de combustíveis, alegando que o RenovaBio falhou em elevar a oferta de biocombustíveis e representa um peso nos consumidores de gasolina e diesel.
A frente batizada de Movimento + Bio é formada por Vibra, Ipiranga, e Brasilcom, federação que representa mais de 40 empresas com atuação regional. E pretende transferir a obrigação de compra de créditos de descarbonização (CBIOs) para as refinarias, além de transformar o RenovaBio em um mercado regulado de carbono compatível com outros setores.
As propostas foram entregues a Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, Comércio, Serviços e Inovação.
Produtores rebatem
“O posicionamento das distribuidoras esquece que houve uma pandemia, com impactos inegáveis ao consumo. Em sequência, por conta de iniciativas eleitoreiras, o mercado nacional de combustíveis sofreu interferências de ordem tributária que ceifaram a competitividade do etanol frente à gasolina, fator determinante para forte redução da sua utilização.”, diz a nota da Bioenergia Brasil.
“É importante registrar que entre 2021 e 2022, o setor sofreu com o clima, secas e geadas, e nem assim houve risco de desabastecimento”, completa a coalizão formada por associações e sindicatos de produtores de etanol.
Para a Unica, a postura do grupo de distribuidoras tenta pressionar o governo para desfigurar o RenovaBio e beneficia apenas os combustíveis fósseis.
Em nota, a associação rebate a acusação das distribuidoras sobre escassez de CBIOs, afirmando que, no final de setembro, a oferta de créditos superou o volume necessário para cumprimento das metas anuais, com 6 milhões de títulos sendo aposentados acima da exigência, em antecipação às metas para março de 2024.
A Bioenergia Brasil alerta ainda que a transferência de obrigação para o refino concentraria a demanda por CBIOs na Petrobras.
“Na prática, as distribuidoras que subscrevem a matéria desejam transferir a parte obrigada do RenovaBio delas próprias para os produtores de combustíveis fósseis, o que na prática quer dizer jogar cerca de 80% da obrigação na mão de uma única empresa, a Petrobras”, diz o texto.
Nesta quarta (22/11) a Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio) se uniu ao coro em uma nota onde “solidariza com os produtores de etanol”.
A frente presidida pelo deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS) avalia que há uma tentativa de desestabilizar a discussão proposta pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) na consulta pública que recebe sugestões de aperfeiçoamento do programa.
“Este é o caminho que o Brasil deve seguir. Consultar todos os setores interessados – inclusive os contrários – para, então, fortalecer, qualificar ainda mais, ampliar o alcance do RenovaBio e, assim, criar caminhos para descarbonizar a economia”, defende a FPBio em nota assinada também pelas associações da indústria Abiove, Aprobio e Ubrabio.
Pandemia, quebra de safra e intervenção bolsonarista
De acordo com a Unica, pelo menos quatro fatores impactam o mercado de etanol desde que o RenovaBio entrou em operação.
“Entre 2020 e meados de 2022, a pandemia de covid-19 reduziu consideravelmente o consumo de combustíveis, exigindo ajustes nas metas do RenovaBio”, lista.
Além disso, o setor sofreu prejuízos na produtividade agrícola por causa do clima atípico na safra 2021/2022, o que levou a uma redução na moagem de cana-de-açúcar em mais de 80 milhões de toneladas.
Outro fator que ajudou a reduzir o consumo de etanol foi a desoneração da gasolina, em março de 2022, como tentativa do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de conter o aumento dos preços dos combustíveis. Com isso, o biocombustível perdeu sua competitividade em relação ao fóssil, e o consumidor escolheu usar mais gasolina.
Foi também em 2022 que um decreto editado por Bolsonaro deu mais prazo para as distribuidoras comprovarem o cumprimento das metas de aquisição de CBIOs, o que, na visão dos produtores, prejudicou a dinâmica do mercado.
A Unica argumenta que apesar do cenário atípico, o RenovaBio “manteve o seu funcionamento inalterado e tem permitido mudanças importantes no setor produtivo para a ampliação da eficiência ambiental dos biocombustíveis”.
Linha do tempo:
- Abr/2020: Crise vai exigir revisão de meta do RenovaBio
- Jul/2020: Crise dispara tentativas de reforma do RenovaBio
- Ago/2020: Distribuidoras são contempladas em revisão das metas do RenovaBio
- Out/2020: Clima e dólar estimulam maior produção de açúcar do que etanol – mesmo com CBIO em alta
- Nov/2020: IBP e distribuidoras tentam reduzir ou postergar metas do RenovaBio em 2020
- Nov/2020: Brasilcom entra com nova ação judicial para reduzir metas do Renovabio
- Dez/2020: O que as distribuidoras querem mudar no RenovaBio
- Dez/2020: Justiça federal derruba última liminar contra metas do Renovabio
- Set/2021: Emendas à MP dos combustíveis tentam reformar RenovaBio
- Mar/2022: Preço do CBIO ultrapassa os R$ 100
- Abr/2022: Distribuidoras de combustíveis pedem mudanças no mercado de CBIO
- Jul/2022: Bolsonaro flexibiliza prazos do RenovaBio por decreto
- Abr/2023: Governo Lula retoma prazo para comprovação das metas do RenovaBio em 31 de dezembro
- Set/2023: MME propõe revisão da meta decenal do RenovaBio
- Nov/2023: Custo do RenovaBio deve ser assumido pelas refinarias, defendem distribuidoras