Energia

Títulos verdes podem financiar eletrificação do transporte público

Em entrevista à agência epbr, diretora da EPE observa que a transição no transporte público deve considerar o impacto do custo de aquisição dos eletrificados nas tarifas

Títulos verdes podem financiar eletrificação do transporte público e energias renováveis com investimentos internacionais. Na imagem: Ônibus elétricos produzidos pela brasileira Eletra, com baterias da WEG e carrocerias da Caio, também nacionais (Foto: Divulgação)
Ônibus elétricos produzidos pela brasileira Eletra, com baterias da WEG e carrocerias da Caio, também nacionais (Foto: Divulgação)

BRASÍLIA – Lançado pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, o arcabouço brasileiro para títulos soberanos sustentáveis pretende abrir as portas para o financiamento de projetos de eletrificação e energias renováveis no Brasil.

Com a captação de recursos internacionais, a intenção do governo é custear, por exemplo, ações voltadas para o transporte de baixa emissão de carbono, como os ônibus elétricos, estações de carregamento e redes de estradas para veículos eletrificados.

Um passo importante para substituir o uso de combustíveis fósseis nas cidades brasileiras, uma vez que o custo de aquisição dos veículos elétricos é maior do que o dos ônibus tradicionais a diesel, e seu ganho econômico vem com o tempo, durante o uso, pela economia com combustível.

Heloísa Borges, diretora de Estudos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), explica que é fundamental que o governo avalie os investimentos iniciais para a eletrificação do transporte público no Brasil, visando evitar impactos sobre os consumidores.

O Plano Decenal de Energia 2032 da EPE aponta que o segmento de ônibus terá a eletrificação ancorada por políticas de substituição de frotas de transporte público, com projeção de representar 10% dos licenciamentos de veículos novos em 2032.

Para a diretora, um dos pontos de atenção na transição a curto prazo é como as despesas com aquisição dos veículos elétricos podem influenciar os preços das tarifas.

“Vemos com bons olhos as iniciativas de descarbonização das frotas, mas temos que entender que a eletrificação do transporte público tende a pressionar as tarifas. Daí vem o papel do governo federal de dar os incentivos e reduzir alguma parte do que for possível para evitar essa pressão”, afirmou, em entrevista à agência epbr.

Viabilidade econômica

Um das iniciativas que estuda a eletrificação do transporte público das cidades brasileiras vem do BNDES, que avalia a substituição de frota em mais de 30 munícipios. O banco de fomento enxerga nesse movimento uma oportunidade para incentivar a produção nacional de veículos, e aponta que já é viável economicamente trocar ônibus a diesel por elétricos.

Para ajudar a calcular a viabilidade dessa substituição, a EPE disponibiliza uma ferramenta que indica diferentes perspectivas – socioeconômicas e ambientais – para o cenário de adoção.

O objetivo é permitir que os usuários identifiquem os principais obstáculos associados a essa escolha e possam responder às perguntas: “Quanto se usa de transporte?”, “Quanto custa cada tecnologia?” e “Como pagar por elas?”

“Quando a gente projeta a retomada do crescimento da economia, isso deve acelerar a recuperação da demanda por transporte de passageiros e significa que a frota precisa aumentar. A ferramenta tenta colaborar com a sociedade, fazendo esse cálculo”, explica Heloísa Borges.

Como vão funcionar os títulos verdes?

O arcabouço define regras para a emissão de títulos de dívidas verdes por organizações públicas e privadas do exterior, com foco na promoção do desenvolvimento sustentável e proteção do meio ambiente brasileiro.

Na prática, os instrumentos irão possibilitar que o Brasil obtenha investimentos internacionais para projetos e programas que resultem, necessariamente, em benefícios ambientais e sociais para o país.

A emissão dos títulos segue algumas diretrizes:

  • Os recursos devem ser usados para financiar ou refinanciar despesas com benefícios ambientais e/ou sociais claros;
  • A destinação dos recursos deve ser identificada e descrita na documentação dos títulos;
  • Os emissores devem estabelecer transparência para avaliar e escolher as despesas a serem financiadas; e
  • Os emissores devem criar mecanismos para rastrear o uso dos recursos líquidos, fornecendo relatórios regulares sobre sua alocação e evitando a dupla contagem.

Já as despesas relacionadas à geração de energia fóssil e nuclear, assim como as atividades de mineração e fertilizantes, ficam de fora da alocação de recursos da emissão dos títulos sustentáveis.

As normas foram elaboradas pelo Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas (CFSS), com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Banco Mundial e do NINT – Natural Intelligence. E envolveu vários órgãos da esfera federal, como secretarias e ministérios.

Também faz parte do novo plano de transição ecológica do governo federal.

Foco em ESG

Mirando o ESG (environmental, social, and corporate governance, em inglês), foram incorporados ao arcabouço três títulos públicos: verdes, sociais e sustentáveis.

Isto quer dizer que os fundos também poderão ser direcionados para apoiar projetos da área social, como iniciativas de combate à pobreza, criação de empregos e ampliação do acesso aos serviços de saneamento básico.

“Ao emitir esse tipo de título, o país busca promover a transição para uma economia mais verde, inclusiva e equitativa”, diz um trecho do documento.

Brasil rumo à eletrificação

No início de setembro, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara aprovou o projeto de lei que cria a Política Nacional de Mobilidade Elétrica.

A proposta quer facilitar a conversão de veículos a combustão para veículos elétricos e garantir a disponibilidade de eletricidade para alimentar a mobilidade elétrica no país.

No mesmo mês, a cidade de São Paulo recebeu 50 ônibus a bateria que vão integrar a frota do transporte público municipal, para cumprir a legislação de mudanças climáticas da capital paulista que prevê a substituição de cerca de 15 mil veículos a diesel por ônibus elétricos.

Um modelo que pode ser replicado para outras cidades do país. Quando comparada com os países vizinhos da América do Sul, a frota de ônibus elétricos no Brasil ainda é relativamente pequena, com apenas 394 veículos em todo o país, dos quais 302 são trólebus.

Do total, 77 são modelos convencionais movidos a bateria, enquanto 13 são ônibus articulados.

Países como Colômbia e Chile, que possuem políticas de incentivo à eletrificação no transporte público, possuem frotas significativamente maiores de ônibus elétricos, com mais de 1,5 mil e 2 mil veículos a bateria, respectivamente. Os dados são da iniciativa e-bus Radar.