Agendas da COP

Justiça energética, o driver da transição no Brasil

Não podemos perder de vista o fato de que a pobreza energética contempla uma condição de injustiça e desigualdades estruturais, avaliam Tama Savaget e Maria Gabriela Feitosa 

Justiça energética, o norte da transição energética no Brasil. Na imagem: Fortes chuvas em Recife causam inundações e interrupção no fornecimento de energia elétrica (Foto: Alma Preta)
Fortes chuvas em Recife causam inundações e interrupção no fornecimento de energia elétrica (Foto: Alma Preta)

A inevitabilidade e a gravidade das mudanças climáticas em curso transformaram a transição energética em favor de matrizes de baixa emissão de carbono em pauta prioritária na maior parte do mundo.

No Brasil, a preocupação não é muito diferente, com uma presença crescente do tema no discurso da maioria das organizações.

A situação no que diz respeito às emissões do setor elétrico, no entanto, não é comparável: enquanto a maior parte dos países pena para encontrar alternativas para matrizes fortemente baseadas em combustíveis fósseis, nós saímos na frente.

Praticamente, 60% do nosso parque gerador é formado por hidrelétricas e participação crescente das novas renováveis, como eólica e solar, como mostram dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Isso não significa, no entanto, que estejamos isentos de desafios relativos ao assunto.

Pelo contrário, temos uma importante e desafiadora transição a ser feita para garantir o cumprimento da meta do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 7 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que prevê a garantia de acesso à energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos.

Como enfrentar a pobreza energética?

Isso porque boa parte da população brasileira enfrenta a chamada pobreza energética, que combina dificuldades de pagar as contas, baixa qualidade no fornecimento de energia, indisponibilidade de bens que permitam o uso da energia elétrica e ameaça constante de corte no serviço por situações de inadimplência.

Ou seja, embora o serviço esteja praticamente universalizado, com mais de 99% das residências com uma oferta mínima de energia, o acesso efetivo, equitativo e confiável ao serviço é questionável.

A dificuldade de pagar as contas se deve principalmente ao custo elevado da energia no país, que faz com que famílias pobres cheguem ao cúmulo de deixar de comprar produtos básicos para pagar a conta de luz, como mostrou recente pesquisa do Instituto Clima & Sociedade.

Esse custo excessivo se deve a fatores como a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que acumula um orçamento da ordem de R$ 35 bilhões neste ano.

O peso desses subsídios exige que se faça uma profunda avaliação de sua necessidade, para identificar quais devem permanecer e quais devem ser extintos, como os subsídios a termelétricas a carvão mineral.

O peso dos subsídios na tarifa de energia

Além disso, aqueles que se justificarem devem ser repassados ao Tesouro Nacional. Nesse sentido, a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, da qual o Pólis faz parte, propõe que essa transferência seja feita de maneira gradual, tendo em vista as restrições orçamentárias, começando com 20%.

Os cálculos indicam que, retirando algo da ordem de R$ 6,5 bilhões por ano da CDE, seria possível reduzir, em média, as contas de luz em 3% a cada ano.

A reversão da pobreza energética também passa pela adoção de um regime de tarifas progressivas de energia elétrica.

Nossa proposta nesse sentido mostra que é possível reduzir à metade as despesas das famílias brasileiras de baixa renda com a suspensão da cobrança, na conta de luz desses consumidores, da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). 

A ideia é que a diferença de custos seja compensada por um pequeno aumento nas contas dos demais consumidores, proporcionalmente ao seu consumo, de forma que quem consome mais passe a pagar um pouco a mais. 

Esse modelo resultaria em benefícios substanciais às famílias de baixa renda sem onerar excessivamente os demais consumidores, liberando recursos para o consumo de outros bens e serviços, como a compra de alimentos básicos.

Na prática, assim, além de fomentar a justiça energética, a medida teria efeitos concretos para apoiar a necessária recuperação da economia nacional.

Já no que diz respeito à desigualdade na qualidade da energia elétrica fornecida (interrupções e oscilações da rede), é preciso garantir investimentos mínimos nas redes de distribuição que considerem critérios socioterritoriais, sobretudo no que diz respeito aos marcadores de classe, raça e gênero, para que se possa garantir a equidade do serviço ofertado para todos os consumidores.

Por fim, não podemos perder de vista o fato de que a pobreza energética contempla uma condição de injustiça e desigualdades estruturais.

É que, com menores consumos tanto de energia e combustíveis fósseis, como de bens em geral, as famílias de baixa renda e a população negra, em sua maioria, têm uma contribuição muito menos significativa às mudanças climáticas, mas têm muito mais chance de sofrer suas consequências.

É isso que observamos, por exemplo, nas inundações e nos deslizamentos de terra que em geral afetam as periferias brasileiras nos meses chuvosos, destruindo as casas daqueles que não têm o direito à moradia adequada assegurado.

Tama Savaget, coordenadora executiva do Instituto Pólis
Tama Savaget
Maria Gabriela Feitosa, assessora de projetos do Instituto Pólis
Maria Gabriela Feitosa

Tama Savaget é coordenadora executiva e Maria Gabriela Feitosa é assessora de projetos do Instituto Pólis