Energia

“Ibama não trabalha sob pressão”; decisão contra licença para Petrobras foi unânime em equipe de óleo e gás, diz Agostinho

O presidente do Ibama afirmou à epbr que a Petrobras falhou em demonstrar viabilidade da campanha na bacia da Foz do Amazonas. Empresa contesta, mas anunciou desmobilização de sonda

Rodrigo Agostinho (PSB) é o novo presidente do Ibama, escolhido por Marina Silva (Rede) para comandar órgão federal de licenciamento e fiscalização (Foto: Agência Câmara)
Rodrigo Agostinho (PSB) é o novo presidente do Ibama, escolhido por Marina Silva (Rede) para comandar órgão federal de licenciamento e fiscalização (Foto: Agência Câmara)

BRASÍLIA – O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou à epbr, nesta quinta (18/5), que a negativa para o projeto da Petrobras no Amapá foi “decisão unânime da equipe técnica que trabalha com óleo e gás”.

O Ibama encerrou o atual licenciamento da campanha do FZA-M-59, em águas profundas da bacia da Foz do Amazonas, por entender que não há viabilidade ambiental.

“Licenciamento é análise técnica. Independentemente do que foi entregue aqui até o momento, tudo que foi entregue não demonstra viabilidade [do projeto]”, comentou o chefe do Ibama.

Agostinho se refere aos estudos de dispersão de óleo da Petrobras e documentos referentes ao plano de resposta elaborado pela companhia para um eventual caso de derramamento de óleo na Bacia da Foz do Amazonas.

“As modelagens apresentaram fragilidades até agora. Existe, sim, o risco de toque de óleo na costa brasileira. E isso é um dos pontos que foram levantados pela equipe técnica do Ibama”, afirma.

A decisão acompanha as conclusões do último parecer técnico feito pelos analistas ambientais da autarquia. São pontos críticos que não foram sanados e impediram a realização de uma APO (Avaliação Pré-Operacional), etapa anterior à emissão da licença, segundo o órgão.

Entre os principais gargalos no projeto, segundo o Ibama, está a ausência de uma AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar).

Com esse estudo, que deve ser contratado por iniciativa do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente, de acordo com portaria editada em 2012, seria possível analisar — antes da perfuração — quais áreas no perímetro do bloco FZA-M-59 estão aptas ou inaptas para exploração de petróleo e gás natural.

“Esse estudo poderia demonstrar viabilidade, como também poderia mostrar inviabilidade da exploração de petróleo nessa região. A análise é técnica, não é só cumprir com requisitos. Não é dizer:  a Petrobras cumpriu a parte dela. Isso não é verdade”, declarou Agostinho.

O anúncio do veto foi feito na quarta (17) e surpreendeu forças políticas do estado, como os senadores Davi Alcolumbre (União/AP) e Randolfe Rodrigues (Rede/AP). Ambos abriram fogo contra o Ibama.

“O Ibama não faz política energética. Não é o Ibama que vai decidir se vai continuar tendo petróleo ou se vai explorar petróleo no Brasil. Mas a gente vai continuar trabalhando tecnicamente. A gente não trabalha sob pressão política.”

Os principais pontos da entrevista de Rodrigo Agostinho, nesta quinta (18/5)

AAAS. O despacho de Agostinho endossa a posição de Marina Silva. O governo deveria ter contratado a AAAS da Foz do Amazonas, recurso existente desde 2012. Ele afirma também que deveria ser o caso para todas as novas fronteiras petrolíferas.

Lacunas. Agostinha cita, além da ausência de AAAS, “complementações sobre a questão indígena, sobre a questão da biodiversidade e da fauna oleada”, entre os pontos não esclarecidos até agora pela Petrobras.

Viabilidade da Margem Equatorial. Afirma que “os estudos até agora não demonstraram a viabilidade ambiental da exploração de petróleo” na Foz do Amazonas e cita a oferta permanente: “A ANP está disposta a leiloar outros 218 lotes nessa mesma região”,

Com exceção da Bacia Potiguar, estende essas limitações de novas fronteiras para o restante da Margem Equatorial.

E Petrobras. Agostinho também rebate a Petrobras nos pontos-chave colocados pela empresa: diz haver, sim, possibilidade de toque de óleo na costa brasileira e cita o risco de um vazamento invadir o mar territorial dos países vizinhos.

“As modelagens apresentaram fragilidades até agora. Existe, sim, o risco de toque de óleo na costa brasileira. E isso é um dos pontos que foram levantados pela equipe técnica do Ibama”, afirma.

Agostinho liderou bancada ambientalista na Câmara até 2022. Na foto de 2019, com Célio Studart (PV/CE) e Túlio Gadêlha (PDT/PE), em ação de fiscalização do ex-ministro Ricardo Salles, posteriormente investigado por supostos crimes envolvendo exploração ilegal de madeira

O Ibama invadiu a competência do MME e do MMA na questão da AAAS?

“De jeito nenhum. A portaria 198, de 2012 – ou seja, há 11 anos – estabelece [a AAAS] como uma obrigatoriedade nas áreas novas de exploração de petróleo. E naquela região da Margem Equatorial a gente tem quatro áreas novas.

Tem uma bacia que já tem exploração de petróleo, que é a bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte, e outras quatro bacias que não têm exploração de petróleo [Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas e Ceará]

A portaria é muito clara: a regra é que exista de forma prévia a chamada Avaliação Ambiental Estratégica. No âmbito do petróleo, essa avaliação é a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar.

Essa avaliação garante a viabilidade ou não, a aptidão ou não, de uma área de exploração de petróleo, do ponto de vista ambiental.”

“Em sua definição, a própria portaria estabelece que essa medida é, inclusive, para o licenciamento ambiental. Não é o Ibama que faz esse estudo, não é o empreendedor que faz esse estudo. Mas o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente já poderiam ter feito isso ao longo desses últimos 11 anos.

O que faltou então para o governo providenciar a AAAS?

“Está faltando um entendimento das pessoas que licenciamento ambiental não é entregar papel. Esse é um grande equívoco, o licenciamento é análise técnica. Independente do que foi entregue aqui até o momento, tudo que foi entregue não demonstra viabilidade.

Esse estudo [AAAS] poderia demonstrar viabilidade, como também poderia mostrar inviabilidade da exploração de petróleo nessa região. 

A análise é técnica, não é só cumprir com requisitos. Não é dizer: ‘a Petrobras cumpriu a parte dela’. Isso não é verdade. Um outro ponto importante é que esse não é o único motivo da negativa.

A falta da AAAS, que é um estudo estratégico, não é o único motivo. Foram pedidas complementações sobre a questão indígena, sobre a questão da biodiversidade e da fauna oleada. E esses pontos não foram esclarecidos até agora.”

“É uma região bastante sensível, é uma região que tem um parque nacional, tem comunidades indígenas. É uma região que tem muito peixe-boi. É uma região com muitos manguezais. É uma região que a gente tem uma corrente marinha muito forte, que é a Corrente do Norte do Brasil”.

O senhor se sentiu pressionado por lideranças políticas a tomar uma decisão em favor do projeto? Pode ocorrer uma reviravolta?

“Não existe isso. O Ibama não trabalha sob pressão. O Ibama trabalha tecnicamente. E vai continuar analisando os processos de licenciamento normalmente. Essa foi uma decisão unânime da equipe técnica que trabalha com óleo e gás.

Ela [a equipe técnica]  entendeu que, naquela região, não foi demonstrada até agora a viabilidade ambiental dessa iniciativa. Para se ter uma ideia, a base logística que daria atendimento a qualquer ocorrência de acidente naquela localização está a 800 km do poço. Bastante distante, no município de Belém.

No município mais próximo, que seria Oiapoque, que fica a 139 km do poço, não existe nenhuma estrutura que dê suprimento e possa fazer o atendimento a um eventual acidente naquela área.

É uma área bastante sensível, uma das áreas mais bem conservadas e de maior biodiversidade no Brasil.

O Ibama não faz política energética. Não é o Ibama que vai decidir se vai continuar tendo petróleo ou se vai explorar petróleo no Brasil. Mas a gente vai continuar trabalhando tecnicamente. A gente não trabalha sob pressão política.”

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A decisão enterra o processo? A Petrobras pode recorrer?

“Qualquer empresa que esteja licenciando uma atividade no Ibama pode representar o seu pedido. Então, a Petrobras tem essa possibilidade de reapresentar o seu pedido, apresentar outros estudos, enfim, garantir mais robustez na análise técnica.

Até o presente momento, o Ibama solicitou por oito vezes que a Petrobras apresentasse outros estudos. Esses estudos não foram apresentados a contento. E por isso o Ibama decidiu negar o pedido de licenciamento.”

  • Agostinho falou com a epbr antes da manifestação da Petrobras. A companhia afirma que não foi notificada oficialmente da decisão de Agostinho, publicada ontem no site do Ibama.
  • E que vai recorrer, mobilizar a sonda destinada ao FZA-M-59 para o Sudeste e mantém o plano de licenciar a perfuração de poços de extensão na Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte: Petrobras desmobiliza sonda da Foz do Amazonas; empresa prepara recurso no Ibama

Um dos argumentos que estão sendo colocados é a necessidade da APO?

“A APO é apenas um simulado. Ela não resolve esses problemas [ausência da AAAS e lacunas apontadas pelos técnicos]. Não foram entregues estudos com robustez técnica.

Um simples simulado de vazamento de óleo não iria resolver as deficiências profundas que a gente tem no processo de licenciamento. 

“O Ibama emite dezenas de licenças todos os anos. No ano passado, foram 53 licenças para a Petrobras. Neste ano, já foram 21 licenças para a Petrobras.

E o Ibama vai, em todo e qualquer momento, fazer a análise técnica necessária. E quando não houver, quando continuar restando dúvidas sobre a viabilidade ambiental em um empreendimento, o Ibama vai continuar negando”.

“E não seria esse simples simulado, a APO, que iria resolver deficiências em pontos como, por exemplo, o plano de comunicação à população indígena, o plano em relação aos cuidados com a fauna oleada. São coisas que estão muito além da simples realização de um simulado de acidente.”

E os argumentos da Petrobras em relação aos requisitos técnicos?

“Todos os argumentos que foram colocados pela Petrobras até agora também não demonstraram a viabilidade de toda essa engenhosidade. Imaginar que um barco a 43 horas da área de exploração de petróleo pudesse atender a contento um eventual acidente…

Então, nós nos debruçamos sobre aquilo que está no processo e tecnicamente não há viabilidade até aqui. As contra-argumentações da Petrobras precisam ser feitas no âmbito do processo.

Essa análise é feita por analistas ambientais do Ibama. Existe toda uma equipe técnica dedicada quase exclusivamente na análise dos processos da Petrobras. Só esse ano, a equipe já autorizou 21 processos para a Petrobras. Mas não houve viabilidade nesse caso até aqui.”

Veja que empresas já desistiram de perfurar na Foz do Amazonas. Na imagem: Mapa de poços de óleo e gás na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial
Mapa de poços de óleo e gás na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial

O senhor também considerou a questão da possibilidade de escoamento de óleo vazado para águas fora da jurisdição nacional? Isso teve peso na decisão?

“Sim. Além de ser uma região bastante sensível, é uma região vizinha da Guiana Francesa. É um território da França. Ali a gente tem a Corrente do Norte do Brasil, que é uma corrente marítima bem violenta. A gente tem todas as oscilações provocadas ali pelo fluxo de água da Foz do Amazonas.

Apesar da distância, a Foz do Amazonas deposita uma quantidade gigantesca de sedimentos naquela região. E, no período de cheia do Amazonas, existe influência, sim, do rio Amazonas naquela região.

E a maior parte das modelagens demonstraram que, na maioria dos cenários, o petróleo seria destinado em direção à Guiana Francesa, e não à costa brasileira. Mas isso não diminui os problemas referentes à legislação brasileira.

Inclusive, isso demandaria um acordo de cooperação com a Guiana Francesa para que o Brasil pudesse agir e controlar um eventual acidente em território estrangeiro.

Algo que a gente nunca teve esse tipo de risco nas outras áreas de operação do Brasil. Então, isso também é um ponto novo para nós”.

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