BRASÍLIA – Técnicos do Ibama opinaram pela rejeição e arquivamento do pedido de licenciamento da perfuração na Foz do Amazonas, na costa do Amapá, sem que a Petrobras possa antes realizar uma Avaliação Pré-Operacional (APO) – procedimento que simula a resposta a uma emergência na região, como um vazamento.
As conclusões da equipe técnica do Ibama foram contestadas internamente pelo chefe da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic), Régis Fontana, que sugere que a APO seja feita antes da decisão derradeira sobre o avanço ou não do pedido de licença – a última palavra cabe ao presidente, Rodrigo Agostinho.
Não se trata de uma excepcionalidade do projeto. A APO faz parte do rito do pedido de licenciamento e tem sido discutida na Foz do Amazonas desde 2017, inicialmente pela bp, antes de a Petrobras assumir a empreitada pelo bloco FZA-M-59, em 2020.
Já no ano seguinte, a companhia começou a atender exigências feitas pelo Ibama para que a simulação saísse do papel, em linha com o calendário estabelecido. A previsão inicial era realizar a simulação em agosto de 2022, o cronograma chegou a ser aprovado pela autarquia ambiental, mas houve dificuldades logísticas e demandas por melhorias.
Durante a fase de preparação, foram feitas contratações, adequações no escopo original, investimentos de infraestrutura e outros ajustes. Em fevereiro de 2023, cumpridas as exigências, a Petrobras finalmente solicitou o agendamento da simulação para o mês seguinte, o que não ocorreu.
Agora, a Petrobras aguarda a autorização para realizar a simulação e dar continuidade ao licenciamento.
“A decisão do Ibama sobre a concessão da licença operacional deve ocorrer após a realização da APO. No momento, a Petrobras aguarda o agendamento do exercício pelo Ibama”, manifestou-se a empresa, em nota.
Em resposta à agência epbr, a Petrobras afirma ainda que “está com todos os recursos operacionais e pessoais mobilizados para realização do exercício simulado de resposta a emergências, que é um requisito do processo de licenciamento ambiental”.
Visões opostas
Em diversos documentos emitidos ao longo do processo de análises do pleito de licenciamento, o órgão ambiental se debruça sobre questões de política ambiental e climática e a proposta de realização da avaliação estratégica, endossada pela ministra de Meio Ambiente, Marina Silva (Rede). São decisões que competem ao governo.
Há, portanto, dois pontos de vista: a Dilic recomenda a realização da simulação; os técnicos, por sua vez, pedem o arquivamento do projeto.
Um ex-diretor do órgão, ouvido sob reserva pela epbr, afirma que o próprio Ibama já havia estabelecido, nos últimos anos, as diretrizes e os prazos para que a simulação fosse realizada.
Afirmou ainda que a APO seria um ato pragmático, de modo a permitir que a estatal pudesse corrigir falhas apontadas pela área técnica. “Houve uma mudança de postura”, comentou ele.
A tese oposta ao parecer do Ibama, portanto, é que simulação tem o objetivo de subsidiar o plano de resposta e não haveria motivo para impedir o exercício.
O que diz o Ibama hoje?
Os técnicos afirmam que o PPAF (Plano de Proteção à Fauna), um dos componentes do PEI (Plano de Emergência Individual), “não está apto a ser aprovado em sua versão conceitual, de modo que não há recomendação de se realizar a Avaliação Pré-Operacional”.
A conclusão consta do último parecer técnico despachado ao gabinete de Agostinho, em 20 de abril.
O relatório sustenta que, caso a atividade exploratória provoque derramamento de óleo, há “remota possibilidade de resgate e reabilitação da fauna” e, consequentemente, “a provável perda da biodiversidade impactada”.
Isto é, partindo da premissa de que não há risco de toque de óleo na costa brasileira, conforme apontam os estudos de modelagem de dispersão apresentados pela Petrobras, a questão pendente é o tempo de resposta. Essas informações constam em documentos públicos e restritos, obtidos pela epbr.
A distância entre Belém (PA), base da operação, e a localização do poço a ser perfurado “reflete as dificuldades logísticas encontradas na região, que não tem infraestrutura de suporte para a indústria de exploração e produção”, segundo conclui o Ibama.
O que diz a Petrobras?
Um dos contrapontos da Petrobras no processo inclui a previsão de uso de embarcações rápidas para redução do tempo de resgate de animais, além de recursos dispostos no próprio Amapá.
“A Petrobras conta com embarcações equipadas com profissionais habilitados para transporte e atendimento de fauna oleada. Além disso, a companhia dispõe de unidades móveis de atendimento a fauna em Oiapoque [no Amapá] e outras localidades”.
Um item crucial do licenciamento de projetos de petróleo offshore é a mitigação dos riscos de um vazamento atingir a costa. As empresas realizam estudos – a modelagem de dispersão de óleo –, apresentados ao Ibama e um dos elementos que norteiam os planos de segurança operacional.
Entre novembro de 2022 e fevereiro deste ano, a Petrobras atualizou estudos sobre a dispersão de óleo, elevou a frota de resposta a vazamentos prevista no plano emergencial e passou pela vistoria no Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD), estrutura construída em Belém (PA) “para atendimento à fauna silvestre em caso de evento acidental”.
São oito embarcações do tipo OSRV “estrategicamente posicionadas, garantindo prontidão para atuação no caso de vazamento de óleo”, segundo consta do projeto.
O estudo sobre dispersão de óleo mais recente elaborado para a Foz do Amazonas foi analisado pela área técnica do Ibama em janeiro deste ano.
“Segundo o documento [o estudo da Petrobras], não haveria ocorrência de óleo em Unidades de Conservação brasileiras, assim como não haveria probabilidade de toque na costa brasileira”, registra um parecer do órgão.
“Estudos de modelagem de óleo realizados pela companhia, e aprovados pelo Ibama, comprovaram que o movimento do óleo, numa remota eventualidade de vazamento no poço [no bloco] FZA-M-59, é em direção offshore, oposta ao litoral”, diz a Petrobras.
O Ibama não responde aos contatos da epbr. O espaço segue aberto.