Ao longo da campanha presidencial no ano passado, ficou evidente a significativa diferença de entendimento em relação à questão dos preços dos combustíveis entre a gestão Bolsonaro, que tentava sua reeleição, e a campanha do presidente Lula, que veio a ser vitoriosa.
Mesmo com a mudança de governo, após três meses de mandato, a atual gestão segue ainda refém da herança das medidas adotadas pela gestão anterior com vistas à redução dos preços.
O principal elemento responsável pelo aumento dos preços dos combustíveis nas bombas ao longo dos últimos três anos foi a política de preços de paridade de importação (PPI), adotada pela Petrobras desde 2016.
Diante de um contexto externo de aumento dos preços internacionais do petróleo e da desvalorização cambial, a pressão altista foi sendo internalizada, provocando grande insatisfação popular.
Apesar da clareza da origem da pressão nos preços, o governo Bolsonaro assumiu uma postura omissa, se esquivando do enfrentamento do problema de forma mais articulada — considerando os vários atores atuantes na cadeia –, e elegeu como foco de atuação as alterações nos tributos, pois, de acordo com a leitura equivocada do governo, seriam os vilões da alta.
Assim, ao longo dos últimos anos, com maior fôlego no ano passado, o governo anulou alíquotas de tributos federais (Cide e PIS/Cofins) e congelou a base de cálculo do ICMS estadual, chegando, em junho de 2022, a forçar a redução das alíquotas deste último, ao enquadrar os combustíveis como itens essenciais, o que restringe o percentual a um teto, até então, de 18%.
Tais medidas geraram uma redução imediata nos preços da gasolina no segundo semestre de 2022, pois a média das alíquotas dos estados naquele momento era de 28%.
Para o diesel, impacto irrelevante
No caso do diesel, o impacto não foi relevante, tendo em vista que a alíquota média deste produto já estava em patamar próximo ao teto.
Todo este movimento de redução dos preços deu-se num contexto de campanha eleitoral e às custas, principalmente, dos orçamentos estaduais, que sofreram importante perda de arrecadação.
Em apenas três meses de gestão, o novo governo já precisou lidar com algumas agendas que são frutos do adiamento da implementação de medidas mais estruturais e duradouras por parte do governo Bolsonaro.
Entre elas, a retomada das alíquotas de Cide e PIS/Cofins dos combustíveis, cujo prazo se encerrava em 31 de dezembro, a negociação da compensação da perda de arrecadação dos estados pela redução da alíquota do ICMS e a nova metodologia de cobrança do ICMS sobre a gasolina e o diesel, em debate no STF.
O primeiro movimento do atual governo foi de, através de uma medida provisória (MP 1163), adiar a decisão de retomada dos tributos federais por mais 12 meses para o GLP e o Diesel e em 60 dias para a gasolina e o etanol.
Reoneração da gasolina
Tendo encerrado este último prazo, a decisão do governo foi por reonerar em parte o PIS/Cofins da gasolina e do etanol e manter a Cide zerada para o primeiro até 30 de junho.
Como medida de compensação à reoneração parcial, a MP também estabeleceu, para o mesmo período, uma alíquota de 9,2% de imposto sobre a exportação do petróleo cru.
Esta medida transferiu parte do ônus do aumento dos preços para as petroleiras, que, nos últimos anos, auferiram lucros extraordinários proporcionados principalmente pelos altos preços do petróleo no mercado internacional.
Assim, a medida privilegiou, ainda que momentaneamente, um menor impacto imediato nos preços internos e, consequentemente, na inflação.
Em relação ao ICMS, o primeiro enfrentamento foi a negociação da compensação pela perda de arrecadação.
Fechou-se um acordo entre o Ministério da Fazenda e os estados de R$ 26,9 bilhões a serem pagos ou abatidos da dívida até 2026.
No caminho, uma reforma do ICMS
Ainda sobre o mesmo tributo, a partir do que foi determinado por lei em março de 2022 e em acordos no STF sobre o novo regramento, foi estabelecida uma nova alíquota — de valor fixo e unificada nacionalmente — tanto para o diesel quanto para a gasolina.
No caso do primeiro, a decisão ocorreu ainda em dezembro de 2022, e indicou a cobrança de R$ 0,94 por litro a partir de 1º de maio.
Já para a gasolina, a resolução do Confaz foi publicada no final de março, estabelecendo a nova alíquota de R$ 1,22 a partir de 1º de junho.
Apesar de apontar para diminuição de diferenças regionais e menor pressão nos preços finais, a mudança da alíquota de percentual (ad valorem) para valor fixo (ad rem), conforme estabelecida e após o impacto da redução de percentual no ano passado, terá efeito imediato inverso, pois os valores propostos são maiores do que a média daqueles praticados nos estados atualmente.
Os processos aqui elencados devem gerar preocupação para o governo por ocasionar episódios de pressão inflacionária, em função da retomada da tributação que foi artificialmente reduzida no governo anterior.
No âmbito da Petrobras, conforme indicado no período de campanha e em falas do novo presidente, a revisão da política de preços é uma pauta que guarda grande expectativa.
A aprovação da nova diretoria e a eleição do novo conselho de administração que ocorrerá na assembleia no final de abril poderá se tornar um marco para o início de ações mais efetivas sobre este tema pela companhia.
O que se observa é que, nestes primeiros três meses de governo, a herança do anterior tem deixado o debate dos preços ainda muito centrado na questão tributária, sem que tenham ocorrido, até o momento, propostas concretas de estruturação de políticas que possam de forma mais efetiva equacionar o problema dos preços dos combustíveis no Brasil.
O processo em curso de elaboração de uma reforma tributária, mais abrangente, tem potencial para corrigir distorções atuais e poderá ajudar a liberar o caminho para um debate mais estrutural sobre os preços dos derivados.
Carla Ferreira é Cientista Social, mestre em Ciências Sociais e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), think tank criado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP).
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