Combustíveis e Bioenergia

Deputado bolsonarista propõe plebiscito sobre privatização da Petrobras

José Medeiros (PL/MT) apresenta PL para convocar consulta à população sobre o assunto

José Medeiros (PL/MT) propõe plebiscito sobre privatização da Petrobras (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
José Medeiros (PL/MT) propõe plebiscito sobre privatização da Petrobras (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

RIO — O deputado bolsonarista, José Medeiros (PL/MT), apresentou um projeto de lei para convocar um plebiscito sobre a privatização – ou estatização completa – da Petrobras.

No texto do PL 803/2023, apresentado no início do mês, Medeiros justifica que o fato de a companhia ser controlada pelo Estado “não serviu para proteger a sua população e economia” da alta dos preços dos combustíveis nos últimos anos — isto é, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Coloca em dúvida, então, a necessidade do controle estatal na petroleira.

“Não seria melhor promover a privatização dessa empresa, o que permitiria a atração de investidores privados, sobretudo em áreas que não vem contando com os investimentos necessários, como o setor de refino?”, questiona.

José Medeiros engrossou o coro bolsonarista por uma CPI da Petrobras em 2022. No ano eleitoral, a base do governo virou a carga contra a empresa e a política liberal do ex-ministro Paulo Guedes — que teve na paridade de preços de importação (PPI) o exemplo mais notório.

Medeiros chegou a defender que a Petrobras poderia ser acionada ” para devolver o que cobrou a mais” nos combustíveis, por alinhar o preço do combustível refinado no Brasil ao PPI.

Foi o momento em que base e oposição, incluindo Lula e Bolsonaro, se viraram contra a companhia e os efeitos da disparada dos preços na economia doméstica. Enquanto isso, a Petrobras buscava defender que precisava acompanhar os preços internacionais para preservar suas contas, a governança da companha e acordos firmados com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Medeiros complementa no projeto de lei que, ao que “tudo indica”, a desestatização da petroleira propiciaria um aumento da concorrência e dos investimentos – o que, por sua vez, contribuiria para “melhores preços para consumidores e para o crescimento da economia, bem como traria benefícios para a União, Estados e Municípios”.

Até o momento, isso não ocorreu: na disparada de preços ano passado, quando a Petrobras conteve os reajustes, o preço da gasolina na Bahia chegou a ficar mais de 25% mais caro.

Por outro lado, uma eventual reestatização completa da companhia, argumenta Medeiros, poderia ser uma forma de proteger “investidores que podem ter seu capital achacado pelo retorno das corrupções anteriores do mesmo partido que hoje governa novamente”.

E cita, além disso, que uma Petrobras 100% estatal adequaria os “supersalários” do alto escalão da empresa ao limite do funcionalismo público.

Deputado repete discurso bolsonarista

Ao questionar a capacidade do governo de proteger os interesses da população, na gestão da petroleira, enquanto sociedade de economia mista, Medeiros repete, assim, o discurso que permeou a defesa da privatização da Petrobras no ano passado, entre a base de apoio de Jair Bolsonaro (PL).

O próprio Bolsonaro chegou a dizer, em meio à crise política pela alta dos preços, que não tinha “poderes sobre a Petrobras”, ao defender a venda da companhia.

“Para mim, é uma empresa que poderia ser privatizada hoje. Ficaria livre desse problema. E a Petrobras se transformou na Petrobras Futebol Clube, onde lá o clubinho lá de dentro só pensam neles. Jamais pensam no Brasil”, disse, em março.

No Congresso, o assunto dividiu os presidentes das casas legislativas, reeleitos em 2023: no Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) se mostrou mais resistente à ideia, afirmou que a Petrobras é “patrimônio nacional” e que, se bem administrada, “gera frutos” para a sociedade; na Câmara, Arthur Lira (PP/AL) se mostrou mais aberto:

“Se ela não tem nenhum benefício para o Estado nem para o povo brasileiro, que vive reclamando todo dia dos preços dos combustíveis, que seja privatizada e que a gente trate isso com a seriedade necessária”, afirmou, em abril de 2022.

Petrobras não é única, mas é a principal supridora de combustíveis no Brasil. Considerando a tributação normal — os impostos foram reduzidos em 2022 – o preço da gasolina A representa cerca de 35% dos preços finais na bomba; no caso do diesel, é 66%.

Desde o governo de Michel Temer (MDB), e durante Bolsonaro, a Petrobras buscou os preços de paridade de importação, mesmo com interferências políticas – Bolsonaro trocou duas vezes o presidente da companhia, em meio a crises provocadas por altas de preços.

Ao longo desses governos, a Petrobras liquidou o controle da antiga BR Distribuidora, hoje Vibra Energia, e tentou vender oito unidades de refino, sendo dois negócios fechados: a refinaria de Mataripe, na Bahia, sob controle da Acelen; e de Manaus, para o grupo Atem.

As idas e vindas da privatização da Petrobras

A privatização da Petrobras virou pauta, no governo Bolsonaro, justamente no contexto do desgaste político do então presidente com a inflação dos combustíveis – movimento que vinha de antes, mas que se intensificou com o início da Guerra da Ucrânia.

A estratégia adotada por Bolsonaro — e endossada por Lira – foi redirecionar à Petrobras a insatisfação da população com os altos preços dos combustíveis. Na tentativa de se desvincular dos efeitos políticos da inflação nos postos, Bolsonaro aumentou o tom das críticas à petroleira – que chegou a ter dois presidentes (Joaquim Silva e Luna e José Mauro Coelho) demitidos em dois meses.

A desestatização da Petrobras era uma defesa, sobretudo, da equipe econômica do governo Bolsonaro, encabeçada pelo então ministro da Economia Paulo Guedes – que chegou a dizer que a petroleira deveria ser vendida porque perderia valor nas próximas décadas, com a transição energética.

Com a chegada do ex-secretário de Guedes, Adolfo Sachsida, ao Ministério de Minas e Energia, o assunto começou a engatinhar. Em maio de 2022, Guedes e Sachsida incluíram a Petrobras e a Pré-sal Petróleo SA (PPSA) no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), para início dos estudos de privatização das “empresas e dos ativos sob a sua gestão”.

A pauta, contudo, nunca avançou concretamente — como também nunca foi adiante em outros governos que cogitaram privatizar a maior estatal do país.

A desestatização da petroleira é tema recorrente nas disputas presidenciais. As discussões sobre o assunto acumulam idas e vindas nos diferentes governos desde a redemocratização.

Nos anos 1990, por exemplo, o tema esteve presente nos governos liberais de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso. A petroleira, contudo, nunca foi incluída, de fato, em um processo de desestatização.

No governo de FHC, houve até uma tentativa de mudar o nome da companhia para Petrobrax — sob a alegação de que o nome soava melhor aos estrangeiros. O tucano, porém, nunca avançou com a privatização da petroleira e chegou a enviar uma carta ao então presidente do Senado, José Sarney, comprometendo-se a não desestatizar a empresa.

Nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, a defesa da privatização da Petrobras perdeu fôlego — a não ser quando resgatada nos debates eleitorais com o PSDB.

Na prática, nunca foram criadas as condições políticas para a desestatização da companhia. E a opinião pública continua sendo mais favorável à manutenção da Petrobras como estatal.

Menos de um quarto (24%) da população brasileira apoia a privatização da Petrobras, de acordo com pesquisa do instituto PoderData, publicada no início de fevereiro. Esse percentual era de 28% em junho de 2022.

O “revogaço” petista

Num dos primeiros atos assinados em seu primeiro dia de mandato, Lula publicou despacho determinando aos ministros que encaminhassem propostas para retirar de programas de desestatização empresas públicas como Petrobras, Correios e Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

E, mais recentemente, o MME, liderado por Alexandre Silveira (PSD/MG), pediu à Petrobras a suspensão, por 90 dias, da venda de ativos da petroleira – incluindo novos processos de desinvestimento e eventualmente aqueles em curso e não concluídos, desde que a interrupção dos negócios “não coloque em risco os interesses intransponíveis” da empresa.

Os governos petistas são, historicamente, avessos às privatizações.

O novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, é crítico da venda das refinarias da companhia e questionou, na semana passada, os compromissos assumidos pela empresa em 2019 com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para abertura dos mercados de gás natural e refino.

Segundo ele, a Petrobras não vai mais, “necessariamente, sair vendendo ativos por decisões governamentais”.

“Não vamos nos desfazer de refinarias ou sair de regiões inteiras do país porque simplesmente o governo quer. Vamos fazer decisões de empresa”, disse a investidores, na quinta-feira (02/03).

O presidente da Petrobras rebate a promessa do governo passado, de que os preços dos combustíveis cairiam de preço com a abertura do mercado. E citou o caso mais recente, de aumento de preços em Manaus (AM), após a alienação da Reman.

“Disseram ao povo que vender refinaria ia baixar o preço da gasolina. Esqueceram-se de um detalhe: o sistema de refinarias da Petrobras foi construído e funcionando muito bem com elas atuando de forma cooperativa, e não competitivamente… Refino naturalmente tende a um certo domínio. Quando se coloca uma refinaria, cria-se uma área de sombra de atendimento de mercado onde praticamente ninguém consegue entrar… São virtualmente tendentes a uma hegemonia sobre uma área de influência”, afirmou, durante entrevista coletiva, na quinta passada.