BRASÍLIA — Analistas do mercado de açúcar acreditam que a manutenção da desoneração da gasolina será o principal impasse para a recuperação do mercado de etanol no atual ciclo produtivo. Ano passado, as indústrias brasileiras privilegiaram a produção de açúcar diante da perda da competitividade do biocombustível após a mudança do ICMS dos combustíveis.
Para os consultores da hEDGEpoint Global Markets, empresa de consultoria e inteligência de mercado, em 2023, o setor dependerá de decisões políticas favoráveis do governo para se reerguer.
Com a quebra de safra e o superávit na produção de açúcar em 2022, o mix se manteve mais açucareiro, o que ocasionou um aumento dos preços do hidratado nas usinas e nas bombas.
“As recentes declarações brasileiras nos fazem acreditar em outro ano açucareiro, mesmo com superávit no mercado global do adoçante”, declarou Matheus Jacques, gestor de riscos do mercado de açúcar na hEDGEpoint. “Se [o governo] acabar decidindo a favor do setor [de combustíveis fósseis], podemos ver os preços voltando a subir”, completou.
A implementação do teto do ICMS nos estados e a isenção dos impostos federais sobre o preço dos combustíveis está vigente desde a aprovação da Emenda Constitucional 123/2022 no Congresso, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).
A princípio, a proposta teria vigor até 31 de dezembro de 2022, mas em janeiro deste ano, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou a Medida Provisória 1157/2023, que prorrogou por mais dois meses a desoneração da gasolina e etanol. A decisão desencadeou críticas do setor de etanol, que alegou inconstitucionalidade na MP.
Murilo Mello, head de açúcar na hEDGEpoint, afirmou que o mercado está inseguro com a possibilidade do prolongamento da medida.
“Existem grandes incertezas em relação à política brasileira, se vai restabelecer os impostos da gasolina ou se vai decidir se a gasolina nacional deve estar em paridade com os preços internacionais. Isso possui implicações que podem deteriorar o cenário do etanol”.
A mudança tributária, de 25% para 17% a 18% nas alíquotas, contribuiu para que a gasolina no Brasil se tornasse mais barata do que em outros países, resultando na queda de cerca de 15,7% nas vendas do etanol. Além disso, favoreceu a paridade acima de 70% em grande parte do Centro-Sul, segundo projeções da StoneX.
Demanda pela commodity deve subir
Apesar disso, é esperado uma expansão na produtividade da cana-de-açúcar na próxima safra.
“Para a safra 23/24, estimamos 595 milhões de toneladas de cana, com um intervalo que vai de 580 a 600 milhões de toneladas”, comentou Jacques.
Conforme dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) divulgados nesta sexta (10/2), desde o início da safra 22/23, a produção de açúcar totalizou 33,50 milhões de toneladas. Em comparação a 32,06 milhões de toneladas do ciclo anterior, houve um aumento de 4,49%.
Do total produzido, o etanol hidratado alcançou 102,66 milhões de litros, enquanto o volume comercializado no mercado interno atingiu 997,80 milhões de litros, com aumento de 8,83% em relação ao mesmo período da safra anterior.
Em uma visão de longo prazo, a demanda pelo açúcar deve continuar crescendo ano a ano; assim como outras commodities agrícolas que apresentam números mais positivos após a pandemia da covid-19, apontam os especialistas.
“Atualmente há um cenário macroeconômico de suporte, com os países saindo das restrições da covid-19, a demanda pelas commodities deve aumentar”, afirmou Mello.
Fatores climáticos
Outro alerta para o mercado do biocombustível é o agravamento das condições climáticas.
Segundo as previsões da hEDGEpoint, no Brasil, as chuvas devem permanecer no mesmo ritmo até o início da nova safra, o que não deve afetar a produção nas lavouras, mas o clima ainda é um fator de risco.
“Até o momento acreditamos em uma recuperação, porém, se o clima surpreender com o prolongamento do período de chuvas e nebulosidade excessiva, pode haver uma revisão dos números para baixo”, afirmou o gestor de riscos Matheus Jacques.
Alguns países da América Central, por exemplo, esperam produzir menos devido às chuvas excessivas causadas pelo fenômeno La Niña. Além disso, podem enfrentar cerca de 1,5 milhões de toneladas de redução na produção de açúcar, o que proporcionará o aumento nas importações.
“A perspectiva é de fluxos comerciais confortáveis em 2023. Mas deve-se considerar que até recentemente tivemos um leve aperto no mercado, devido ao atraso nas safras do hemisfério norte e as incertezas da safra indiana”, concluiu o head de açúcar, Murilo Mello.
O consultor se refere ao cenário de imprecisão quanto a disponibilidade da matéria-prima e as possíveis dificuldades de exportação que o país pode enfrentar diante da variação na produção de açúcar.
Vale mencionar que a Índia vem intensificando a cooperação técnica com o Brasil. Os dois países são os maiores fabricantes mundiais de açúcar.
Na última segunda (6/2), a Índia iniciou operações com 20% de etanol misturado à gasolina em 15 cidades. A meta é implementar o percentual em todo o território indiano até 2025.