Ano eleitoral. Frio na espinha. Sempre é assim no Brasil. Mas não há espaço para populismo. Do contrário, o Brasil continuará sendo o eterno país do futuro. Precisamos endereçar os temas relevantes do país com maturidade e serenidade, compreendendo perfeitamente as consequências dos atos da gestão pública.
Em 31 de dezembro de 2001 (sim, há mais de 20 anos) foi finalizado o processo de abertura do mercado brasileiro de combustíveis, com a liberação dos preços, iniciada em 1996. Até então, os preços e as margens dos combustíveis eram controlados pelo Estado.
Com a finalização desse processo, o mercado de combustíveis no Brasil foi liberalizado, ganhando uma nova dinâmica competitiva, com múltiplos players e maior segurança no abastecimento.
Pelo menos nos segmentos de importação, distribuição e varejo, o Brasil passou a ter um mercado que se assemelhava ao norte-americano e europeu, restando apenas o monopólio de fato da Petrobras no mercado de refino.
Porém, desde 2018, com a greve dos caminhoneiros em razão da adoção parcial pela Petrobras do preço de paridade de importação para os derivados e, mais recentemente, com a substancial desvalorização do real, nova tendência de aumento do preço do petróleo e um ciclo inflacionário mundial causado pelos efeitos da pandemia da covid-19, tem se debatido e se adotado medidas para buscar reduzir os preços do diesel e da gasolina.
Subvenção do diesel para caminhoneiros, flexibilização da bandeira dos postos, venda direta de etanol, ajustes tributários, e, mais recentemente, PECs para subsidiar combustíveis, e PLs para instituir monofasia do ICMS, além da tributação de exportação do petróleo para instituição de fundo de estabilização dos preços, com controle de preços pelo Estado.
É sobre esses últimos pontos que precisamos falar, e seriamente, pois o Brasil não suportará os efeitos graves dessas medidas. Nossa população não merece passar por isso novamente, o que nos motivou a alertar os parlamentares.
PL pode tributar exportações e, na prática, proibir paridade na importação
Quando o PL 1472/2021 veio à tona, começou-se a debater sobre o bode na sala: a tributação do petróleo exportado para custeio do fundo de estabilização. A tributação da exportação é claramente inconstitucional, com quebra dos contratos de concessão e de partilha da produção assinados, e vinculação do imposto à despesa específica.
Se assim passar, ferirá seriamente o segmento de exploração e produção de petróleo e gás do país, em um momento em que os grandes players internacionais focam cada vez mais em energias renováveis.
Além disso, quando se estuda a prática internacional, a própria ideia do fundo é falha no mérito, pois provavelmente não terá o efeito desejado.
Os fatores que mais afetam os preços dos combustíveis são três: preço do insumo (petróleo cru), carga tributária e câmbio. Portanto, dependendo da escalada do preço do petróleo e a contínua desvalorização do real, o fundo se transformará em um verdadeiro “saco sem fundo”.
Por essa razão, países como o Chile, abandonaram essa medida ineficaz há anos atrás. Além disso, o PL 1472/21 dá total discricionariedade ao Executivo na utilização dos recursos, sem regras claras pré-definidas.
Pelos motivos citados, esperamos que a ideia do fundo seja abandonada nos próximos dias.
No entanto, precisamos trazer à luz o outro problema do PL, que é tão grande ou maior que a tributação da exportação do petróleo ou a criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis: a volta do controle dos preços dos combustíveis pelo Estado.
Em seu artigo 3º, o PL 1472/21 introduz novos artigos à Lei do Petróleo estabelecendo que a política de preços internos dos derivados deverá pautar-se (dentre outros) pelo estímulo à utilização e à ampliação da capacidade instalada das refinarias nacionais e pela modicidade dos preços.
Além disso, o PL introduz o artigo 68-F à Lei do Petróleo, na prática, proibindo a paridade de importação pura dos preços, ao instituir que os preços internos deverão ter como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação.
Controle estatal dos preços e monopólio da Petrobras sobre refino
Ou seja, em pleno ano de 2022, em época de transição energética para uma matriz mais limpa, se essas medidas passarem, há risco real de o país voltar ao período em que a Petrobras era forçada a investir em refinarias que não faziam qualquer sentido econômico, e quando os preços dos combustíveis eram ditados pelo Estado.
Se aprovadas, todo o esforço histórico para a abertura do mercado de combustíveis terá sido em vão, desde as mudanças legislativas iniciadas em 1996, até o esforço dos reguladores para reduzir o monopólio da Petrobras no refino.
Nosso país voltará a ficar totalmente dependente da estatal, o mercado de importação de combustíveis fechará e os investidores internacionais perderão a confiança que nos resta.
Provavelmente, poderemos esquecer nosso ingresso na OCDE, já que os seus integrantes praticam preços livres, de mercado, não havendo controle de preços pelo Estado no “clube dos ricos”.
Por fim, e mais importante, com o fechamento do mercado, a falta de investimento privado e a perda de competitividade, que serão causados pelo controle de preços que nem deveríamos estar debatendo a essa altura do campeonato, devemos temer o elefante branco na sala que todos parecem ignorar: o desabastecimento do mercado.
Não podemos nos furtar a lançar luz sobre essa temática como forma de contribuir para os debates do Congresso Nacional.
Felipe Feres e Mario Prada são sócios das áreas de Energia e Infraestrutura, e Tributário, respectivamente, do escritório Mattos Filho Advogados, que assessora empresas dos setores de Infraestrutura, de Energia, Marítimo e Portuário.