O enfrentamento das mudanças climáticas é um dos maiores desafios da humanidade atualmente. Governos, setor financeiro, empresarial e a sociedade em geral vêm atuando para prevenir e mitigar as externalidades, com o estímulo e a adoção de fontes de energia renováveis e de tecnologias e práticas para redução das emissões de gases do efeito estufa.
Há hoje um exponencial crescimento dos investimentos com foco em ESG, orientado pela geração de valor compartilhado entre negócio e sociedade.
A aderência a critérios ESG tem modificado a forma como as empresas e os investidores fazem negócios, orientando e fundamentando as decisões com a análise dos impactos dos empreendimentos e atividades incluídos no portfólio e a alocação de recursos em ativos orientados e consonantes com a estratégia.
Nesse contexto, além do estímulo gerado no ambiente de negócios, a litigância climática pautada em critérios ESG e associada às políticas sustentáveis, tem ganhado cada vez mais espaço ao redor do mundo, traduzindo verdadeira apropriação do tema pela sociedade.
Esta ferramenta jurídica leva a discussão, a imposição de diretrizes e a responsabilização dos geradores de emissões de gases do efeito estufa à apreciação do Poder Judiciário, como forma de fiscalizar a atuação dos Estados e das empresas no tema.
De acordo com o Global Climate Litigation Report: 2020 Status Review (Relatório Global de Litigância Climática de 2020), elaborado pela United Nations Environment Programme (UNEP), em conjunto com a Sabin Center for Climate Change Law da Universidade de Columbia, estima-se que as ‘climate litigations’ já representam cerca de 1.550 ações judiciais em trâmite em 38 países, sendo que só o Estados Unidos concentra mais de 1.200, o que representa um aumento de 75% em relação ao ano de 2017:
O relatório também aponta que os litígios climáticos estão divididos entre os cinco temas abaixo:
Dentre os temas apontados, o relatório também concluiu que o litígio climático geralmente se enquadra em uma ou mais das seis categorias abaixo:
Na grande maioria, as ações são propostas em face de governos ou entidades públicas e requerem a adoção de medidas ou políticas públicas efetivas para cumprimento de acordos internacionais e a responsabilização pelo descumprimento dessas políticas.
Em muitas dessas ações, há também o pedido de que sejam estabelecidos limites para emissões de gases de efeito estufa em consonância com os acordos internacionais.
Litígio climático no Brasil
No Brasil, a primeira ação de litigância climática de que se tem notícia, foi ajuizada em 13 de abril de 2021, por seis jovens.
A Ação Popular tramita perante a Justiça Federal do Estado de São Paulo e foi proposta contra os então Ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em função da nomeada “pedalada climática”[1] cometida pelo governo em dezembro de 2020, quando foram apresentadas novas metas relacionadas ao Acordo de Paris, regredindo o alcance do compromisso anteriormente assumido pelo Brasil.
De acordo com os autores da ação, o governo federal teria dado uma “pedalada” por conta da apresentação de metas que não consideraram que a base de cálculo utilizada para calcular o percentual de emissão a ser reduzida mudou e ficou ainda maior. Ou seja, a meta de redução de gases do efeito estufa era, em 2015, calculada com base no Segundo Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa.
Contudo a meta atual tem como base o Terceiro Inventário, que atualizou o valor absoluto dos gases emitidos em 2005 de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões de toneladas de gases emitidos.
Logo, sustentam os ativistas que o governo estaria descumprindo o acordo internacional uma vez que, sem o reajuste na base de cálculo, a nova meta da proposta climática estaria cerca de 400 milhões de toneladas de carbono maior do que era em 2015.
Como a ação é recente, não há ainda decisões de relevo a serem mencionadas.
Contudo, uma decisão que marcou a chegada definitiva da litigância climática no Brasil foi a decisão proferida em agosto de 2021 pela 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Porto Alegre, determinando que o IBAMA inclua diretrizes climáticas no licenciamento de termelétricas no Estado do Rio Grande do Sul.
Em que pese esses recentes precedentes, de forma geral, as reflexões acerca das mudanças climáticas no âmbito dos Tribunais brasileiros ainda são escassas, estando quase sempre representadas pela ADPF 708 e pela a ADO 59, que tramitam no STF objetivando conferir efetividade ao Fundo Clima e ao Fundo da Amazônia.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as reflexões acerca do aquecimento global e das mudanças climáticas estão ainda em plano secundário, não havendo ações climáticas propriamente ditas, mas apenas demandas ambientais com causas de pedir que pontuam vagamente a questão climática.
É o caso dos Recursos Especiais n. 1.376.199/SP e n. 1.457.851/RN, em que houve reconhecimento de que as ações praticadas contribuem para a piora da qualidade ambiental e, inclusive, para o agravamento das mudanças climáticas.
Há, portanto, uma tendência cada vez maior de que o cumprimento e a observância dos parâmetros ambientais previstos em leis e nos tratados internacionais sejam exigidos, tanto do Poder Público quanto do setor privado.
Nesse cenário, o litígio climático se apresenta não apenas como indutor de mudanças, como também como apelo social por responsabilidade ambiental dos governantes e entidades privadas, inclusive para que contribuam para atenuar os efeitos adversos sobre o clima global.
Rebeca Stefanini e Isabela Ojima são associadas da área Direito Ambiental do Cescon Barrieu Advogados
[1] Apelido popular, em regra ligado a questões fiscais, dado a um tipo de manobra matemática/contábil feita pelo Poder Executivo para fazer parecer o cumprimento determinadas metas.