Racionamento voluntário de energia entra em vigor em setembro

“Não entendo como racionamento", defende ministro de Minas e Energia, Bento Albuqueque

Racionamento voluntário de energia entra em vigor em setembro
A “racionalização compulsória” de energia chegou a ser prevista por equipes técnicas que trabalharam na redação da MP da crise energética, mas foi excluída da versão final (foto por MME)

Após admitir a piora da crise energética, o governo federal pretende dar início ao racionamento voluntários de energia dos consumidores do mercado cativo em 1º de setembro, anunciou o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em coletiva de imprensa nesta quarta (25).

“As perspectivas para o futuro, em termos de precipitações até o final do período seco, não são boas. Permanecemos com perspectiva de menores precipitações até o final do período seco, até o final de setembro e outubro”, afirmou o ministro.

A opção do governo federal foi por estimular a economia, sem criar obrigações: o consumidor residencial, comercial ou industrial, que economizar energia, vai ganhar um crédito, que será compensado posteriormente.

Atualização: Aumento de 50% na bandeira tarifária da conta de luz pode durar até 2022

Quem mantiver o patamar de consumo, sem beneficiar, portanto, o sistema elétrico, não será penalizado diretamente pelo programa.

Mas se não houver economia, a energia elétrica fica mais cara para todos.

Os detalhes, contudo, não foram informados, nesta quarta (25).

“O programa, que está em vias de ser prontificado e pretendemos colocar também em operação no dia 1º de setembro, é o programa de resposta voluntária de demanda dos consumidores regulados”, afirmou o ministro Bento Albuquerque.

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o programa terá início em setembro e “a expectativa é que o detalhamento do programa, bem como a divulgação de suas regras, seja feito no início da próxima semana”.

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Por que é preciso racionalizar energia?

Quanto mais o Brasil demanda energia, o que ocorre neste momento de retomada econômica com o avanço da vacinação e alimentada pelo câmbio, mais cara a energia fica.

Isso porque a energia hidrelétrica, usada como a base do suprimento, está em falta em decorrência da falta de preparação do sistema elétrico para a escassez de chuvas. Então é preciso acionar (e contratar emergencialmente) térmicas mais caras.

“É importante deixar muito claro que temos uma condição de demanda e oferta muito estressada. Qual é a mensagem que entendemos que é muito importante? A geração hidrelétrica é um dos recursos mais baratos para produção de energia”, resumiu Christiano Vieira da Silva, secretário de Energia Elétrica do MME.

“A ideia desse programa é premiar os consumidores que tem um esforço para reduzir a carga e contribuir para a confiança e redução no custo”, diz.

Para o governo, contudo, a crise está sob controle. E o aumento do preço da energia nem sequer é um problema, mas apenas uma reclamação da oposição.

“Qual é o problema agora: que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos? Ou o problema é que está tendo uma exacerbação, por que anteciparam as eleições?”, questionou o ministro Paulo Guedes.

Guedes entende que o pior ainda está por vir. Ele participa da CREG, o gabinete de crise criado por medida provisória para acelerar a tomada de decisão.

“A economia está vindo com toda a força. Há nuvens no horizonte? Há. Temos a crise hídrica, forte, pela frente, mas a economia está furando as ondas”, conjecturou o ministro.

O índice oficial da inflação (IPCA) acumula alta de 9% em 12 meses encerrados em junho, puxado por energia, combustíveis e alimentos.

O ministro Bento Albuquerque também afirma que não há motivo para preocupação com racionamento — para ele, seria caracterizado apenas pela obrigatoriedade de redução do consumo de energia.

A “racionalização compulsória” chegou a ser prevista por equipes técnicas que trabalharam na redação da MP da crise energética.

“Vamos adotar todas as medidas que foram adotadas no passado, que sejam necessárias no presente. Não trabalhamos com a hipótese de racionamento”, disse.

Questionado na coletiva sobre a falta de detalhamento do programa de racionamento de energia, o ministro se irritou.

“Vocês vieram aqui hoje porque foram convidados e quiseram vir. Não entendo como racionamento [de energia], mas como medidas que devem ser tomadas independente desse momento. O consumidor está sendo tratado com respeito, consideração e todas as medidas que tomamos são tomadas com bastante transparência”, disse.

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Racionamento em duas frentes

Com o novo programa de racionamento de energia, o governo federal tenta atuar na demanda por quantidade de energia, reduzindo a carga.

No primeiro, voltado para a indústria e grandes consumidores, o alvo era o déficit de potência ao longo do dia, que é a capacidade de geração para atender aos horários de pico.

É uma tentativa de achatar a curva da demanda por energia.

Nesse caso, grandes consumidores que deixarem de consumir energia no horário de pico poderão “ofertar” essa capacidade economizada, em lotes de 5 MW, para o Operador Nacional do Sistema (ONS), que controla os despachos.

Quando houver necessidade e essa potência economizada for utilizada na operação dos despachos, o grande consumidor é remunerado com base no preço da energia no mercado de curto prazo.

Se o valor for menor que esse patamar, todo o sistema ganha; se for maior, a diferença é paga por encargos (ESS), rateado entre os consumidores.

O que o governo está fazendo

  • Contratação adicional energia de térmicas descontratadas (incluindo as térmicas merchant), adicional de capacidade em usinas contratadas, principalmente de cogeração (gás e biomassa);
  • Autorizou a flexibilização de reservatórios — mudança nos padrões de operação das hidrelétricas, que afetam outros usos da água; e a importação de energia;
  • A Petrobras adiou a parada de manutenção do Rota 1, gasoduto que escoa gás natural da Bacia de Santos; deslocou um navio regaseificador de GNL do Ceará para a Bahia para aumentar a oferta de gás no Centro-Sul; governo liberou a operação da Termoceará com óleo diesel;
  • Na demanda, o governo lançou o programa para achatar a curva de demanda de grandes consumidores e vai detalhar em setembro o benefício para quem economizar energia (clientes residenciais, comerciais e industriais);
  • Está trabalhando nas regras de leilões simplificados de reserva de capacidade (potência), previstos na MP da crise energética;
  • Decretou a redução do consumo de energia elétrica na administração pública federal;

A energia vai ficar mais cara, resta saber quanto

Toda essa contratação emergencial de energia mais cara fica represada ao longo da cadeia de geração e distribuição. Aos poucos, é repassada para as tarifas dos consumidores cativos nas revisões aprovadas pela Aneel.

O que já pesa no bolso é o aumento do custo da energia passada e o sistema de bandeiras, que serve para antecipar esse aumento de despesas e sinalizar para o consumidor que a energia que chega nas residência está mais cara e é preciso economizar.

O Estadão publicou que novos cálculos internos apontam a necessidade de elevação do valor da bandeira mais cara (vermelha patamar 2), hoje em R$ 9,49 por 100 quilowatts-hora (kWh), precisam subir para algo entre R$ 15 e R$ 20.

Se a conta-bandeira ficar deficitária, isto é, se os valores não refletirem o real custo da energia, a despesa vai para tarifa no futuro do mesmo jeito.

A Aneel deve divulgar na próxima sexta (27) qual bandeira tarifária será utilizada até o final do ano.

Outros fatores vão provocar a elevação: o câmbio afeta a importação de energia, os despachos de Itaipu, que têm uma parcela em dólar, e o custo dos combustíveis necessários para queimar gás natural, GNL e óleo em usinas térmicas.

Além disso, há pendências no setor elétrico, como a conta-covid, o empréstimo que foi feito para equilibrar a conta das distribuidoras, que sofreram com a inadimplência em 2020, no auge dos efeitos econômicos da crise sanitária.

A conta-covid adiou despesas que entrariam nas tarifas em 2020 e 2021, mas que precisam ser pagas.

Sem chuvas, o alívio pode vir do racionamento de energia (redução de custo) ou da injeção de dinheiro no sistema elétrico.

Com a privatização da Eletrobras, a empresa vai pagar R $63 bilhões pelo direito de assinar novos contratos para suas hidrelétricas e vender a energia mais cara, aumentando seu faturamento.

A contrapartida é que R$ 29,8 bilhões desse valor serão injetados na CDE, o fundão que banca os subsídios no setor elétrico, ao longo de cinco anos. A primeira parcela, prevista para 2022 é de R$ 5 bilhões.

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Qual o tamanho da crise?

O governo já aprovou a contratação adicional de 21 MW de potência de diversas fontes e avalia outros 22 MW.

Para se ter ideia, as usinas hidrelétricas da Eletrobras, maior geradora do país, somam 26 GW de capacidade instalada, que hoje estão contratadas para gerar cerca de 13.4 MWmédios – e não conseguem, justamente, pela falta de chuva.

Agora, a previsão é que a oferta de energia nos reservatórios será 18.140 MWmédios menor em setembro em relação à média histórica. Em agosto, a diferença deve chegar a 19.850 MWmédios.

A situação, na projeção atual, só começa a melhorar com as chuvas de novembro.

A última nota técnica do ONS avalia que será “imprescindível” o aumento da oferta de energia em 5,5GWmédios entre setembro e outubro para conseguir viabilizar o atendimento do setor energético.

A recomendação do Operador é que haja postergação das manutenções programadas, garantia da disponibilidade das térmicas merchant e a importação de energia da Argentina e Uruguai.

O MME e suas entidades vinculadas, incluindo o ONS, não usam previsões de chuva de longo prazo e atualizam o cenário meteorológico a cada duas semanas.

Com isso, dizem que foram surpreendidos com uma estiagem mais agressiva que a esperada, especialmente na região Sul do país.

O resultado é a necessidade de contratar mais energia e gerar mais em usinas de regiões onde o volume dos reservatórios é mais favorável. Outra decisão tomada esta semana foi a flexibilização do nível mínimo dos reservatórios das hidrelétricas do Rio São Francisco.

“Em junho e agosto, as afluências foram muito menores do que a gente tinha expectativa. Estamos trabalhando sempre com cenário conservador, [mas] com a chuva do ano passado, caindo num solo de 20/21, muito mais seco do que no ano passado, resulta em um cenário ainda mais restritivo”, disse o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi.

“Em algum momento, alguém poderia dizer que estamos sendo pessimistas, mas infelizmente não. A natureza tem se mostrado muito mais negativa do ponto de vista de chuva do que as nossas simulações. A única região que poderia ter uma chuva esperada era a região Sul e ela não apareceu”, conclui Ciocchi.

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