Edison, Tesla e a indústria de O&G: o novo embate da eletricidade com os combustíveis fósseis

O primeiro cruzamento das histórias da energia elétrica e do petróleo ocorreu com a chegada da lâmpada incandescente

'Supercarregador' de veículos elétricos da Tesla
'Supercarregador' de veículos elétricos da Tesla

As duas últimas décadas do século XIX contaram com uma épica disputa a respeito da corrente elétrica, protagonizada por ninguém menos do que Thomas Edison e Nikola Tesla, dois grandes inventores.

Edison foi defensor da corrente contínua como modelo-base para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, em oposição a Tesla que defendia que a corrente alternada era mais adequada para tal.

Em uma sanha de experimentos públicos e anúncios publicitários nada ortodoxos, os dois célebres personagens disputavam por espaço na nascente industrialização da eletricidade.

Edison conseguiu emplacar seu modelo inicialmente, nos EUA, mas não tardou para se perceber que a corrente alternada defendida por Tesla tinha muitas vantagens sobre a corrente contínua de Edison, sendo o modelo de Tesla aquele que se adota até os dias de hoje.

O uso da energia elétrica em larga escala foi revolucionário e transformou por completo a vida das pessoas e da civilização.

Até aquele momento, a iluminação das casas e cidades era basicamente toda feita por lamparinas à querosene.

O primeiro cruzamento das histórias da energia elétrica e do petróleo ocorreu com a chegada da lâmpada incandescente.

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A lâmpada e a indústria do petróleo

Durante milhares de anos a única luz na longa escuridão da noite provinha de fogueiras e tochas, até que foram inventadas as lamparinas de óleo, que eram simplesmente pedras côncavas nas quais se colocavam musgos ou fibras vegetais embebidas em óleo e se ateava fogo.

Descobriu-se depois que as lamparinas queimavam por mais tempo e eram mais brilhantes quando se colocava apenas uma fibra (pavio) molhada em um recipiente com óleo.

O óleo podia ser de gordura animal (óleo de baleia era o mais utilizado), de cera de abelha ou de vegetais (GAUTO, 2016). Às vezes, usava-se o betume encontrado em afloramentos superficiais. As lamparinas ou lâmpadas de óleo foram a principal fonte de iluminação durante alguns séculos (figura 1).

Figura 1- Acendedor de lamparinas, século XIX (Fonte: Flickr)

Com a produção de petróleo e o refino em escala comercial a partir da década de 1860, o querosene passou a substituir os óleos derivados de gordura animal e vegetal nas lamparinas.

Relatos históricos dão conta de que frações leves, como a gasolina, por exemplo, eram inicialmente jogadas fora por falta de aplicação e uso.

Assim, o refino de petróleo teve o querosene como principal derivado por alguns anos. Até que Edison inventou a lâmpada incandescente em 1879.

Querendo monetizar sua invenção, Thomas Edison, convenceu as autoridades de Nova Iorque (EUA) para a instalação da primeira usina de energia elétrica do mundo, a Usina de Pearl Street inaugurada em 1882.

A usina, movida a carvão, utilizava um grande dínamo para produzir energia elétrica de corrente contínua, suficiente para iluminar pouco mais de um milhar de lâmpadas, o que pode não perecer muito, mas era algo altamente revolucionário para aquela época.

O uso das lâmpadas impunha o começo da derrocada das lamparinas à querosene, colocando a nascente indústria do petróleo em xeque. Poderia ter sido o fim do petróleo, não fossem outras invenções ocorridas quase que na mesma época.

O motor de combustão interna e o automóvel

Em 1872, o norte americano George Brayton inventou o primeiro motor comercial de combustão interna a combustível líquido.

Poucos anos depois, em 1876, o alemão Nikolaus Otto patenteou um motor de quatro tempos de carga comprimida, que seria amplamente utilizado pela indústria automobilística no século seguinte.

Na sequência, o alemão Rudolf Diesel patenteou, em 1893, o primeiro motor de ignição por compressão, utilizando óleo de amendoim como combustível.

Apesar de ter sido inventado para rodar com biocombustível, foi a partir do petróleo que o uso do “motor diesel” ganhou importância e escala, de tal forma que as correntes de hidrocarbonetos utilizadas para formular tal combustível ficaram conhecidas como “óleo diesel”.

A invenção dos motores de combustão interna, só tiveram sucesso, contudo, com a massificação do uso do automóvel, algo o que só veio a ocorrer no início do século XX, a partir da comercialização em larga escala do lendário Ford T, da empresa de Henry Ford, nos EUA.

Não fosse o automóvel, a indústria do petróleo não seria o que ela é ainda hoje. A lâmpada de Edison pôs fim ao uso do querosene para lamparinas, mas o uso da gasolina e do diesel impuseram crescimento vertiginoso ao consumo dos derivados fósseis.

Foi assim que a indústria de O&G se “salvou” do primeiro cruzamento histórico do óleo de pedra versus a energia elétrica. Mas a história é curiosa e a energia elétrica se cruza novamente no caminho da indústria de petróleo.

Os carros elétricos

Pode parecer novo, mas carro elétrico é algo muito antigo. As primeiras pesquisas com charretes elétricas datam de meio século antes dos feitos de Thomas Edison e Nikola Tesla.

Os primeiros bondes elétricos surgiram tão logo a eletricidade ganhou escala, ainda no final do século XIX.

O primeiro carro da Porsche, feito pelo próprio fundador, Ferdind Porsche, foi um rudimentar modelo elétrico, em 1898 (figura 2), capaz de alcançar uma velocidade de 35 quilômetros por hora e uma autonomia de 40 quilômetros, algo superior aos rivais modelos existentes até então.

Figura 2 – exemplar do Porsche P1 na Áustria. Detalhe para o motor traseiro, uma característica da marca (Fonte: LAVRINC, 2021)

Segundo os registros históricos, o próprio Thomas Edison se aventurou em algumas patentes envolvendo os veículos elétricos, que não vingaram, mas ele emplacou um projeto de baterias recarregáveis de níquel-ferro que compunham o carro elétrico da empresa americana Detroit Electric, criada em 1907, um grande sucesso à época, um veículo com autonomia de quase 130 quilômetros.

Figuras de renome como Clara Ford, esposa de Henry Ford, John D. Rockfeller, fundador da Standard Oil e Thomas Edison, entre outros, estavam entre os proprietários dos luxuosos carros elétricos da Detroit Electric (figura 3).

Figura 3 – Thomas Edison e seu carro elétrico da Detroit Electric (Fonte: Detroit Electric, 2021)

Não tardou para a indústria de carros elétricos quase desaparecer. A chegada da partida elétrica para os motores a gasolina em 1912 – até aquele momento, iniciados por uma manivela – foi um ponto de inflexão na venda dos veículos com motores de combustão interna.

Os carros a gasolina também se tornaram muito mais confiáveis, convenientes e baratos – em pouco tempo um Ford T custava um quarto de um elétrico da Detroit Electric.

À medida que os carros a gasolina ficaram mais baratos, os elétricos ficaram ainda mais caros.

Entre 1914 e 1917, os preços de commodities como cobre e chumbo – usados ​​em suas baterias – dobraram, graças ao aumento da produção de armas na Primeira Guerra Mundial (Detroit Electric, 2021).

As baterias, aliás, são até hoje o “Calcanhar-de Aquiles” dos veículos elétricos e não faltam estudos alertando que o uso massivo de carros elétricos no século XXI vai estressar a mineração de alguns metais que as compõem.

Obviamente, os carros elétricos de hoje são muito mais avançados tecnologicamente do que os pioneiros produzidos no início do século XX, prometendo impor à indústria de O&G desafios crescentes.

Ao se falar em carro elétrico, um nome que vem à mente para muitos é o da Tesla Motors, fundada nos EUA em 2003 e cujo nome é uma homenagem ao genial Nikola Tesla. A empresa é o grande símbolo da transformação em curso na indústria automobilística.

Apesar de muito desafiadora, a eletrificação da frota de veículos no mundo é esperada nas próximas décadas, dado que a emissão de carbono na atmosfera está sob intenso escrutínio, o que age como um impulso rumo a transição energética. As principais montadoras de automóveis, inclusive, possuem planos de abandono dos motores de combustão interna (Figura 4), especialmente para veículos leves.

Figura 4 – Resumo de anúncios feitos por CEOs e diretores de montadoras de automóveis em relação as metas para eletrificação da frota. (Fonte: elaboração própria)

O crescimento da oferta de energia elétrica por fonte renováveis especialmente eólica e solar, promete ser a alavanca definitiva para que os carros elétricos substituam de vez os movidos a combustíveis fósseis.

A corrente alternada de Tesla é fundamental neste sentido, mas precisa ser convertida na corrente contínua de Thomas Edison, para que seja possível recarregar as baterias dos veículos elétricos.

A energia elétrica fotovoltaica, em um modelo de geração distribuída, pode fornecer diretamente a corrente contínua necessária para recarga dos carros elétricos, reduzindo custos e perdas incorridas na transformação da corrente alternada em contínua, no transporte e na distribuição a longas distâncias, algo que deixaria Edison muito feliz.

A indústria de O&G se cruza novamente com a da energia elétrica. As baterias de lítio seriam as novas “lâmpadas” do século XXI? O petróleo vai, enfim, sucumbir perante a eletricidade? Os ventos e o sol apontam que sim. Vamos acompanhar, porque esta história é das boas.

Referências

DETROIT ELECTRIC. History of Detrit Electric. Disponível em: <https://detroit-electric-group.com/en/news-stories-container/history-of-detroit-electric.html>. Acessado em julho de 2021.

GAUTO, M. Petróleo e gás: princípios de exploração, produção e refino. Porto Alegre: Bookman, 2016.

KLEINA, N. A história dos carros elétricos. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/mobilidade-urbana-smart-cities/212835-historia-carros-eletricos-saiba-tudo-comecou.htm>. Acessado em julho de 2021.

LAVRINC, D. Porsche’s First Car? An 1898 Electric Buggy. Disponível em: <https://www.wired.com/2014/01/porsche-first-car-electric>. Acessado em julho de 2021.