BRASÍLIA — Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra uma redução de 42% nos incentivos e renúncias fiscais destinados ao setor de petróleo, gás natural e carvão mineral no último ano, quando comparado com 2023.
A cifra caiu de R$ 81,7 bilhões, em 2023, para R$ 47 bilhões em 2024.
Ainda assim, o relatório aponta que, apesar da redução, para cada R$ 2,52 concedidos ao petróleo e gás, R$ 1 é destinado para fontes renováveis.
O regime aduaneiro especial para o petróleo (Repetro), assim como a conta de consumo de combustíveis (CCC) e a conta de desenvolvimento energético (CDE) foram as que mais pesaram na conta das renúncias fiscais.
Nos últimos dois anos, o Repetro representou R$ 39,1 bilhões, enquanto a CDE/CCC respondeu por R$ 22,5 bilhões, calcula o estudo publicado na última semana.
Vale dizer: o Repetro é um regime de renúncia fiscal temporária. O pagamento de impostos como II, IPI, PIS e Cofins é suspenso na importação de bens para as atividades de exploração e produção de petróleo e gás, e transferido para a fase de produção.
Para a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso, mudanças promovidas pela reforma tributária que desincentivam o uso de combustíveis fósseis e produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente são um sinal dos rumos que o país quer seguir. Mas o governo brasileiro pode ser mais assertivo.
A lei que reformou o sistema tributário, aprovada este ano, cria o imposto seletivo e a obrigatoriedade de avaliação, a cada cinco anos, de todos os regimes especiais de tributação.
“Essas medidas representam um avanço institucional essencial para corrigir distorções e alinhar a política fiscal à transição energética. A queda dos subsídios aos fósseis, acompanhada dessas medidas, sinaliza que o Brasil está dando passos na direção da reforma dos subsídios aos fósseis”, comenta.
“Tais avanços deveriam encorajar o governo a assumir uma postura mais assertiva na COP30, pautando iniciativas também no campo do multilateralismo climático”, completa a assessora do Inesc.
Benefício para os mais ricos
Os analistas do Inesc citam dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) para refutar a tese de que a manutenção de incentivos aos combustíveis fósseis tem como alvo a população mais pobre.
De acordo com o relatório internacional, os subsídios concedidos por governos aos combustíveis fósseis beneficiam os 10% mais ricos até seis vezes mais do que os 20% mais pobres.
A pesquisa sobre 32 países em desenvolvimento mostra que, no caso da gasolina, 80% dos subsídios beneficiam uma minoria de 40% das famílias mais ricas.
Já no contexto brasileiro, o levantamento anual do Inesc aponta que o recuo nos incentivos teve impacto pouco significativo sobre a inflação.
O recuo é consequência da volta da cobrança de PIS e Cofins sobre gasolina, diesel e gás de cozinha, resultando em R$ 33 bilhões aos cofres públicos.
Com a redução dos incentivos ao setor, a gasolina subiu 10,21%, o diesel 3,41% e o etanol 20,46%, mantendo-se competitivo com um crescimento de 33,4% no consumo.
O instituto associa a persistência inflacionária à assimetria na transmissão de preços por parte de distribuidoras que não repassam reduções promovidas pela Petrobras nas refinarias ao consumidor.
Mulheres negras pagam mais pela energia
Assunto recorrente nos discursos do governo federal — e que promete ser pauta na COP30 em novembro, em Belém (PA), a pobreza energética tem gênero e cor no Brasil.
Dados do Inesc sobre o perfil socioeconômico dos consumidores de energia elétrica mostra que as bandeiras tarifárias têm pesos desproporcionais sobre famílias negras e de baixa renda, especialmente as chefiadas por mulheres.
A comparação sobre o peso da bandeira vermelha patamar II entre uma mulher negra e um homem branco aponta que elas podem ter o gasto mensal acrescido em 13,09%, enquanto homens percebem aumento de 7,03% da conta sobre a renda.
A análise do Inesc cruzou dados de renda, gênero e raça a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE.
Os resultados mostraram que as famílias chefiadas por homens consomem 262,72 KWh/mês, o que representa 2,5 vezes mais do que aquelas lideradas por mulheres negras (102,84KWh/mês).
Em números absolutos, lares de mulheres negras de baixa renda arcaram com R$ 230 milhões adicionais das bandeiras tarifárias, enquanto homens brancos de alta renda custearam R$ 106,7 milhões.
O estudo estimou que, mesmo diante do aumento na tarifa de eletricidade, famílias de renda média chefiadas por mulheres negras praticamente não conseguem reduzir o consumo, pois já operam no limite do uso essencial.
Em contraste, homens brancos de renda alta dispõem de maior margem para ajustar o consumo sem comprometer o bem-estar.
“O modelo atual de bandeiras tarifárias parte do pressuposto de que todos os consumidores podem economizar quando a conta aumenta. Mas essa hipótese ignora a realidade de milhões de famílias que já vivem no mínimo vital. Para elas, reduzir o consumo significa abrir mão de comida refrigerada, de banho quente ou de ventilador em dias de calor extremo”, explica Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc.
Financiamento de fontes renováveis e geração distribuída
O estudo também se debruça sobre os dados da geração distribuída, que vem crescimento no Brasil impulsionada por subsídios. Os valores passaram de R$ 7,14 bilhões em 2023 para R$ 11,58 bilhões em 2024.
Para o Inesc, embora essa produção independente seja positiva, ela é custeada por todos os consumidores, já que parte dos custos da rede é paga por quem não possui sistemas fotovoltaicos.
Como agravante, aponta o fato de o Operador Nacional do Sistema (ONS) não ter controle direto sobre a geração distribuída, o que pode causar desequilíbrios em momentos de sobreoferta e obrigar o desligamento temporário de usinas contratadas.
“O Inesc reforça a urgência para a revisão de benefícios às fontes de energia fóssil ou renovável para eliminar os chamados subsídios ineficientes — que distorcem o mercado, estimulam o consumo e dificultam o combate às mudanças climáticas”, defende o instituto.
