Venda de campos maduros

Petrobras abre mão de estoque de mais de 50 campos da Rodada Zero e desperta interesse do mercado

Mercado e governos estaduais se mobilizam para acelerar entrada de novas empresas em ativos com contratos vencidos; polígono do pre-sal é obstáculo no Sudeste

Produção offshore da plataforma de Piranema da Petrobras, a 68 km de Aracaju, em Sergipe (Foto Fotos Públicas)
Produção offshore da plataforma de Piranema da Petrobras, a 68 km de Aracaju, em Sergipe (Foto Fotos Públicas)

RIO e BRASÍLIA — A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) avalia a possibilidade de colocar novamente em oferta mais de 50 campos da Rodada Zero que não tiveram os contratos prorrogados pela Petrobras. As áreas podem ser incluídas nos próximos ciclos da oferta permanente

No mercado, a oferta desses campos é vista como uma nova oportunidade para a ampliação do portfólio pelas companhias independentes, sobretudo depois que a Petrobras interrompeu a venda de ativos. 

Há uma discussão nos bastidores entre a ANP, governos estaduais e a própria Petrobras sobre aproveitar os contratos atuais para a retomada da produção sob o controle de outras operadoras.

Para a Petrobras, é interessante adiar a obrigação de início imediato do descomissionamento das instalações. Segundo fontes, a estatal chegou a discutir o tema recentemente com representantes de empresas independentes.

Um precedente recente foi a venda dos campos de Bagre e Cherne para a Perenco, que foi concluída no começo de agosto.

As áreas na Bacia de Campos também são Rodada Zero e tiveram a produção interrompida em 2020. As plataformas que produziram nas áreas, PCH-1 e PCH-2, estavam hibernadas e o processo de devolução à ANP havia sido iniciado em 2022.

Agora, a Perenco assumiu a operação com a perspectiva de retomada da produção.

As vendas diretas dos outros campos pela Petrobras, no entanto, é considerada improvável.

A companhia interrompeu a venda de ativos considerados estratégicos e enfrenta resistência no governo.

Em recentes declarações, a presidente Magda Chambriard levantou a possibilidade de ofertar novamente ao mercado o Polo Bahia Terra, levando a uma reação imediata do PT e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), além do próprio ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD/MG).

Os desinvestimentos para enxugar o portfólio da companhia foram uma política conduzida nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), quando a estatal decidiu focar as atividades em águas profundas. 

As vendas foram interrompidas no governo Lula (PT). Logo no início do atual governo, em 2023, o ministro de Minas e Energia chegou a enviar um ofício à estatal pedindo a reavaliação das vendas que haviam sido iniciadas, mas ainda não tinham sido concluídas. 

Questionada sobre o motivo para não renovar os contratos, a companhia explicou que a decisão está ligada à estratégia empresarial. 

“Vale ressaltar que a Petrobras constantemente avalia seus ativos, inclusive os em descomissionamento, buscando a maximização de geração de valor, em linha com suas estratégias de médio e longo prazo, para tomada de decisão a respeito de possível solicitações de prorrogações contratuais”, afirmou a companhia em nota enviada à agência eixos

Quais áreas estão em jogo

A estatal tem concessões que tiveram o fim da fase de produção em 2025 nos estados do Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Amazonas, Bahia, além da Bacia de Campos. 

São os contratos da época da Lei do Petróleo e da criação da ANP, em 1998, que tinham previsão de 27 anos de duração, encerrados em 2025.

A inclusão dessas áreas na oferta permanente não é a única saída em discussão para a retomada da produção.

O governo de Sergipe, por exemplo, já fez um movimento junto à ANP e ao MME para viabilizar um modelo da arrendamento das áreas em águas rasas operadas pela Petrobras no estado.

A própria Petrobras já indicou que tem interesse em chegar a uma solução para a retomada da produção na região.

“Nós esperamos que a ANP encontre os meios de viabilizar esse novo momento para os estados, atendendo a uma solicitação feita pelo governador e minha também para que seja feita a prorrogação da concessão. Isso possibilitará uma oferta de mais gás ao mercado, movimenta a economia do estados, além da geração de royalties e empregos”, disse o senador Laércio Oliveira (PP/SE) em fala no Plenário no começo de agosto. 

Além disso, há diferentes situações contratuais.

Quase todas as áreas na Bacia de Campos estão dentro do polígono do pré-sal, limite criado após a Rodada Zero. Portanto, precisariam ser relicitadas no modelo de partilha, o que reduz a atratividade econômica.

Isso passa, no entanto, por uma mudança na lei, num processo mais demorado. O tema está em discussão no projeto de lei 3.178/2019, de autoria do ex-senador José Serra (PSDB).

O projeto dá ao governo a liberdade de escolher as áreas dentro do polígono para serem leiloadas pelo modelo de concessão. O texto está aguardando designação do relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado desde junho.

“Para os campos devolvidos que estão dentro do polígono do pré-sal, o governo precisa ser criativo, para que o regime de partilha não inviabilize os projetos. O recente leilão das áreas não contratadas mostrou que o governo consegue se mobilizar de forma rápida e criativa quando precisa”, diz o advogado Fernando Xavier, sócio da área de Infraestrutura e Energia do escritório Machado Meyer.

Uma alternativa, por exemplo, é o governo pedir bônus de assinatura mais baixos e oferecer ao mercado vários campos de forma conjunta, como os “polos” da venda de ativos da Petrobras, diz o advogado.

Entre as áreas na Bacia de Campos que tiveram o fim do contrato estão projetos em águas profundas, como Cachalote, que chegou a produzir uma média de quase 16 mil barris de óleo equivalente por dia (boe/dia) no auge, em 2019. 

Mercado e estados têm interesse na relicitação 

Fontes do mercado apontam que há forte interesse nos ativos que tiveram o fim do contrato este ano, inclusive por parte de empresas que ainda não atuam no país. São áreas maduras, que já têm instalações e, portanto, podem ter aumento na produção com baixos investimentos.

Nos últimos anos, esse modelo de negócios movimentou o setor de pequenas e médias empresas no país, a partir das áreas que foram vendidas pela Petrobras. 

Algumas das áreas que tiveram fim do contrato recente, inclusive, chegaram a ser incluídas nos desinvestimentos, sem sucesso na venda.

É o caso de Piranema, em águas profundas na Bacia de Sergipe, que chegou a produzir 10,5 mil boe/dia e foi colocado à venda em 2018. O processo chegou a entrar na fase vinculante de negociação, mas não teve a venda concluída.

A situação é similar a de outras áreas em águas rasas na costa sergipana: os campos de Caioba, Camorim, Dourado e Guaricema, que também tiveram os contratos encerrados este ano.

Caminho para nova oferta ao mercado

Ao todo, 15 campos da Rodada Zero já foram devolvidos e relicitados, mas há outros 55 que estão em processo de devolução e ainda podem ser oferecidos novamente ao mercado. 

Os contratos que chegaram ao fim da fase de produção entram em status de descomissionamento dentro da ANP. 

No entanto, o entendimento na agência é que os contratos de concessão seguem vigentes na etapa de descomissionamento. Isso pode ajudar a agilizar os processos para a relicitação e para o retorno à etapa de produção.

A Petrobras pode chegar a acordos com as eventuais compradoras para assumirem os compromissos que precisam ser executados para o abandono das áreas. 

Enquanto as áreas estiverem em etapa de descomissionamento, a estatal segue com as obrigações de manter as instalações, portanto, também é do interesse da companhia acelerar a troca na operação.

Nesse caso, parte dos processos na ANP ficará a cargo da Superintendência de Desenvolvimento e Produção (SDP), e não apenas da Superintendência de Promoção de Licitações (SPL). Segundo fontes, a SDP já indicou disposição de agilizar os trâmites para a licitação das áreas. 

O rito normal para a inclusão na oferta permanente prevê a avaliação da economicidade e da viabilidade da oferta dos campos como novos como blocos ou áreas com acumulações marginais. A agência também precisa estudar as condições das plataformas e outras instalações remanescentes. 

É necessário ainda realizar uma análise socioambiental, que passa pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelo Instituto Instituto Chico Mendes.

Nessa etapa, os órgãos ambientais podem indicar a necessidade de readequação dos limites das áreas e apontam as recomendações para os processos de licenciamento ambiental

As áreas também precisam de uma nova manifestação conjunta do MMA e do MME quanto à relicitação. 

Somente após esse processo a ANP pode elaborar a minuta do edital para a oferta das áreas, que é submetida ainda a consulta pública e à análise do Tribunal de Contas da União (TCU). 

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