diálogos da transição

Falta dinheiro para o clima, sobra para a guerra

Escalada em tensões geopolíticas no mundo tem feito países ampliarem os gastos com defesa

Vladimir Putin, presidente da Rússia, em Sessão Plenária da XI Cúpula de Líderes do Brics, em 14 de novembro de 2019 (Foto Isac Nóbrega/PR)
Vladimir Putin, presidente da Rússia, em Sessão Plenária da XI Cúpula de Líderes do Brics (Foto Isac Nóbrega/PR)

NESTA EDIÇÃO. Países ricos batem recorde em gastos militares e reduzem ajuda a países em desenvolvimento.

Conflitos em Gaza e Ucrânia contribuem para aumento das emissões de carbono e destruição ambiental.


EDIÇÃO APRESENTADA POR

Gastos globais com defesa cresceram — em especial entre países ricos — em meio à inércia dos mesmos países para disponibilizar recursos de combate às mudanças climáticas em países pobres e em desenvolvimento. 

Em 2024, os gastos militares mundiais chegaram ao maior nível em 40 anos, desde a queda do Muro de Berlim. 

Foram US$ 2,718 trilhões, um aumento de 9,4% em relação ao ano anterior e o maior valor já registrado pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri). 

Não é uma exceção. É uma tendência. É o décimo ano consecutivo de alta, impulsionada pelos conflitos de Israel e Gaza e de Rússia e Ucrânia

“À medida que os governos priorizam cada vez mais a segurança militar, muitas vezes em detrimento de outras áreas do orçamento, os efeitos econômicos e sociais desses compromissos podem ser significativos por muitos anos”, afirmou Xiao Liang, pesquisador do Programa de Gastos Militares e Produção de Armamentos do Sipri. 

Em 2024, todos os membros da Otan aumentaram seus gastos militares, que somaram US$ 1,5 trilhão — 55% do total global. O bloco é formado por países ricos como Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá. 

E isso tem tudo a ver com o financiamento climático para países pobres. 


Entre os resultados esperados pela presidência da COP30, no Brasil, está viabilizar US$ 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035 para financiar as ações climáticas em países em desenvolvimento. 

Em 2022, os países desenvolvidos destinaram apenas de US$ 116 bilhões aos países em desenvolvimento para ação climática. Na COP29, se comprometeram a US$ 300 bilhões por ano, frustrando países pobres e vulneráveis.

Nesta semana, o presidente Lula (PT) chamou atenção para o desalinhamento entre recursos militares e a necessidade de apoio a economias pobres.

“Em 2024, países ricos reduziram em 7% a assistência oficial ao desenvolvimento. Suas despesas militares, em contrapartida, aumentaram 9,4%. Isso mostra que não falta dinheiro. O que falta é vontade política”, disse o presidente durante evento sobre Oceanos em Mônaco, no último domingo. 

  • A Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) é o financiamento concedido de países mais ricos para melhorar as condições de vida nos países menos desenvolvidos, e, que após cinco anos de crescimento, caiu 7,1% em 2024, em comparação a 2023.

Entre o discurso e a prática, também vale lembrar que o petróleo foi o principal produto da balança comercial do Brasil com Israel em 2024, mesmo com Lula condenando o “genocídio” israelense na Faixa de Gaza. 

No ano passado, o Brasil também importou US$ 5,4 bilhões de diesel da Rússia. Um recorde. A Rússia também se consolidou como o principal fornecedora de fertilizantes para o Brasil, em especial, após a invasão russa à Ucrânia.

Para além dos gastos, a guerra contribui diretamente para as mudanças climáticas. 

O rearmamento planejado pela Otan tem capacidade aumentar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em quase 200 milhões de toneladas por ano, segundo o Observatório de Conflitos e Meio Ambiente (Ceobs)

O estudo Como o aumento dos gastos militares globais ameaça o ODS 13 sobre Ação Climática aponta que se quisermos manter-nos dentro do objetivo do Acordo de Paris, e limitar o aquecimento em menos de 2°C, “precisamos de ações urgentes, e o ritmo atual dos gastos militares é incompatível com essa meta”. 

Ou autores recomendam ainda que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) deve incluir de forma mais abrangente as emissões militares de GEE nos relatórios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

Os autores também destacam o Custo Social do Carbono (SCC), um indicador monetário dos danos causados por cada tonelada adicional de CO2 emitida na atmosfera. 

No artigo, calcula-se que o aumento descontrolado nas emissões militares poderia gerar US$ 264 bilhões em danos climáticos por ano.

Outro artigo, publicado no mês passado na revista Nature, conclui que “a escalada das tensões globais colocaria gravemente em risco nossa capacidade de impedir que o sistema climático atinja níveis perigosos de concentração de gases de efeito estufa”. 

O custo climático a longo prazo da destruição, limpeza e reconstrução de Gaza poderá ultrapassar os 31 milhões de toneladas de equivalente CO2, segundo um estudo recente, feito por uma equipe de pesquisadores do Reino Unido e dos EUA, antecipado pelo The Guardian.

O volume é maior que a combinação das emissões anuais de gases com efeito estufa pela Costa Rica e pela Estônia, em 2023, e leva em conta apenas os primeiros 15 meses de conflito, nos quais mais de 53 mil palestinos foram mortos.

  • O combustível e os foguetes dos bunkers do Hamas seriam responsáveis ​​por cerca de 3 mil toneladas de CO2, o equivalente a 0,2% do total das emissões diretas do conflito, enquanto 50% foram gerados pelo fornecimento e uso de armas, tanques e outros materiais bélicos pelas Forças Armadas israelenses (IDF), segundo o estudo.

O levantamento se soma a outro estudo, feito pela mesma equipe no ano passado, que apontava que as emissões geradas apenas nos primeiros 120 dias de conflito foram maiores do que as emissões anuais de 26 países e territórios individualmente.

O Banco Mundial ressalta a poluição causada por conflitos, que se dá com a destruição de indústrias, usinas de energia, infraestrutura, deixando para trás “resíduos militares, minas terrestres ou produtos químicos perigosos”, causando danos ao ambiente e à saúde humana.

No Iraque, os conflitos entre 2014 e 2017 destruiram cerca 47% das florestas naturais, enquanto 2,4 milhões de hectares de terra ficaram inutilizáveis ​​devido a minas terrestres.

Em Gaza, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), apontou que, até o ano passado, a guerra tenha gerado 39 milhões de toneladas de entulho, potencialmente contaminado com explosivos não detonados, amianto e resíduos tóxicos.

O organismo ainda ressaltou que os sistemas de água e tratamento de lixo estavam quase totalmente colapsados, com resíduos contaminando solos e águas

Na Ucrânia, atacada pela Rússia, apesar de uma redução nas emissões de gases de efeito estufa em meio à guerra, devido à redução da atividade industrial e geração de energia, houve um aumento nos riscos de poluição tóxica e de participação das atividades militares nas emissões

“A guerra teve um impacto devastador no solo e interrompeu a produção agrícola, levando à insegurança alimentar e a perdas econômicas para agricultores e comunidades rurais”, segundo relatório, publicado em abril, sobre a situação do meio ambiente e do clima na Ucrânia

O documento aponta que a guerra causou redistribuição de fontes de poluição, aumento de emissões em locais inesperados e picos atípicos material particulado e ozônio (O3) devido a bombardeios e queimadas.

Cerca de 28% do território está afetado por operações militares, e a guerra comprometeu o controle de incêndios florestais e causou danos extensos à biodiversidade e aos ecossistemas terrestres e marinhos.

A recuperação ambiental de áreas de combate pode levar décadas ou até séculos”, conclui.


Proteção marinha. A Bloomberg Philanthropies anunciou o investimento de US$ 6,8 milhões para reforçar a conservação dos ecossistemas oceânicos e costeiros do Brasil. 

A ação faz parte da grande a Presidência da COP30 para apoiar a agenda brasileira de proteção marinha e costeira, com compromisso de proteger 30% das áreas terrestres, marinhas e de águas interiores até 2030.

Contudo, Brasil ficou de fora da declaração contra plásticos. A Declaração de Nice por um Tratado Ambicioso sobre Poluição Plástica foi assinada por 96 países durante a Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC), realizada esta semana em Nice, França. 

A ausência do Brasil entre os signatários foi considerada uma frustração por ambientalistas que esperam que o país lidere o tema nas reuniões de agosto, em Genebra, que deverá dar uma resposta definitiva à poluição plástica. 

E-metanol no Suape. GoVerde espera instalar uma fábrica de e-metanol derivado de hidrogênio verde no Complexo Industrial Portuário de Suape, em Pernambuco. 

São esperados R$ 2 bilhões em investimentos na primeira etapa. Com início de operação previsto até 2028, a planta produzirá, inicialmente, até 300 toneladas por dia.

Newsletter diálogos da transição

Inscreva-se e fique por dentro de tudo sobre Transição Energética