NESTA EDIÇÃO. Após notada ausência nas duas primeiras cartas oficiais, combustíveis fósseis aparecem na terceira comunicação da presidência da COP30.
Menção tímida pede cooperação pública e privada para implementação de compromissos com a transição. Mas o Brasil quer seguir explorando óleo.
EDIÇÃO APRESENTADA POR
A terceira carta da presidência da COP30, a cúpula climática das Nações Unidas marcada para novembro de 2025 em Belém (PA), trouxe, enfim, a primeira indicação explícita de uma agenda para a transição dos combustíveis fósseis.
Assinada pelo embaixador André Corrêa do Lago, o presidente da COP30, a comunicação oficial pede cooperação de agentes públicos e privados para “plena implementação do Acordo de Paris”, tendo como base o Global Stocktake (GST).
“Isso inclui os apelos globais para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030 e para acelerar a transição energética global”, explica.
“Devemos apoiar uns aos outros para avançar coletivamente nas metas de triplicar a capacidade global de energia renovável, dobrar a taxa média global de melhoria da eficiência energética e promover a transição para o afastamento dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa”, continua.
O texto também lista como prioridades reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030, avançar na agenda de transições justas, e destravar o financiamento climático.
O documento chega em um momento crítico no cenário político nacional: no Congresso, avança um projeto de lei para flexibilizar o licenciamento ambiental, inclusive com uma emenda que pretende facilitar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
‘Transição para o afastamento’
Em 2023, quando os combustíveis fósseis fizeram sua primeira grande aparição em um texto final de COP, o “transitioning away from fossil fuels” deixou uma margem para interpretação – e uma das entregas esperadas é justamente a definição de como será essa transição.
O termo também se perdeu na tradução. Alguns leram “transição para longe”, outros “transição para o fim”. Na carta desta sexta, virou “transição para o afastamento”.
Essa escolha de palavras ocorre em um contexto em que o governo brasileiro está abertamente defendendo seu lugar ao sol como produtor de petróleo, inclusive costurando apoio do Sul Global.
Na segunda (19/5), durante abertura da reunião de ministros de Energia do Brics, Corrêa do Lago disse que vai trabalhar com a Petrobras para inserir as petroleiras nas discussões da cúpula climática. “Não teremos respostas adequadas à transição se não estivermos todos unidos”, justificou.
Bonn precisa entregar
Corrêa do Lago também coloca pressão para que as negociações pré-COP marcadas para 16 a 26 de junho em Bonn, na Alemanha, apresentem resultados capazes de destravar a agenda de Belém em novembro.
“Seria um grande desperdício se o primeiro espaço formal de negociações do ano — os órgãos subsidiários em junho — fosse tomado por procrastinação ou adiamento de decisões. A falta de avanço no cumprimento de mandatos acordados erodirá ainda mais a confiança na capacidade do processo multilateral de produzir os resultados que a humanidade precisa”, diz a carta.
Nos últimos anos, Bonn foi marcada por reuniões travadas e pouca visibilidade pública, o que refletiu, por exemplo, no resultado fraco da última conferência climática, a COP29 do Azerbaijão.
A mensagem do presidente da COP30 é no sentido de reverter esse quadro: ele quer avançar sua proposta de “mutirão” climático, e alcançar pelo menos três textos: o Programa de Trabalho dos Emirados Árabes sobre Transição Justa, os Indicadores Globais de Adaptação e o Diálogo dos Emirados Árabes sobre a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris.
Cobrimos por aqui
Curtas
Sem previsibilidade. O congelamento no cronograma de aumento da mistura obrigatória de biodiesel — que deveria ir de 14% em 2024 para 15% em março de 2025 — tem deixado os empresários impacientes com a falta de perspectivas. Os impactos vão da indústria aos portos, aponta Carlos Eduardo Hammerschimidt, vice-presidente do Grupo Potencial, em entrevista à agência eixos.
Veto das térmicas. No dia seguinte à publicação da MP da tarifa social (MP 1300/2025), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), marcou para o dia 17 de junho a sessão conjunta que deverá analisar cerca de 60 vetos. Entre eles, os vetos no PL das eólicas offshore.
Risco de desmatamento. A Comissão Europeia publicou na quinta (22/5) a primeira lista de classificação de risco dos países para o desmatamento. O Brasil ficou classificado em risco padrão, junto com nações como Indonésia, Malásia, México e Argentina, entre outras. Em risco considerado alto ficaram quatro países: Rússia, Coreia do Norte, Belarus e Mianmar.
MP do setor elétrico. A Abraceel aponta que a abertura do mercado livre a clientes de baixa tensão pode trazer uma economia de R$ 35,8 bilhões aos consumidores, que deixarão de pagar, em média, 20% a menos na conta de luz.A proposta está inserida na medida provisória 1.300/2025, publicada na quarta-feira (21/5).
O setor de micro e minigeração distribuída (MMGD) também recebeu de forma positiva a MP. Para a ABGD, a proposta tem méritos ao promover a abertura do mercado livre à baixa tensão e a redistribuição de encargos.
Clima x fornecimento de energia. A Cemig, distribuidora de energia elétrica em Minas Gerais, registrou 1240 ocorrências no sistema elétrico em 2024, causadas por queimadas em sua área de atuação. No total, quase 1,5 milhão de clientes da companhia foram afetados. O número é o pior da série histórica da distribuidora.
Petrobras assinou acordo com Unigel para encerrar contratos de arrendamento das fábricas de fertilizantes do Nordeste. A data para a retomada na Bahia e em Sergipe, segundo comunicado da estatal, ainda será definida.
Renováveis em xeque. O setor de energia solar em telhados, que já enfrentava dificuldades, sofreu um golpe potencialmente fatal depois que a Câmara aprovou uma versão mais rígida do amplo pacote de impostos e gastos do presidente Donald Trump.
Substituto para o carvão. A startup brasileira-americana Mirá Biotech fechou um contrato de exportação de 50 mil toneladas anuais de pellets de biomassa sustentável, a partir de 2025, para uma empresa do setor energético na Europa. O acordo tem valor estimado em US$ 7,5 milhões por ano, cerca de R$ 42 milhões.
Concreto de baixo carbono. A empresa de cimentos Ciplan fechou um acordo para a aquisição da Realmix e de sua filial integral, Capital Concreto, para acelerar o desenvolvimento de soluções de construção sustentáveis e responsáveis. A Realmix é especialista em concretos de baixo carbono, com formulação que permite redução de até 30% nas emissões de CO2.
Artigos da semana
A brecha legal que pode levar o hidrogênio ao greenwashing Se aprovada sem alterações, Lei Geral do Licenciamento Ambiental pode fragilizar o controle, aumentando riscos de impactos socioambientais, inclusive nos projetos de hidrogênio de baixo carbono e sua cadeia, escreve Gabriel Chiappini
O crescimento dos data centers no Brasil e os desafios ambientais Governo trabalha em MP para atrair investimentos em centros de dados, que exigirão fontes limpas de energia e terão regras ambientais simplificadas com foco no licenciamento ágil, escrevem Roberta Jardim e Patrik Andrade
O futuro do setor elétrico passa pela abertura total do mercado livre Precisamos definir um modelo legal-regulatório adequado e estável, que garanta confiabilidade, eficiência pela competição, previsibilidade e inclusão, escreve Max Xavier Lins
O moinho e o rio: por que o setor elétrico precisa de uma reforma estrutural MP 1.300 avança em modernização, mas falta coordenação estratégica para garantir confiabilidade do sistema frente à expansão de fontes intermitentes, avalia Marcos Cintra