A estatal argentina YPF fechou, com a Tradener, o seu primeiro acordo para exportação de gás natural de Vaca Muerta ao Brasil.
A YPF entrou com pedido de autorização junto ao governo local para enviar até 1 milhão de m³/dia, na modalidade interruptível, a partir da concessão de Loma La Lata – Sierra Barrosa, na Bacia de Neuquén. A companhia ainda aguarda o aval.
O CEO da Tradener, Guilherme Ávila, conta que a parceria com a YPF, a maior produtora de gás da Argentina, pode representar uma importante avenida de crescimento dos negócios da companhia – que mira o desenvolvimento do mercado livre de gás.
A comercializadora brasileira também tem acordo com a Pampa Energía e, segundo Ávila, tem acordos do tipo MSA (do inglês Master Sale Agreement) — que define as condições gerais de um contrato – com outros supridores argentinos.
A YPF é a principal operadora no shale de Vaca Muerta e tem planos para mais que triplicar a sua produção líquida de gás não-convencional até o fim da década.
A companhia espera atingir um patamar de 65 milhões de m³/dia até 2030, ante os 20 milhões de m³/dia de 2024.
A maior parte desse gás novo terá como destino as exportações. A petroleira argentina aposta, sobretudo, nos seus projetos de liquefação, mirando o mercado global de gás natural liquefeito (GNL).
Mas também pretende explorar oportunidades regionais, para envio de gás a países vizinhos, via gasodutos.
Começam os testes de importação de gás argentino
A YPF é a sétima produtora de gás do país vizinho a fechar acordos de suprimento com comercializadoras brasileiras e a se posicionar, assim, para enviar gás ao mercado brasileiro pela rota via Bolívia – onde a estatal local, a YPFB, faz o trânsito internacional.
Alguns players já realizaram, inclusive, os primeiros testes de exportação:
- a estreia coube à TotalEnergies, numa operação com a MTX Comercializadora de Gás Natural, subsidiária da Matrix Energy, e que envolveu tanto o gás produzido em Vaca Muerta como no offshore da Bacia Austral, na Terra do Fogo;
- a Tecpetrol, empresa do Grupo Techint (controladora da Ternium, Usiminas e Tenaris), anunciou seu piloto, na sequência, com a Edge, comercializadora do grupo Compass, com gás oriundo da Bacia Noroeste; e depois com a MGás (joint venture entre o grupo J&F e a Inner Grow);
- a Pluspetrol enviou gás de Vaca Muerta para a Gas Bridge, seu braço de comercialização no Brasil;
- e a Pampa Energía testou um envio de gás, também de Vaca Muerta, para a Tradener
Além delas, a Pan American Energy (com o seu próprio braço de comercialização, a PAE do Brasil, além de acordos com a Tradener e Comgás) e a Oilstone Energía (com a MGás) também têm autorização do governo argentino para enviarem gás ao Brasil.
Do lado brasileiro, as autorizações para importação de gás argentino dispararam desde 2024. Foram 15 novas autorizações publicadas no período, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Veja a lista
O caso mais recente foi o da Eneva, que tem acordos celebrados com a Total Austral (TotalEnergies) e com a Pampa Energía para importar molécula da Argentina.
O pedido de autorização à ANP é, em parte, uma formalidade: as empresas indicam a origem, volumes máximos e destinação para o gás. Funciona, portanto, como um indicativo, ainda que inicial, do interesse do mercado pela atividade.
Vaca Muerta reacende plano de integração regional
Com o aumento da produção de gás não convencional da formação de Vaca Muerta, na Patagônia, a ideia de uma integração Brasil-Argentina por gasoduto voltou à tona – um projeto iniciado há mais de duas décadas, sem ter sido, de fato, concluído.
Os primeiros testes visam atestar a viabilidade da integração regional pela rota Argentina-Bolívia-Brasil. O uso da infraestrutura existente e ociosa da Bolívia é, hoje, a única rota viável para que o gás argentino chegue aos principais centros de consumo no Brasil.
O gás importado da Argentina pode ser entregue por gasodutos, atualmente, em Corumbá (MS), Cáceres (MT) e Uruguaiana (RS), sendo a Bolívia a rota de integração entre Argentina e Brasil.
- Corumbá é onde passa o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), da TBG, e a única porta de entrada para a malha integrada de gás brasileira.
- Cáceres é abastecida pelo Lateral Cuiabá, da GasOcidente. O ramal atende o estado do Mato Grosso isoladamente;
- e Uruguaiana tem a conexão da TSB (Sulbrasileira de Gás), a única diretamente à Argentina, mas distribui apenas na fronteira.
Gás argentino ainda não chegou a preço desejado
Inaugurada a rota via Bolívia, é hora, agora, de superar gargalos logísticos que ainda limitam os volumes; e avançar na agenda da competitividade para baixar os custos envolvidos, já que os primeiros testes ainda não refletem o nível de preço desejado, como mostrou a gas week.
A discussão passa por questões regulatórias na Argentina, como a revisão do preço mínimo de exportação e da taxa de exportação (que acrescenta cerca de US$ 0,5 o milhão de BTU ao custo do gás argentino).
Além de uma dos custos do transporte de gás nos três países envolvidos, que superam o custo da molécula em si. O preço final depende muito da origem e do percurso do gás dentro da Argentina.
A Rystad Energy estima que, pela estrutura de custos da cadeia, o gás argentino chegou no Brasil entre US$ 7,9 e US$ 10 o milhão de BTU – provavelmente em torno de US$ 9,2 o milhão de BTU.
O valor cobrado das distribuidoras pela Petrobras pode variar de cerca de US$ 8,5 a US$ 10 o milhão de BTU, a depender do tipo de contrato, segundo dados do Ministério de Minas e Energia do início do ano.
A Rystad estima que o custo do transporte na Argentina pode, portanto, variar de US$ 1,5 a US$ 3 o milhão de BTU. E há incertezas, hoje, sobre para onde vão essas tarifas – algo que o Brasil também vivencia, em certa medida, na revisão tarifária das transportadoras locais.
A consultoria calcula que o custo da molécula na Argentina, por sua vez, é da ordem de US$ 4,5 o milhão de BTU, devido ao piso definido pelo governo local, mas que há espaço para redução desse valor em caso de flexibilização do preço mínimo, já que alguns agentes podem ter interesse em reduzir suas margens para se manterem competitivos no mercado brasileiro.