Davi Alcolumbre e Hugo Motta durante sessão que inaugurou a 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, em 3/2/2025 (Foto Jefferson Rudy/Agência Senado)
Plenário do Congresso durante sessão que inaugurou a 3ª Sessão Ordinária da 57ª Legislatura, em 3 de fevereiro de 2025 (Foto Jefferson Rudy/Agência Senado)

Está em tramitação no Senado um projeto de lei que pode redesenhar o licenciamento ambiental no Brasil. O PL 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, promete desburocratizar processos e dar celeridade aos investimentos em infraestrutura. 

Mas a promessa de agilidade vem acompanhada de um alerta de ambientalistas. Se aprovada sem alterações, a proposta pode fragilizar o controle ambiental, aumentando os riscos de impactos socioambientais, inclusive nos projetos de hidrogênio de baixo carbono e sua cadeia.

Se querem ser realmente amigos do clima, empreendimentos de hidrogênio de baixo carbono — azul, verde, musgo, etc. — não poderão, ou não deveriam,  ignorar suas responsabilidades, ainda que não estejam na letra da lei. 

A nova legislação abre espaço para o chamado “autolicenciamento”, através da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de baixo e médio potencial poluidor — com critérios para definição estabelecidos por cada órgão ambiental competente. 

Além disso, a proposta dispensa a Licença de Operação (LO) para empreendimentos lineares, como linhas de transmissão e gasodutos. 

Isso significa que obras críticas para o futuro do hidrogênio no Brasil podem entrar em operação sem que os órgãos ambientais verifiquem, de forma conclusiva, se os requisitos técnicos e ambientais foram de fato cumpridos.

A água como ponto crítico

A nova lei propõe também a desvinculação entre a licença ambiental e a outorga do uso de água, por exemplo. O que pode representar um risco sério para regiões que irão receber projetos de hidrogênio. 

Projetos de hidrogênio — especialmente os verdes, produzidos a partir da eletrólise da água com energia renovável — dependem fortemente de recursos hídricos e, no Brasil, estão concentrados na Região Nordeste, que historicamente sofre com situações de estresse hídrico. 

Estima-se que apenas 3% da água superficial disponível no país está por lá.

Apesar de estudos como o da GIZ apontarem que o hidrogênio verde consome menos água do que as rotas cinza e azul, o impacto ainda é relevante: a demanda global estimada até 2050 exigiria uma quantidade de água equivalente ao consumo de mais de 2 milhões de pessoas por ano (tratei deste tema em outra coluna). 

No mundo, cerca de 36% da capacidade planejada para produção de hidrogênio azul e verde está localizada em regiões com escassez hídrica, como mostra a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena).

A dispensa desta exigência, segundo ambientalistas, rompe o elo entre a Política Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional do Meio Ambiente, e pode resultar em projetos aprovados em áreas com pouca ou nenhuma disponibilidade hídrica segura, trazendo uma competição entre projetos industriais e população local.

Energia limpa com impactos sujos?

Não é só a água que preocupa. O avanço do hidrogênio verde requer também grandes áreas para parques solares e eólicos, além da construção de novas linhas de transmissão — justamente os tipos de empreendimentos que, pela nova proposta de lei, poderiam operar sem a Licença de Operação.

O mesmo se aplica aos gasodutos, que serão necessários para transporte e distribuição de gás natural ou biometano, utilizados para produção de hidrogênio azul ou musgo.

Isso pode colocar em risco biomas sensíveis, como a Mata Atlântica, que já perdeu mais de 85% de sua cobertura original, como aponta  a diretora da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.

Para além da absorção de carbono, florestas também garantem a conservação da biodiversidade e a produção de água.

Ela alerta que, sem estudos obrigatórios de impacto ambiental (como o EIA-RIMA), projetos de infraestrutura podem atravessar áreas protegidas sem qualquer debate público, trazendo riscos de desmatamento, incêndios, e até falhas operacionais como blackouts.

A legislação também busca dispensar o licenciamento ambiental para atividades agropecuárias, o que coloca ainda maior responsabilidade sobre as fontes para predição de hidrogênio relacionais o agro, como o etanol,  biomassa, resíduos de pecuária e biogás.

O papel da reputação

A indústria de hidrogênio que se quer sustentável não vai poder se esconder atrás de brechas legais. 

Além disso, se quiser garantir acesso a financiamentos internacionais, atrair parceiros industriais importantes e consolidar mercados de exportação — especialmente os mais exigentes, como a Europa — será necessário demonstrar, com dados e transparência, o compromisso real com critérios ESG (ambientais, sociais e de governança). 

A eventual aprovação do PL do autolicenciamento torna o papel das empresas ainda mais decisivo. 

Se pretendem se colocar como soluções sustentáveis — e não apenas mais um caso de greenwashing — precisarão ir além da legislação.

Terão que assumir maiores compromissos ambientais, garantindo as melhores práticas ao longo de toda a cadeia produtiva: da geração de energia ou extração de gás natural, passando pela construção de linhas de transmissão ou gasodutos, até a gestão do uso da água e do solo.

Porque, se o hidrogênio é a energia do futuro, é melhor que esse futuro seja viável e sustentável para todos.

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