RIO – Comissões do Senado devem votar na próxima quarta-feira (21/5) o projeto de lei 2.159/2021, que institui a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A proposta, com relatoria compartilhada pelos senadores Confúcio Moura (MDB/RO) e Tereza Cristina (PP/MS), conta com o apoio do presidente da casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
Defendida por setores de agronegócio, energia e infraestrutura, a lei estabelece a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), modalidade que permite ao empreendedor qualificado como de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor autolicenciar seu empreendimento.
O texto também prevê a dispensa da Licença de Operação (LO) para empreendimentos lineares — como linhas de transmissão, gasodutos e minerodutos — de modo que esses projetos possam entrar em operação imediatamente após a Licença de Instalação (LI).
Além disso, propõe desvincular o licenciamento ambiental de certidões de uso do solo e outorgas de água, e fixa prazos para manifestações de órgãos como Funai e ICMBio, cujos pareceres não serão vinculantes ao resultado final.
Ambientalistas alertam para aumento de riscos em projetos de data centers, hidrogênio verde, térmicas a gás, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e exploração de óleo e gás, inclusive não convencional. Segundo críticas, a redução de condicionantes e a simplificação dos procedimentos podem levar a retrocessos socioambientais.
Ala ambiental do governo é contra e vê retrocesso
O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, afirma que o projeto viola princípios fundamentais do direito ambiental já consolidados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como o da não regressão.
“A possibilidade de autolicenciamento ambiental para obras de médio porte, o fim da responsabilização por impactos ambientais indiretos e a redução da participação social nos processos de licenciamento foram alguns dos retrocessos do projeto de lei”, afirmou Capobianco durante seminário na Universidade de Brasília.
“O [LAC] passa a ideia de que o empreendedor pode, por conta própria, definir qual é o impacto, se credenciar e se auto licenciar. No fundo, com a falta de quadros, seria quase que uma licença por W.O [vitória sem competição]”.
Em nota, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) afirma que o texto representa “um retrocesso jurídico, institucional e ambiental”.
Entre os pontos criticados estão a dispensa de licenciamento para atividades com grande potencial poluidor, a exclusão de exigências para projetos em territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação, e a redução das condicionantes ambientais, que são essenciais para mitigar e compensar impactos ambientais.
“A economia verde seria altamente prejudicada. Os acordos ambientais internacionais também estão sendo feridos. Tudo isso são pontos que a gente precisa levar e debater”, afirma a promotora Tarcila Gomes, vice-presidente da Abrampa.
Senadores defendem conciliação
Confúcio Moura reconhece que a proposta é polêmica, mas afirma que o país precisa de um marco mais claro e uniforme. “Esse projeto é necessário para o Brasil, que tem uma parafernália de normas em várias instâncias”.
“Se uma obra é proposta em Minas Gerais, ela não tem as mesmas normas que no Pará. O objetivo dessa legislação é uma padronização para poder eliminar essa série de normas, muitas delas até divergentes entre os estados, no sentido de pacificação”, disse na CMA, na terça (13/5).
Já a senadora Tereza Cristina argumenta que a proposta busca destravar o desenvolvimento econômico e corrigir desigualdades sociais, citando como exemplo a dificuldade de levar energia elétrica a regiões remotas por causa de entraves no licenciamento.
“Com a lei do licenciamento ambiental não tem fragilização. Temos que destravar alguns assuntos e fazer com que o nosso país cresça”, declarou a senadora em evento do Lide, em Nova York, na semana passada.
“A sociedade brasileira precisa saber. Não podemos continuar impedindo alguns brasileiros de ter luz elétrica em pleno 2025, porque impedem que um linhão passe no meio da floresta. Para isso existe mitigação de risco, se existe algum dano, vamos mitigar esse dano, mas não podemos permitir que haja cidadão brasileiro de primeira, segunda e terceira classe”, disse em outra ocasião, durante audiência no Senado sobre o tema.
Segundo ela, o projeto representa um “instrumento de mediação” e não atende totalmente nem os interesses dos empreendedores nem os dos ambientalistas.
Alguns pontos da proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental:
- Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um modalidade de autolicenciamento para empreendimentos ou atividade qualificada, simultaneamente, como de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor.
- Dispensa de Licença de Operação (LO) para empreendimentos lineares, como linhas de transmissão, gasodutos e minerodutos, permitindo operação logo após a fase de instalação.
- Licenciamento ambiental desvinculado da certidão de uso do solo e de outorgas, como do uso de água.
- Prazos estabelecidos para órgãos como Funai e ICMBio se manifestarem, com pareceres não vinculantes ao resultado do licenciamento.
- Limitação de condicionantes à prevenção, mitigação e compensação de impactos ambientais, e à magnitude dos impactos.
Transparência e previsibilidade no licenciamento ambiental
Para a diretora socioambiental da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) e coordenadora do grupo de trabalho de licenciamento ambiental do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (FMASE), Julia Sagaz, o projeto corrige um descompasso entre as legislações estaduais, que teriam evoluído, e as normas federais, que ainda seguem resoluções do Conama de 1986 e 1997.
“Não é uma lei que vem para flexibilizar ou uma licença para poluir. A lei não tem nada de novo, são diretrizes que inclusive já existem nos estados”, afirmou Sagaz, em entrevista à agência eixos.
Segundo ela, o texto “traz segurança jurídica para quem precisa de uma licença” e garante que “a lei não acaba com o EIA-RIMA de modo algum”. EIA/RIMA é uma sigla para Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, respectivamente.
Sagaz apontou que, atualmente, muitos projetos ficam paralisados pela ausência de manifestação de autoridades envolvidas, cujas equipes, em alguns casos, estariam sucateadas.
Ela ressaltou ainda que a lei permite o uso de dados secundários de empreendimentos semelhantes já licenciados na mesma região, “incluindo o apontamento de estudos necessários nos termos de referência”.
“Os termos de referência demoram meses para serem publicados e, muitas vezes, são iguais aos últimos termos de referência autorizados para empreendimentos semelhantes. Então essa lei desburocratiza”, afirmou Sagaz.
Outra mudança defendida é que a LI contenha algumas condicionantes da LO, para o caso das linhas de transmissão. A advogada da FMASE explica que a maioria dos impactos deste tipo de projeto ocorre na fase de instalação e, pela nova regra, seria possível dar início à operação, enquanto o órgão ambiental realiza a fiscalização do empreendimento.
Sobre a limitação das condicionantes, prevista na nova lei, Sagaz destacou que elas devem ter relação direta com o empreendimento. Como exemplo de medida desconexa, ela citou uma exigência imposta à hidrelétrica de Belo Monte: “Foi exigido a construção de um estádio de futebol, e nem existe um time por lá.”
Com as alterações, o setor aguarda maior agilidade na obtenção de licenças, e defende que isso não significará sem abrir mão do controle ambiental exercido pelos órgãos competentes.