LYON (FR) — As autorizações para importação de gás natural da Argentina dispararam desde 2024. Foram 15 novas autorizações publicadas no período, de um total de 17 vigentes, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Ao todo, 15 empresas pediram à agência o aval para importar desde volumes pequenos, de menos de 1 milhão de m³/dia, até 20 milhões de m³/dia, caso de um pedido da TotalEnergies, de 2024.
O pedido de autorização à agência é, em parte, uma formalidade: as empresas indicam a origem, volumes máximos e destinação para o gás natural — pode ser ‘todo o mercado brasileiro’, por exemplo.
Funciona, portanto, como um indicativo, ainda que inicial, do interesse do mercado pela atividade. No caso das importações de gás natural da Argentina, a integração começou a sair do papel este ano, com as primeiras operações de teste.
Primeiras importações de gás natural da Argentina
Com o aumento da produção de gás não convencional da formação de Vaca Muerta, na Patagônia, a ideia de integração Brasil-Argentina por gasoduto voltou a ser discutida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o então presidente argentino, Alberto Fernández, em 2023.
Fernández já havia tentado, em 2020, uma aproximação com o então presidente Jair Bolsonaro, mesmo com o isolamento diplomático entre os vizinhos.
Em novembro de 2024, já no governo de Javier Milei, Lula assinou um acordo de importação do gás natural da região de Vaca Muerta. O memorando de entendimento inclui a formação de grupo de trabalho para avaliar cinco rotas para a ampliação da entrada do gás argentino no Brasil. Segundo o governo, os volumes podem chegar a 30 milhões de m³/dia até 2030.
A integração é ainda mais importante para o país devido ao declínio dos volumes das reservas bolivianas nos últimos anos. Enquanto a Argentina pode chegar à autossuficiência nos próximos anos, o Brasil ainda tem na Bolívia uma importante fonte de suprimento.
- A primeira permissão da série foi concedida em março de 2023 à Delta Comercializadora de Gás, seguida, no mesmo ano, por Tradener (dezembro);
- A partir de 2024, acelerou: Edge (Cosan), Gás Bridge, Pan American Energy, MTX (Matrix Energy), MGás (comprada pela J&F), YPFB (estatal da Bolívia), Shell , TotalEnergies e Jupiter Gás Natural (Mercúrio Partners) pediram o aval da agência;
- Em 2025, o banco BTG Pactual foi autorizado em janeiro, seguido por J&F, MSGás (distribuidora do Mato Grosso do Sul) e Eneva, que recebeu o aval nesta quinta (8/5).
Ao menos cinco comercializadoras já despacharam o energético para o Brasil, atestando a viabilidade da rota pela Bolívia, país conectado ao vizinhos por gasodutos.
- Em abril, a MTX Comercializadora de Gás Natural, subsidiária da Matrix Energy, anunciou a realização da primeira importação de gás natural argentino para o mercado brasileiro, através do Gasbol. A TotalEnergies foi a fornecedora da operação e a YPFB fez o trânsito internacional.
- A Edge, comercializadora do grupo Compass, trouxe carga da Tecpetrol, oriunda da Bacia Noroeste.
- A MGás, joint venture entre o grupo J&F e a Inner Grow, pretende usar o gás nas termelétricas do grupo e importar. A empresa tem acordos com Tecpetrol, TotalEnergies e Oilstone Energía, mas não informou a origem da molécula.
- A Gas Bridge, comercializadora da Pluspetrol no Brasil, importou gás das reservas de Vaca Muerta, na Patagônia.
- A Tradener importou 110 mil m3, também oriundo de Vaca Muerta e fornecido pela Pampa Energía. O objetivo era testar a viabilidade operacional do corredor Argentina–Bolívia–Brasil.
O gás pode ser entregue por gasodutos em Corumbá (MS), Cáceres (MT) e Uruguaiana (RS), sendo a Bolívia a rota de integração entre Argentina e Brasil.
- Corumbá é onde passa o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), da TBG, e a única porta de entrada para gás para todo o país.
- Cáceres é abastecida pelo Lateral Cuiabá, da GasOcidente. O ramal atende o estado do Mato Grosso isoladamente. Três autorizações são somente para essa rota e visam o abastecimento de usinas termelétricas.
- Uruguaiana tem a conexão da TSB (Sulbrasileira de Gás), a única diretamente à Argentina, mas distribui apenas na fronteira. Nenhuma empresa distribui somente nesse gasoduto.
Por que importar gás da Argentina?
Além de atestar a viabilidade operacional da rota boliviana, as operações servem para provocar o debate sobre a agenda da competitividade do gás argentino. Os primeiros testes, contudo, não refletem o nível de preço desejado, como mostrou a gas week.
A discussão passa por questões regulatórias na Argentina, como a revisão do preço mínimo de exportação e da taxa de exportação (que acrescenta cerca de US$ 0,5 o milhão de BTU ao custo do gás argentino).
Além de uma dos custos do transporte de gás nos três países envolvidos, que superam o custo da molécula em si. O preço final depende muito da origem e do percurso do gás dentro da Argentina.
A Rystad Energy estima que, pela estrutura de custos da cadeia, o gás argentino chegou no Brasil entre US$ 7,9 e US$ 10 o milhão de BTU – provavelmente em torno de US$ 9,2 o milhão de BTU.
O valor cobrado das distribuidoras pela Petrobras pode variar de cerca de US$ 8,5 a US$ 10 o milhão de BTU, a depender do tipo de contrato, segundo dados do Ministério de Minas e Energia do início do ano.
A Rystad estima que o custo do transporte na Argentina pode, portanto, variar de US$ 1,5 a US$ 3 o milhão de BTU. E há incertezas, hoje, sobre para onde vão essas tarifas – algo que o Brasil também vivencia, em certa medida, na revisão tarifária das transportadoras locais.
A consultoria calcula que o custo da molécula na Argentina, por sua vez, é da ordem de US$ 4,5 o milhão de BTU, devido ao piso definido pelo governo local, mas que há espaço para redução desse valor em caso de flexibilização do preço mínimo, já que alguns agentes podem ter interesse em reduzir suas margens para se manterem competitivos no mercado brasileiro.