Hidrogênio em foco

O que esperar do decreto para marco legal do hidrogênio?

Decreto deve trazer clareza a definições como o ciclo de vida para contabilidade de emissões de carbono

Dário Durigan, governador Eumano de Freitas, Lula e Alexandre Silveira durante sanção de marco do hidrogênio, no Porto do Pecém no Ceará, em 2/8/2024 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Dário Durigan, governador Eumano de Freitas, Lula e Alexandre Silveira durante sanção de marco do hidrogênio, em agosto de 2024, no Porto do Pecém no Ceará (Foto Ricardo Stuckert/PR)

RIO — Na última semana, o governo deu alguns indicativos do conteúdo da minuta do decreto que regulamentará as leis do hidrogênio no Brasil (Leis nº 14.948 e 14.990), elaboradas com base em discussões promovidas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e Fazenda, em conjunto com diversos setores da sociedade. 

A tendência é que o decreto traga clareza em algumas definições consideradas importantes, como o ciclo de vida para contabilidade de emissões de carbono, mas mantenha a flexibilidade na regulamentação

Por um lado, garantindo a neutralidade tecnológica, no mesmo espírito das leis aprovadas, e ao mesmo tempo evitando o excesso de especificações que poderiam ser precipitadas para uma indústria ainda em desenvolvimento, a exemplo do modelo de leilões para acesso aos incentivos, que ficará de fora do decreto.

A expectativa é que o decreto de ambas as leis seja publicado em um único ato no Diário Oficial, consolidando as diretrizes discutidas e abrindo caminho para materialização dos investimentos na cadeia do hidrogênio de baixa emissão de carbono.

Tanto a Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2) — que defende todas as rotas de produção de hidrogênio, incluindo fósseis — quanto a Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (Abihv) — como o nome diz, que representa produtores de hidrogênio exclusivamente via eletrólise — avaliaram positivamente o que poderá constar na minuta do decreto.

“Foi dada a impressão de que se evitou a hiper especificação em um instrumento rígido, garantindo uma abordagem adaptável às mudanças nos condicionantes internacionais. A orientação para que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) conduza a regulação e os regulamentos traz flexibilidade para lidar com aspectos ainda em discussão globalmente, garantindo cautela para que tais discussões não limitem oportunidades estratégicas para o Brasil”, disse Gabriel Lassery, superintendente da ABH2, à agência eixos.

Apresentação de conceitos

Entre os principais aspectos que estarão no decreto de regulamentação do Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono e dos programas de incentivos Rehidro (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura de Hidrogênio) e PHBC (Programa Nacional de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono), está a definição de conceitos. 

Um deles é a definição do hidrogênio natural, incluído pela primeira vez na legislação brasileira. 

Essa categorização será essencial para definir o modelo de exploração e produção pela ANP. Se outorga, autorização ou concessão. 

Discussão segue em debate entre a ANP, o MME e a Casa Civil, mas a definição deve constar na publicação do decreto, uma vez que, segundo o governo, já existem  agentes no mercado interessados na atividade e que precisam dessa sinalização.  

Além disso, a proposta do decreto avança na conceituação dos critérios para avaliação da pegada de carbono e do ciclo de vida do hidrogênio, estabelecendo diretrizes para contabilizar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) ao longo de toda a cadeia produtiva.

Segundo o rascunho da minuta, inicialmente, até 2030, essa contabilidade será restrita ao “portão de produção”, simplificando o processo de certificação e promovendo maior previsibilidade para os agentes do setor.

Posteriormente, espera-se a inclusão das emissões durante a fase de investimentos na planta de produção, até o transporte e a conversão do hidrogênio para uso final, o “portão de consumo”.  

As definições de “portão de consumo” e “portão de produção” também estarão no decreto. Assim como o que será entendido como produto final, como no caso da amônia, que pode ser às vezes um carreador do hidrogênio e em outros casos um produto pronto para consumo. 

Leilões e incentivos fiscais

A minuta também deverá trazer algumas definições sobre a concessão de incentivos fiscais e mecanismos do processo concorrencial para acesso a esses incentivos. 

Um dos destaques, é a garantia do Ministério da Fazenda que a prioridade será dada a projetos que olhem para o uso doméstico do hidrogênio de baixo carbono, impulsionando a descarbonização de setores industriais estratégicos, como fertilizantes, siderurgia, indústrias químicas e transportes pesados, segmentos nos quais a eletrificação direta se apresenta como um desafio.

No entanto, os projetos voltados à exportação não serão excluídos e também poderão se beneficiar de incentivos, um ponto que gerou grande debate dentro do setor produtivo. 

Para atender às diferentes demandas, o governo propõe a realização de leilões separados, segmentando projetos destinados ao mercado interno e à exportação. Os critérios e requisitos para habilitação nesses certames serão definidos no decreto. 

Já os modelos dos leilões ficarão de fora, sendo estabelecidos posteriormente, por meio de editais, permitindo flexibilidade e adaptação às dinâmicas do mercado. 

Uma das exigências para participação nos leilões será que os proponentes apresentem garantias financeiras, correspondentes a 1% do valor do benefício na fase de habilitação e 5% para os vencedores, garantindo o compromisso na materialização das plantas. 

ZPE e benefícios

O decerto também deve reiterar a possibilidade de projetos instalados em Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), que já contam isenções tributárias por estarem na ZPE, acessarem incentivos do PHBC e benefícios do Rehidro. 

Segundo a Abihv, há poucas semanas, a Fazenda chegou a manifestar a intenção em direcionar os créditos fiscais do PHBC exclusivamente para plantas de produção destinadas ao consumo doméstico, excluindo os projetos predominantemente exportadores, sob o entendimento de que os incentivos previstos no regime de ZPE já seriam suficientes para estruturar estes projetos.

“Havia uma preocupação nossa que houvesse um descasamento entre ZPE e PHBC, e que o mercado exportador não fosse contemplado. Mas a Fazenda foi bastante clara que há um espaço de incentivo para o mercado exportador. Principalmente aos projetos do Nordeste, que serão projetos que darão escala e competitividade, até mesmo para desenvolver o mercado doméstico”, disse Fernanda Delgado, presidente da Abihv, à agência eixos.

Governança do sistema de certificação

No que diz respeito à certificação, a minuta deve atribuir ao Comitê Gestor do PNH2, o papel de autoridade sobre o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2). 

A ANP será responsável por regular e fiscalizar o processo de certificação, que poderá ser emitida por terceiros, enquanto o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) terá o papel de acreditador. 

Já a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) será encarregada da gestão dos registros, assegurando que todas as operações sejam devidamente documentadas e verificáveis. 

Além disso, certificações emitidas por outros países poderão ser reconhecidas e registradas no sistema brasileiro, permitindo maior alinhamento com padrões internacionais e facilitando a comercialização do hidrogênio nacional no exterior.

Competências das agências

Outro aspecto abordado na minuta é a definição das competências das agências reguladoras. A ANP, como definido na lei, será a responsável pela emissão de autorizações para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. 

O decreto também deve trazer casos de dispensa da exigência de autorização, que podem incluir projetos destinados à pesquisa e desenvolvimento (P&D) e para uso industrial.

Além disso, o decreto buscará garantir maior articulação entre diferentes órgãos reguladores além da ANP, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)  e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). 

E trazer, inclusive, a possibilidade de emissão de regulamentos conjuntos para tratar de temas que exijam coordenação entre setores distintos, como transporte de combustível e segurança. 

Em relação ao licenciamento ambiental dos projetos de hidrogênio, o decreto abre a possibilidade de que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleça critérios para o licenciamento de projetos do energético, por se tratar de um licenciamento fora da jurisdição federal. 

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