Mesmo com histórico de falhas, fiscalização ignorou subestação no Amapá por falta de blecaute no passado

Mesmo com histórico de falhas, fiscalização ignorou subestação no Amapá por falta de blecaute no passado

A subestação Macapá, que pegou fogo e causou o apagão no Amapá há dez dias, não recebeu inspeções presenciais por não ter demonstrado grandes quedas de energia no passado, justificou a Aneel à epbr

Segundo a agência reguladora responsável pela fiscalização do setor elétrico, as instalações tiveram pouca quantidade de desligamento nos últimos anos e, por isso, não se qualificou para a fiscalização in loco

“A SE Macapá, não foi selecionada para ter plano de resultados até este ano [2020] em função da pouca quantidade de desligamentos no passado. Apenas em 2020, houve desligamentos com corte de carga, em uma instalação que opera desde 2015”, informou a Aneel.

No plano de resultados, são exigidas ações e metas operacionais das concessionárias fiscalizadas, explicou a agência.

Entretanto, era de conhecimento da Aneel que um dos transformadores da subestação estava desativado desde dezembro de 2019, conforme informou o próprio Ministério de Minas e Energia durante a semana.

O Operador Nacional do Sistema (ONS) confirmou que a indisponibilidade do equipamento foi comunicada pela empresa e que repassou mensalmente as informações para a Aneel. 

“Sempre que há a indisponibilidade de equipamentos no Sistema Interligado Nacional (SIN), o agente responsável precisa informar ao ONS que, por sua vez, reporta a informação à Aneel por meio de relatório mensal, chamado Relatório de Triagem”, disse em nota.

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O ONS, responsável por fazer o acompanhamento em tempo real do sistema brasileiro de energia, pontuou que o tempo para manutenção de um transformador “varia muito conforme o problema apresentado”, mas não deu detalhes se havia um prazo para que a manutenção fosse finalizada.

A Isolux apresenta um histórico recente de problemas na operação dos sistemas de transmissão na região Norte do país. Apenas em 2019, foi multada em mais de R$ 640 mil pela Aneel por falhas na operação e manutenção em duas concessões: a LMTE (Linhas Macapá Transmissora de Energia) – a mesma da subestação Macapá – e a LXTE (Linhas Xingu Transmissora de Energia).

Desde 2015, a Aneel registra nove ocorrências de desligamentos nas quatro subestações da LMTE, já incluindo os dois transformadores danificados na semana passada, e 21 desligamentos com corte de carga nas seis linhas de transmissão da empresa.

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Em dificuldades financeiras, a concessionária original, Isolux Energia e Participações, foi comprada pelos fundos Apollo 14 FIP-IE e Power FIP IE. O controlador é a Starboard Asset Ltda (80%) com a Perfin Asset Management (20%). Nesta restruturação, a operação das concessionárias foi assumida pela Gemini Energy em janeiro deste ano.

Durante uma tempestade na terça (3) passada, um segundo transformador na subestação pegou fogo e o terceiro, por sobrecarga, parou de funcionar. Com a falta de um equipamento de reserva para substituição, 14 das 16 cidades do Amapá ficaram no escuro durante quatro dias. No sábado (7) a rede elétrica começou a ser retomada aos poucos e chega hoje a 80% da carga, mas ainda em situação de rodízio.

Uma perícia preliminar da Polícia Civil do Amapá apontou que a explosão e o incêndio subsequente não foi provocado pela queda de raios, mas por uma possível falha em uma bucha de um dos transformadores.

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Inspeções presenciais são feitas apenas em empreendimentos que demonstrem falhas

O protocolo de fiscalização anual de transmissão da Aneel coloca como primeiro passo o monitoramento de indicadores de desempenho das concessionárias e dos equipamentos integrados ao Sistema Interligado Nacional do sistema elétrico. A avaliação é feita por “inteligência analítica” para identificar indícios de comportamentos que poderiam colocar em risco o setor e à sociedade.

Somente as situações que tenham desempenho ruim são alvo da próxima etapa de análise, já com inspeções locais, para acordar junto às empresas um ‘Plano de Resultados’ – um documento com metas e ações em que as concessionárias devem realizar para regularizar a situação. De acordo com a agência, a subestação de Macapá atingida pelo incêndio na última semana não foi selecionada para esta etapa.

A Aneel destacou que diante do caso grave do blecaute que atingiu o Amapá, foi aberta fiscalização específica para apurar o incidente e, se for constatada falha de planejamento, operação ou manutenção, a penalidade pode chegar a multa de 2% do faturamento anual da empresa.

O ministro Bento Albuquerque tem dito à imprensa que não descarta a possibilidade de que a concessionária perca o contrato, caso seja avaliado que a empresa teve responsabilidade no acidente. Nestes casos, a instrução pela cassação é feita primeiramente pela Aneel, mas a decisão final é do Ministério de Minas e Energia.

A cassação da concessão pode ser feita pelo poder concedente por motivo de interesse público. Em 2017, o governo declarou caducidade por atraso de obras de nove linhas de transmissão da Abengoa, empresa espanhola que se encontrava em recuperação judicial no Brasil desde 2016.

Um dos principais projetos era a linha de transmissão pré-Belo Monte, que escoaria energia da usina para a região Nordeste e que tinha como parceira a Isolux – empresa inicialmente concessionária responsável pela subestação de Macapá.

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Aneel aplicou R$ 600 mil em multas por outros problemas

Fiscais da Aneel em inspecionaram em 2019 as instalações da Gemini Energy e constaram falhas tanto na operação das linhas de transmissão como na subestação de Oriximinám, no Pará. As concessionárias LMTE e LXTE operam dois dos três eixos vitais de interligação dos estados do Amapá, Amazonas e Pará  ao SIN, parte do projeto conhecido como o Linhão de Tucuruí.

A LXTE é responsável por linhas e subestações que escoam energia da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu (PA), e conecta as concessões da LMTE, que leva energia para o Amapá, e da MTE (Manaus Transmissões de Energia), controlada pela Eletrobras e que faz a interligação do sistema à capital do Amazonas.

Em 2018, ainda sob responsabilidade da Isolux, a LMTE foi responsável por um blecaute no Pará por erros na operação e falhas de manutenção da subestação Oriximiná, que gerou uma multa da Aneel de R$ 460 mil, já quitada pela empresa. Fiscais da agência estiveram no local em fevereiro de 2019 e, sete meses depois, constaram que os problemas persistiam, lavrando um auto de infração.

Em outro processo, também no ano passado, a Aneel identificou que problemas nas linhas do Xingu, da LXTE, que gerou uma propagação de falhas a partir de um problema em Belo Monte, causando blecautes em Manaus e Macapá, em 2018. Neste caso, a empresa foi multada em R$ 161 mil.

Esquema simplificado das concessões de transmissão que interligam os estados do Amapá, Amazonas e Pará
Esquema simplificado das concessões de transmissão que interligam os estados do Amapá, Amazonas e Pará. Os contratos da LXTE e da LMTE foram assumidos pela Gemini Energy em 2019. MTE é uma operação da Eletrobras

No total, a empresa desembolsou mais de R$ 640 mil para arcar com as penalidades impostas pela Aneel e os casos foram arquivados.

Em nota, a Gemini Energy afirmou que assumiu o controle da concessionária em janeiro deste ano e que, desde então, tem concentrado esforços em reforçar a operação de seus ativos.

“A empresa teve seus processos revisados e aprimorados com a participação de prestadores de serviço de primeira linha”, disse.

Auto de Infração da Aneel contra a LMTE -- empresa descumpriu determinações da agência para manutenção de subestação no Pará
Trecho de auto de Infração da Aneel contra a LMTE em 2019 — empresa descumpriu determinações da agência para manutenção de subestação no Pará

Linha do tempo

  • Terça (3), às 20h47: desligamento automático da SE Macapá 230/69 kV (LMTE) e das UHEs Coaracy Nunes (Eletronorte, 37 MW), Ferreira Gomes (Ferreira Gomes Energia, 27 MW) e Cachoeira Caldeirão (Cachoeira Caldeirão, 30MW). Explosão e incêndio em um dos transformadores da SE, o TR-1 230/69 kV. O TR-2 já estava indisponível para manutenção corretiva, sem previsão de retorno;
  • Quarta (4): Restabelecimento parcial da cargas a partir da Coaracy Nunes, incialmente com entrega de 13 MW de carga. Bento Albuquerque embarca para o Amapá em comitiva do , com Aneel e ONS. Gabinete de crise é formado. Cerca de 85% da população do estado sofre com a falta de energia.
  • Quinta (5): é possível restabelecer a carga para 40 MW. Força-tarefa com Eletronorte, FAB e agentes do governo iniciam plano para levar equipamentos para reparo de um dos transformadores, além de geradores para atendimento emergencial. Equipamentos precisam ser transportados de outros estados. Prefeito de Macapá, Clécio Luís (sem partido) decreta estado de calamidade.
  • Sexta (6): ao menos 14 dos 16 municípios do Amapá ainda são afetados pela falta de energia há mais de 60 horas. MME espera concluir reparos no transformar para elevar a carga para 70%.
  • Sábado (7), pela manhã: Macapá é interligada ao SIN e começa a receber cargas de energia. O início do fornecimento de energia na cidade é gradativo.
  • Domingo (8), pela manhã: o ministro Bento Albuquerque faz uma visita técnica à subestação de Laranjal do Jari, da empresa Linhas Macapá de Transporte e Energia (LMTE). 65% da energia do estado está restabelecida.
  • Quarta (11): UHE Coaracy Nunes entra em operação, adicionando 25 MW na carga disponível para o Amapá. O atendimento chega a 80%. TSE adia eleições no Amapá.
  • Sexta (13): FAB inicia embarque de transformador para Macapá. Trabalhos começam no fim de semana e situação deve ser regularizada em dez dias com, energização do novo equipamento

Os agentes envolvidos

  • A estatal Eletrobras, por meio da Eletronorte, auxilia nas medidas emergenciais, como a contratação de geradores. É uma das fornecedoras da energia que passa pela SE Macapá, danificada;
  • A CEA é a distribuidora estadual de energia elétrica. Ela recebe a energia transformada da subestação e distribui nas cidades. Estatal, é controlada pelo governo do estado;
  • A Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) é a concessionária de transmissão responsável por linhas e pela operação da SE Macapá. Originalmente, a empresa esteve sob controle do grupo espanhol Isolux. Atualmente, é uma operação da Gemini Energy, uma empresa com sede no Rio de Janeiro, controlada pelo fundo Starboard Partners, que investe em energia e infraestrutura;

Na íntegra, a manifestação da Aneel

A Aneel realiza periodicamente fiscalizações nas geradoras, distribuidoras e transmissoras em todo o Brasil. Na Transmissão, a ANEEL fiscaliza, por meio de monitoramento de indicadores, 1.418 linhas de transmissão e 409 subestações da Rede Básica.

A fiscalização da transmissão tem por base o monitoramento contínuo de indicadores de desempenho das transmissoras, estabelecidos nos Procedimentos de Rede, e do desempenho dos equipamentos e linhas de transmissão do Sistema Interligado Nacional – SIN.

Essa atividade segue um cronograma anual e, na modalidade técnica-comercial, avalia a manutenção dos equipamentos, a operação e o atendimento aos clientes.

Nesse contexto, a Fiscalização dos Serviços de Eletricidade é composta pela execução de 3 etapas: Monitoramento, Análise e Ação Fiscalizadora.

  • i) Monitoramento – utiliza-se de inteligência analítica para identificar indícios de prestação inadequada dos serviços concedidos, bem como do
    comportamento dos Agentes que impõe maior risco ao setor elétrico e à sociedade.
  • ii) Análise (inspeções in loco) – ANEEL atua junto aos Agentes para que haja a regularização da prestação de modo célere e de baixo custo administrativo, por meio da pactuação de Plano de Resultados, em que são exigidas ações e o atingimento de metas.
  • iii) Ação Fiscalizadora (inspeções in loco) – Pode culminar com a aplicação de sanções administrativas, tais como multas e caducidade.

A SE Macapá, não foi selecionada para ter Plano de Resultados até este ano em função da pouca quantidade de desligamentos no passado.. Apenas em 2020 houve desligamentos com corte de carga, em uma instalação que opera desde 2015.

Porém, diante do caso grave como o do blecaute do dia 3 de novembro no Amapá, em que as consequências perduram até hoje, é aberta fiscalização específica para apurar os incidentes.

Durante a apuração, a empresa é notificada para fazer os esclarecimentos necessários, respeitando-se o princípio do contraditório e da ampla defesa.
Se for constatada falha de planejamento, de operação ou de manutenção, as penalidades vão de advertência à multa de até 2% do faturamento anual da empresa, conforme estabelecido pelo inciso 10 da Lei 9.427/1996, regulamentada pela Resolução nº 846/2019 da Aneel.

A penalidade não encerra a obrigação do agente de efetuar as correções necessárias para sanar o problema. A empresa pode recorrer da penalidade à diretoria da Aneel – que avaliará o recurso em reunião pública. A decisão da diretoria é a última instância na esfera administrativa.

Ações da ANEEL na fiscalização da prestação do serviço na LMTE

De 2014 para cá, portanto em 6 anos de existência, a ANEEL já realizou na LMTE:

  • Monitoramento mensal dos desligamentos de todas as instalações do contrato
  • Celebração de 2 Planos de Resultados (SE Oriximiná)
  • 02 ações fiscalizadoras in loco
  • Um Auto de Infração de R$ 460.000,00 (SE Oriximiná)

Regulação Econômica

  • A ANEEL possui norma que trata da qualidade do serviço relacionado à disponibilidade das instalações
  • A receita da concessionária é reduzida quando há indisponibilidade de instalações
  • Incentivo regulatório para aumentar a disponibilidade das instalações
  • Há limites de desconto por Função Transmissão (25%)
  • Se após o limite a instalação permanecer 30 dias indisponível, a receita mensal será suspensa.

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