O novo marco regulatório do saneamento básico, introduzido por meio da Lei nº 14.026/2020, traz algumas relevantes inovações: prevê a obrigatoriedade de os contratos preverem metas de desempenho e de universalização dos serviços; adota como princípio a regionalização dos serviços de saneamento; promove mudanças substanciais na sua regulação; e estimula a concorrência e a privatização das empresas estatais de saneamento, entre outras.
A nova Lei busca atrair investimentos privados e permitir o aumento gradual da desestatização do setor. Impõe aos titulares dos serviços a necessidade de celebração de contrato de concessão, mediante licitação, para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular (novo art. 10 da Lei nº 11.445/2007). É uma mudança de paradigma: a lei prevê agora a obrigatoriedade de concorrência para a seleção da proposta mais vantajosa para a prestação dos serviços de saneamento básico, obrigando as empresas estatais do setor a competir em igualdade de condições com as empresas privadas por esses contratos.
A nova Lei ampliou substancialmente a competência da Agência Nacional de Águas (‘ANA’). Agora, além da água, passa a regular o saneamento básico como um todo. Interessante observar que a regulação da ANA se limita à edição normas de referência (arts. 1º e 3º da Lei nº 9.984/2000 e art. 25-A da Lei nº 11.445/2007). Com efeito, o art. 4-A, § 1º, da Lei nº 9.984/2000 dispõe que compete à ANA estabelecer normas de referência sobre diversas questões, como padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico, regulação tarifária dos serviços, metas de universalização dos serviços, entre outras.
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A ideia do legislador é gerar um ambiente de segurança jurídica e regulatória, com regras claras e uniformes em todo o país, a fim de que possa atrair investimentos para o setor e contribuir com a universalização dos serviços públicos. O art. 4º-A, § 7º, da Lei nº 9.9984/2000 estabelece que “a ANA zelará pela uniformidade regulatória do setor de saneamento básico e pela segurança jurídica na prestação e na regulação dos serviços”. E o art. 48, III, da Lei nº 11.445/2007 prevê como diretrizes da política de saneamento básico da União, a “uniformização da regulação do setor e divulgação de melhores práticas”.
Contudo, as normas de referência devem se ater ao estabelecimento de diretrizes nacionais que possam ser uniformemente aplicadas em todo o território nacional. Não podem descer a minúcias nem adentrar especificidades locais. Portanto, Estados e Municípios podem e devem regular a prestação dos serviços de saneamento; contudo, devem observar as normas de referência da ANA.
A regionalização dos serviços de saneamento básico foi reconhecida pelo legislador como princípio fundamental (art. 2º, XIV, Lei 11.445/2007). É importantíssima para a universalização dos serviços, na medida em que confere ganhos de escala e viabilidade técnica e econômico-financeira para atender a diversos municípios ao mesmo tempo. É o modelo em que uma prestadora/concessionária presta serviços de saneamento a um agrupamento de municípios não necessariamente limítrofes, e nem todos necessariamente lucrativos.
Existem quatro formas de prestação regionalizada (art. 3º, II e VI, da Lei 11.445/2007): (i) por meio da região metropolitana, aglomerações urbanas ou microrregiões de municípios limítrofes, de acordo com lei complementar estadual; (ii) por intermédio da unidade regional de saneamento básico, constituída pelo agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, que pode ser instituída pelos Estados mediante lei ordinária; (iii) por meio do bloco de referência, constituído por Municípios não necessariamente limítrofes, que pode ser instituída pela União Federal de forma subsidiária aos Estados mediante acordo voluntário entre os integrantes; e, finalmente, (iv) por gestão associada entre os entes federativos por meio de consórcio público ou convênio de cooperação.
A nova lei encampa a chamada regulação por performance ou baseada em desempenho a qual, em vez de prescrever exatamente quais as condutas dos regulados, o regulador limita-se a estabelecer metas de desempenho, com base em parâmetros mensuráveis, objetivos e bem definidos (art. 10-A da Lei 11.445/2007). Dada a sua flexibilidade quantos aos meios utilizados, fomenta a inovação tecnológica, a adoção das melhores tecnologias disponíveis e reduz o custo regulatório para todas as partes envolvidas.
Dentre as metas de desempenho estão as ambiciosas metas de universalização, que devem garantir “o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento” (art. 11-B, da Lei 11.445/2007). Contudo, existe possibilidade de dilação do prazo para o cumprimento das metas de universalização até, no máximo, 1º de janeiro de 2040, desde que haja anuência prévia da agência reguladora (art. 11-B, § 9º).
O art. 44, da Lei nº 11.445/2007, disciplina aspectos do licenciamento ambiental, prescrevendo que para o tratamento de esgotos sanitários, de água e das instalações integrantes dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos serão considerados requisitos “de eficácia e eficiência, a fim de alcançar progressivamente os padrões estabelecidos pela legislação ambiental”. Adota, também aqui, a ideia da regulação por performance, uma vez que o dispositivo fala em alcançar os padrões ambientais.
A nova Lei traz alguns avanços, tais como incentivos à concorrência, melhoria do ambiente regulatório, ênfase na prestação regionalizada, previsão de metas de desempenho e de ambiciosas metas de universalização. Resta saber se essas inovações vão produzir os esperados benefícios para o setor e para a universalização do saneamento básico a todas as famílias brasileiras.
Rafael Daudt D’Oliveira é doutorando em Direito Público e Mestre em Direito Ambiental e Urbanístico pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor de Direito Ambiental da PUC-Rio. Professor de Direito Ambiental e coordenador do módulo de Direito Ambiental da Pós-graduação da ESAP – Escola Superior da Advocacia Pública. Ex-conselheiro do CONAMA e do CONEMA-RJ. Ex-Procurador-chefe do Instituto Estadual do Ambiente-RJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Procurador Adido ao Gabinete do Procurador-Geral do Estado para assuntos de Patrimônio e Meio Ambiente. Sócio do escritório Daudt Advogados. Autor do livro “A Simplificação no Direito Administrativo e Ambiental”.
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