Às vésperas das eleições presidenciais da Bolívia, que acontecem neste domingo (18/10), a mineração do lítio vem ganhando destaque na agenda de campanhas dos dois principais candidatos, enquanto o gás natural perde seu protagonismo nas discussões públicas sobre a política energética do país.
Enquanto isso, a redução de reservas de gás natural e, segundo analistas, a falta de estratégias de longo prazo para a indústria, ameaçam a posição do país como um supridor confiável do energético.
Estima-se que a Bolívia possua cerca de 40% da reserva mundial de lítio, localizada principalmente no deserto de sal Salar de Uyuni. Conhecido como “ouro branco”, o lítio é um mineral extremamente estratégico para a transição energética, uma vez que é utilizado na fabricação de baterias para veículos elétricos e painéis para geração de energia solar fotovoltaica.
O ex-presidente Evo Morales chegou a denunciar que sofreu um golpe de estado devido a interesses econômicos estrangeiros sobre o lítio boliviano, após forças militares provocarem sua renúncia, em novembro de 2019, depois que Evo forçou uma tentativa de reeleição.
“Nenhum dos candidatos fala de uma plataforma de gás. O que está em debate é o lítio”, afirmou o analista boliviano de assuntos internacionais, Andrés Guzmán, à agência epbr.
De acordo com as últimas pesquisas, Luis Arce, ex-ministro da economia de Evo Morales e candidato do Movimiento al Socialismo (MAS), aparece em primeiro lugar nas pesquisas com 42% das intenções de voto, enquanto o ex-presidente da Bolívia (2003-2005), Carlos Mesa, do Comunidad Ciudadana (CC), vem em segundo com 33%.
Pelas regras atuais, vence em primeiro turno o candidato que tiver mais de 50% dos votos ou mais de 40% com 10% de diferença em relação ao segundo colocado
Dois candidatos da direita, a atual presidente interina Jeanine Añez e o ex-presidente (2001-2002) Tuto Quiroga, desistiram de suas candidaturas durante a campanha. Segundo analistas, parte destes votos migrarão para Mesa, levando a um segundo turno. Neste caso, pesquisas apontam um empate de Carlos Mesa com 41% dos votos, contra 39% do candidato de Evo Morales.
- Cobrimos por aqui: Comunidades resistem ao boom do lítio na América Latina
Energias limpas são bandeiras de campanha
“Temos que abandonar a energia tradicional de hidrocarbonetos e estabelecer a energia limpa”, disse Mesa durante um debate na televisão. O candidato do Comunidad Ciudadana espera que 50% da energia do país seja renovável até 2030.
Em seu programa de governo (.pdf, em espanhol), o candidato centrista propõe que o lítio seja a principal fonte da transição e que a inciativa privada deve participar na estratégia de industrialização do mineral.
“O lítio será a última fronteira extrativista e a primeira fronteira verde da história econômica boliviana. Convocaremos um grande pacto nacional sobre o lítio (…) ele será projetado em conjunto (governo central, regional e local, empresas, setor privado e população)”.
No ano passado, Evo Morales, firmou uma parceria da estatal criada por ele em 2017, a Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), com a empresa privada alemã ACI Systems na exploração do mineral, porém, em meio a protestos da população de Uyuni, cancelou o acordo pouco antes da sua renúncia.
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O mesmo ocorreu no mercado de gás. Antes de sua queda – e para alimentar boas perspectivas econômicas diante das eleições – Evo Morales e as estatais bolivianas vinham costurando acordos bilaterais com o Brasil e outros países na região. Chegou a firmar um acordo com Vladimir Putin e a empresa russa que pretendia comprar a fábrica de fertilizantes da Petrobras no Mato Grosso do Sul. Os negócios foram encerrados após a queda de Evo.
O candidato do partido de Evo Morales, Luís Arce, defende a criação de um plano estatal para exploração do lítio, desde a extração até a fabricação de baterias, isto é, fazer “parcerias com empresas estratégicas, que fornecem tecnologia e mercados de qualquer região do mundo, mas sem privatização” .
Os principais pontos estratégicos do seu plano para o lítio são “industrializar com soberania o lítio e seus derivados em benefício do povo boliviano” para “tornar a Bolívia a capital mundial do lítio”.
“Com a industrialização do lítio, vamos gerar 130 mil novos empregos diretos e indiretos e 41 novas indústrias que vão gerar mais trabalho para os bolivianos ”, afirmou Arce, em debate televisivo.
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Redução de reservas ameaça suprimento de gás
A exploração de gás natural, que já foi considerada a “chave do futuro” da Bolívia, tendo importante espaço na política recente do país vizinho, vem enfrentando dificuldades.
Apesar da produção crescente, desde a nacionalização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), em 2006, com a chegada de Evo Morales ao poder, as reservas do país vêm caindo. Vários campos gaseíferos já estão em fase final de produção e não há descobertas suficientes para repor as reservas.
Outro ponto que agrava a situação é a queda nos preços do combustível e na demanda, devido aos efeitos da pandemia do novo coronavírus.
Para o ex-ministro de Hidrocarburetos, Mauricio Medinaceli, “essa falta de estratégia fez com que nos últimos 15 anos não houvesse uma politica de exploração séria, com recuperação de reservas que iam se esgotando para abastecer os mercados. Isso fez com que nos últimos anos do governo Morales, Bolívia não pudesse mandar os volumes comprometidos com Brasil e Argentina, levando o país a renegociar ambos os contratos”.
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O cientista político da Universidad Mayor de San Andrés (Bolívia), Julio Alejandro Ascarrunz, conta que a redução das reservas é um dos pontos de maior embate entre os principais candidatos à presidência.
“O que Mesa mais critica do MAS [partido de Luis Arce] é que não investiram o suficiente para melhorar os volumes de gás na Bolívia e paralisaram a exploração de novos poços (…) É muito comum escutar que essa politica de combustíveis está sua fase final. A política de desenvolvimento nacional do País está em seu último momento”, disse à epbr.
Este ano, a Petrobras reduziu a importação de gás natural da YPFB de 30 milhões para 10 milhões de m³/dia, adequando contratos à queda na demanda brasileira, e também para abrir capacidade para outros carregadores, conforme acordado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ( Cade).
O problema é que a abertura do mercado boliviano a novos clientes no Brasil foi atravessada, primeira pela crise política no país, depois pela pandemia. A TBG conclui esta semana sua segunda chamada pública, sem nenhuma oferta. Empresas brasileiras poderiam contratar capacidade no Gasbol para atender clientes no Brasil ou até projetos próprios, mas nada foi fechado.
Na primeira chamada, que inaugurou a abertura do Gasbol a clientes privados, a capacidade acabou recontratada, praticamente, pela Petrobras e no curto prazo. O contrato original era de 18 milhões de m³/dia, Petrobras reduziu para 8 milhões de m³/dia em 2021 e a partir de 2022, o Gasbol está com essa parcela descontratada.
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Efeito Bolsonaro
Não bastassem os desafios internos, Bolívia ainda tem outro grande encargo: melhorar as relações com Brasil, seu principal parceiro comercial, e com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Entre os analistas, é unânime que a estratégia nas relações internacionais adotada por Bolsonaro, baseada em um viés ideológico pouco pragmático, provocaria um entrave nas relações bilaterais de Brasil e Bolívia, em caso de a vitória do candidato de Evo Morales.
“Em um curto prazo, vai ser muito difícil se Arce ganhar. Uma vez que os primeiros meses de Bolsonaro no poder, quando Evo ainda estava no governo, as relações não foram muito amigáveis”, analisa Andrés Guzmán.
Segundo o cientista político Julio Ascarrunz, “um governo do MAS seria menos propenso a negociar com um governo de Bolsonaro – mais por iniciativa de Bolsonaro –, e talvez mais propenso a negociação com a Argentina. Já um governo de Mesa seria mais aberto à negociação com ambos os atores, onde o governo brasileiro abriria mais a mesa”.
Para Carlos Cordero, também cientista político da Universidade Mayor de San Andrés, com a vitória de Mesa, haveria uma atitude diferente.
“Por não fazer parte de um governo populista, como Lula, Evo e Chávez, ele não terá amarras, irá se afastar de países como Venezuela e Cuba e se aproximar dos Estados Unidos e melhorar as relações com Brasil”, disse Cordero.
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Já para o ex-ministro de Hidrocarburetos, Medinaceli, qualquer um dos que candidatos que vença as eleições terá que abandonar o populismo e apostar em medidas econômicas mais liberais.
“Seja um governo de esquerda ou de direita, a economia fará que eles tenham que tomar medidas de cunho liberal, abrir para investimentos privados, desregular o tipo de câmbio, mudar leis, porque já não temos mais capacidade de sustentar políticas populistas”.
Segundo Medinaceli, a nova lei do gás do Brasil também deve impulsionar mudanças nas políticas energéticas do país.
“A abertura do mercado de gás no Brasil pode ser vista como uma ameaça a Bolívia, se a Bolívia não fizer nada e deixar que ganhe este mercado o gás da Ásia, o gás da África. através do GNL. Por outro lado, pode ser uma grande oportunidade se a Bolívia fizer sua tarefa, descobrindo novas reservas de gás, adaptando-se às novas condições do mercado, explorando a possibilidade de investir no Brasil por meio da YPFB”, analisou o ex-ministro.
Para ele, a fronteira com o Mato Grosso é um mercado natural para o gás boliviano, já que é mais barato transportar do levar GNL desde um porto no Brasil até o Centro-Oeste brasileiro.
“A Bolívia tem uma vantagem de abastecer os mercados da fronteira, de deve ter um diálogo aberto e honesto com Brasil para ver como pode atuar no curto e longo prazo. Mas se a Bolívia não toma as ações que deve, nem o Brasil nem a iniciativa provada irão esperar até que possamos produzir. Claramente conseguirão gás de outra parte, inclusive do próprio pré-sal”, concluiu Mauricio Medinaceli.
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