O navio de passageiros Olimpic, construído em 1910, é bem menos conhecido do que seu “irmão gêmeo”, o Titanic. Enquanto este último naufragou tragicamente após bater em um iceberg durante sua viagem inaugural, o primeiro foi um navio que teve uma vida mais longa, operando de 1911 a 1935.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Olimpic serviu à Marinha Britânica, transportando tropas de variadas regiões do mundo para a Europa. Apesar de grande, o que o tornava um alvo fácil, seu grande trunfo era sua velocidade, considerada uma das maiores da sua época (até 21 nós, equivalente a 39 km/h), graças aos seus potentes motores movidos a vapor produzido nas suas 29 caldeiras à carvão.
O navio sobreviveu a alguns ataques e, de forma bastante inusitada, abateu um submarino alemão em 1918 após ter avistado o submarino e o atacado com canhões que haviam sido instalados no início da guerra. Talvez seja o único navio comercial na história que já afundou um submarino.
Finalizada a guerra, o navio foi docado e amplamente reformado. Dentre suas melhorias, estava a conversão das suas caldeiras para óleo combustível. A substituição do carvão reduziu substancialmente a tripulação envolvida com a operação de abastecimento das caldeiras, uma atividade altamente insalubre.
Com o passar do tempo, o óleo combustível, conhecido como óleo bunker, ou simplesmente bunker, tornou-se o combustível de referência na navegação comercial.
Para além do petróleo
Como descrito no artigo 1 desta série (As transições do combustível marítimo – parte 1: do remo ao óleo), a utilização de óleo combustível derivado de petróleo para movimentar navios representou uma série de ganhos frente ao carvão, reduzindo os custos operacionais, o impacto ambiental e elevando a segurança a bordo.
Apesar dos benefícios, reduzir a queima de combustíveis fósseis é hoje um imperativo que trará mudanças para o setor de transporte marítimo.
Ao longo das décadas de uso do bunker, sua especificação foi sendo aprimorada. Os regulamentos sobre emissões, especialmente, foram gradualmente reforçados, assim como ocorreu para gasolina e diesel. Os regulamentos relativos às emissões de poluentes por navios são deliberados pela Organização Marítima Internacional (IMO), uma organização especializada das Nações Unidas, a qual o Brasil é membro.
Para teor de SOx, por exemplo, a Marpol (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios) determinou reduções da quantidade máxima de enxofre no combustível de 4,5 % para 3,5 %, em 2012, e para 0,5 % ou menos, em 2020.
Além disso, regulamentações ainda mais rígidas (0,1 % de enxofre ou menos) foram aplicadas aos combustíveis usados em Áreas de Controle de Emissões (ECA), como o Mar do Norte e a costa dos Estados Unidos. Ainda, os regulamentos de emissão de NOx foram ajustados três vezes desde 2005, reduzindo os óxidos de nitrogênio na atmosfera significativamente.
Globalmente, o impacto ambiental dos combustíveis navais tem gradualmente reduzido. No entanto, as medidas ambientais não se limitam a material particulado, SOx e NOx, mas incluem hoje também os gases de efeito estufa (GEEs). A IMO ambiciona o Net Zero em 2050.
Variadas opções levarão à redução das emissões de GEE no transporte marítimo. Operação em velocidade de navegação reduzida, otimização de rotas, aplicação de novas tecnologias de motores, design da embarcação e propulsão são parte do pacote de alternativas. Entretanto, o Net Zero não é alcançável sem que ocorra mudanças no combustível.
O bunker é hoje a principal força motriz dos motores de grandes navios mercantes e a sua substituição não é trivial. O leque de opções traz navios com propulsão elétrica carregados com baterias, biocombustíveis, hidrogênio, metanol e amônia. Cada uma das alternativas possui desafios técnico-econômicos.
A eletrificação de navios exige muito espaço para baterias, agrega peso e traz pouca autonomia se comparada ao que alcançamos hoje com a mesma massa de bunker. Hidrogênio, metanol e amônia requerem ser produzidos de fontes renováveis e têm hoje alto custo e desafios logísticos consideráveis. Eis que os biocombustíveis são a ponte-chave da transição.
O saudoso navio Olimpic, o “irmão” do Titanic, navegou pelos mares por quase 25 anos, tempo médio de vida de uma embarcação.
As soluções de baixo carbono para substituição do bunker precisam considerar a imensa frota de navios existentes, sua vida útil, logística de abastecimento, compatibilidade com a infraestrutura existente, entre outras questões. Assim, é natural que biocombustíveis drop-in, que podem ser misturados ao bunker em qualquer teor e não requerem ajustes nas máquinas ou infra existente, surjam como a principal alternativa.
No Brasil, já há disponibilidade de bunker com 24 % de biodiesel, conforme anúncio feito pela Petrobras, em linha com o observado em grandes polos mundiais, como Singapura e Roterdã.
Há quem advogue, caso da União Europeia, que os biocombustíveis vão atrasar a redução das emissões de GEE, porque os armadores, grandes empresas associadas ao gerenciamento do transporte marítimo, vão postergar a troca para navios movidos à metanol, amônia ou hidrogênio.
O raciocínio pode ser justamente o oposto: o não uso dos biocombustíveis posterga a redução das emissões, uma vez que as alternativas não estão prontas, enquanto eles já estão disponíveis e os navios prontos para o uso, posição defendida pelo Brasil.
Os biocombustíveis podem fazer a ponte até que os e-fuels, soluções com base no hidrogênio, estejam confiáveis e completamente acessíveis tecno e economicamente. Até lá, dentre um “mar de incertezas”, navegar é preciso. Os bios estão aí. Para quem quiser: “Terra à vista!”
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Referência
Wikipedia. RMS Olimpic. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/RMS_Olympic>. Acessado em janeiro de 2025.