Começando pela conclusão: talvez não muito.
Mesmo que a adoção de veículos movidos a hidrogênio seja vantajosa quando se fala de sustentabilidade e autonomia, alguns desafios fazem dessa tecnologia pouco viável, ainda mais no contexto brasileiro — ao menos por enquanto.
Em 2014, a Toyota fez grandes apostas com o lançamento do Toyota Mirai, esperando uma “uma revolução no setor automotivo”. Passados dez anos e pouco mais de 27 mil unidades vendidas globalmente, a aposta virou frustração.
O preço pouco competitivo do automóvel e do hidrogênio combustível é um dos fatores para o fracasso nos planos da montadora, o que deve se prolongar devido a desafios pela baixa escala de produção em ambos os casos.
Para se ter uma ideia, quando o modelo foi apresentado no Brasil em 2022 — não foi lançado comercialmente — ele custava cerca de US$49.500, o dobro do valor de um Corolla híbrido na época, de US$24.050, no mercado dos Estados Unidos.
Os carros a hidrogênio utilizam células de combustível que convertem o hidrogênio em eletricidade por meio de uma reação química com oxigênio.
O processo gera energia para movimentar o motor elétrico e libera apenas vapor d’água pelo escapamento.
O abastecimento também é feito em postos similares aos de combustíveis líquidos tradicionais, com tempo de recarga de aproximadamente cinco minutos e autonomia que pode ultrapassar 600 quilômetros.
Apesar dessas vantagens, a tecnologia enfrenta desafios relacionados à produção e distribuição de hidrogênio. A falta de infraestrutura de abastecimento é outra barreira.
Na Califórnia, por exemplo, após o fechamento dos postos da Shell, clientes do Toyota Mirai abriram processos judiciais contra a montadora por falta de combustível.
Disputa com carros elétricos
Outra polêmica envolvendo o Mirai aconteceu durante a realização dos jogos olímpicos de Paris 2024, que expõs críticas de cientistas sobre sua eficiência. A Toyota forneceu 500 unidades do Mirai para o evento, enquanto uma carta de pesquisadores pediu a substituição total da frota por veículos 100% elétricos (EVs).
Estudo publicado na revista Joule chegou a apontar que esses veículos a hidrogênio são três vezes menos eficientes que os elétricos a bateria, quando se fala no uso de eletricidade renovável.
Outra forte competição ao hidrogênio é a redução significativa nos custos de baterias para EVs, em especial pela produção em massa por indústrias chinesas.
De acordo com a BloombergNEF, no ano passado, o preço das baterias registrou a maior queda em 7 anos, 20% . E a expectativa é que, até 2030, caia mais 45%. A bateria significa em torno de 30% do custo de produção de um EV.
Isso se reflete nas vendas. Enquanto nas estradas dos Estados Unidos rodam apenas cerca de 17 mil veículos movidos a hidrogênio, os EVs eram mais de 3 milhões, em 2023.
Na Europa, não é diferente. Apenas 263 veículos elétricos com célula de combustível foram registrados na Alemanha — o maior mercado europeu para carros movidos a hidrogênio — ao longo de 2023, uma queda de quase 70% em relação aos 835 registrados em 2022, de acordo a Autoridade Federal de Transporte Motorizado (KBA).
E no Brasil?
Por aqui ainda não há nenhum modelo de carro de passeio movido a hidrogênio lançado comercialmente. Apenas estudos sendo realizados.
Se o hidrogênio de baixo carbono — em especial o verde — é considerado essencial para descarbonizar o transporte em países como os europeus, que dependerão da importação de energia renovável, no Brasil a realidade é outra.
Com um enorme potencial de ampliação da sua já grande capacidade de geração elétrica limpa e renovável, o mais lógico seria que a eletricidade produzida pudesse ser usada diretamente em veículos elétricos, eliminando perdas energéticas associadas à conversão de eletricidade em hidrogênio.
Além disso, o Brasil tem uma vantagem única para descarbonização com biocombustíveis como etanol e biometano, que utilizam infraestrutura já existente.
A tendência é reforçada pela crescente adoção de veículos híbridos (etanol + eletricidade), como os modelos da BYD, que optou por adaptar sua estratégia no Brasil diante da demanda local e de políticas públicas que estimulam essa vocação nacional, como o Mover e o Combustível do Futuro.
A venda de carros eletrificados no Brasil disparou, crescendo 146% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, com modelos 100% elétricos na frente em número de emplacamentos, segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).
Por outro lado, avanços em pesquisa na melhoria da eficiência da tecnologia de células a combustível, e ganhos de escala na produção de hidrogênio de baixo carbono podem mudar esse cenário — lembrando que o Brasil aparece como forte candidato a produzir o energético com menor custo do mundo.
Um exemplo interessante é o projeto da Shell e Toyota, em conjunto com outras empresas e a USP, que transforma etanol em hidrogênio diretamente nos postos. Essa solução aproveitaria a infraestrutura existente e reduziria custos, tornando o hidrogênio mais acessível no futuro. A conferir a sua viabilidade.
Outro ponto que vale lembrar é que os veículos a hidrogênio oferecem vantagens inegáveis, como o tempo de abastecimento rápido e a longa autonomia, o que, a princípio, é mais atrativo para aplicações de transporte pesado, como caminhões.
Também é importante destacar que, mesmo com todas as dificuldades de mercado, a Toyota se uniu a concorentes, como Hyundai e BMW para compartilhar os custos de desenvolvimento da tecnologia de células a combustível e desenvolver infraestrutura de abastecimento, olhando para o longo prazo.
No caso brasileiro, embora o hidrogênio seja uma solução interessante para descarbonizar setores específicos, seu papel na mobilidade urbana segue incerto. A combinação de energia renovável abundante, biocombustíveis eficientes e veículos elétricos e híbridos mais acessíveis posiciona o Brasil como um país com alternativas mais viáveis e sustentáveis no curto e médio prazo.