Na indústria naval, o combustível usado pelos navios é amplamente conhecido como “bunker”. A origem do termo remonta ao tempo em que os navios navegavam usando carvão como combustível, e “bunker” se referia às instalações de armazenamento de carvão no navio.
A energia usada para movimentar os navios mudou ao longo do tempo. A primeira grande mudança foi possivelmente a substituição de pessoas ao remo por embarcações à vela.
Na sequência, a máquina a vapor mudou não só a indústria, mas a tecnologia de propulsão marítima também, tornando-a mais veloz. Fornalhas alimentadas à carvão produzindo vapor d’água em alta pressão em grandes caldeiras permitiram movimentar turbinas à vapor, que por sua vez movimentavam o navio, no século 18.
A descoberta e produção de petróleo na segunda metade do século 19 trouxeram à tona um derivado da destilação que viria a substituir completamente o carvão no século 20, um óleo combustível conhecido hoje como “bunker”.
Substituir o carvão pelo derivado de petróleo trouxe muitas vantagens: menor necessidade de espaço nos navios para armazenar combustível, centenas de pessoas a menos na tripulação envolvidas com o abastecimento de combustível, velocidades maiores de navegação, menor custo operacional, entre outros.
No século 21, à medida que o mundo avança em direção à neutralidade de emissões de gases de efeito estufa (GEE), a necessidade de combustíveis mais baratos e potentes está mudando para combustíveis mais sustentáveis.
Do remo ao vento
Não se sabe quando os humanos começaram a usar navios, mas acredita-se que eles começaram quando as pessoas que viviam perto da água usavam galhos e troncos de árvores para transportar mercadorias. Isso acabou levando ao uso de grandes jangadas e barcos de madeira.
Durante vários séculos, desde antes de Cristo, as galés, embarcações impulsionadas principalmente por remos movidos a energia humana, foram usadas no Mediterrâneo. No século 15, grandes veleiros, construídos principalmente na Espanha e em Portugal, cruzaram os mares. Era a força do vento empurrando as embarcações, o que permitia navegar distâncias maiores.
Em 1492, Cristóvão Colombo cruzou o Oceano Atlântico na nau “Santa Maria” para descobrir o continente americano. E em 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, com sua frota de naus e caravelas. Relatos históricos dão conta de que a viagem de Portugal até o Brasil teve 20 dias de calmaria ao mar: não tinha uma brisa sequer. Navegar ao “sabor do vento” tem desses momentos.
Os navios a vapor e a introdução do carvão
Após a revolução industrial, no século 18, os motores a vapor foram ganhando espaço e tentativas contínuas foram feitas para usá-los em navios.
O primeiro navio do mundo a usar propulsão a vapor, conhecido como Clermont, foi construído em 1807 e operava no rio Hudson, nos EUA (Wikipedia, 2024a). Porém, os navios a vapor naquela época exigiam uma grande quantidade de carvão e aparato de queima.
O famoso Titanic, por exemplo, tinha 29 caldeiras aquecidas pela queima de carvão em 159 fornos, que consumiam 600-700 toneladas por dia de carvão, a depender da velocidade requerida, exigindo mais de 200 pessoas para alimentar manualmente os fornos e manter nivelado o estoque de carvão nos bunkers de armazenamento (Boyce, 2024).
O navio tinha capacidade de armazenamento de 6.000 toneladas de carvão, o equivalente à massa de 6.000 carros populares, para dar noção do quão grande era a quantidade de carvão que podia ser armazenada nos bunkers do Titanic.
Os primeiros navios a vapor não eram adequados para o transporte de carga porque todo sistema de geração de vapor e armazenamento de combustível ocupavam grande parte do espaço limitado a bordo. Com alguns avanços tecnológicos, o transporte de cargas e a navegação oceânica por navios a vapor tornou-se gradualmente possível.
No início, os motores a vapor foram instalados como energia auxiliar para grandes veleiros, mas os navios movidos apenas por sistemas a vapor tornaram-se o padrão, e os navios oceânicos mudaram de grandes veleiros para navios a vapor movidos a carvão. Assim, eles ficavam cada vez mais velozes, encurtando o tempo das viagens entre os continentes.
Do carvão ao petróleo
A produção de petróleo começou nos Estados Unidos em 1859, mas foi no início do século 20 que ele passou a substituir o carvão na navegação de forma efetiva.
A Marinha Britânica passa do carvão para o óleo combustível a partir de 1906, com o lançamento do HMS Dreadnought (Wikipedia, 2024b), um encouraçado que utilizava carvão e óleo simultaneamente, o que lhe imbuia de maior autonomia frente aos seus antecessores.
Em 1912, o navio de carga e passageiros batizado de MS Selandia navegou de Copenhague para Bangkok, um trajeto de quase 10 mil milhas náuticas, queimando apenas 800 toneladas de combustível derivado de petróleo, massa incrivelmente menor (estima-se 5 a 6 vezes menor) do que a de carvão que seria necessária para realizar a mesma viagem (Wikipedia, 2024c).
A emissão de material particulado pelas chaminés dos navios reduziu drasticamente. Os iniciantes navios a motor diesel foram descritos como “sem fumaça” e fizeram com que alguns os descrevessem como “navios fantasmas” por conta disso.
O maior poder calorífico do derivado de petróleo frente ao carvão, aliado a maior eficiência do motor de combustão interna, permitiu ainda reduzir o espaço destinado ao combustível a bordo e expandir o espaço de carga.
Isso também significou uma redução significativa no número de tripulantes necessários, pois dispensou a necessidade de carregar carvão no navio e alimentá-lo manualmente na fornalha da caldeira, uma operação altamente insalubre, em espaços confinados e quentes.
A conversão dos motores e substituição do carvão ao óleo combustível foi um processo gradual que levou algumas décadas até que o uso de carvão em navios deixasse de ser utilizado completamente.
Após a Segunda Guerra Mundial, juntamente com o aumento do tamanho dos navios, o aumento do tamanho dos motores marítimos a diesel acelerou rapidamente. Ao mesmo tempo, para reduzir os custos de operação do navio, havia uma demanda crescente por combustível mais barato. Desde a década de 1950, o uso de óleo combustível marítimo pesado (HFO) começou a aumentar, consolidando-se como o principal combustível de navios mercantes.
A nova transição
Atualmente, a maioria dos grandes navios mercantes é equipada com motores diesel e consome “bunker” como combustível. Além do bunker, outros derivados de petróleo, como o próprio diesel, abastecem o transporte marítimo em escala mundial. A elevada densidade energética fez do bunker de petróleo um campeão até aqui como combustível de navios.
Isso, contudo, não vai durar para sempre. A necessidade de combustíveis mais sustentáveis para movimentar as mais variadas embarcações mundo afora impõe um novo desafio ao setor marítimo. A nova transição dos combustíveis navais já começou. Mas isso é papo para o artigo 2 desta série: As transições do combustível marítimo – parte 2: do petróleo ao Net Zero.
Referências
Bernardo, A. BBC Brasil. Descobrimento do Brasil: os bastidores da viagem de 44 dias que levou Pedro Álvares Cabral ao país. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51808373>. Acessado em dezembro de 2024.
Boyce, B. The black gang. Disponível em: <www.itakehistory.com/post/the-black-gang>. Acessado em dezembro de 2024.
Wikipedia. North River Steamboat. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/North_River_Steamboat>. Acessado em dezembro de 2024a.
Wikipedia. Marinha Real Britânica. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Marinha_Real_Brit%C3%A2nica>. Acessado em dezembro de 2024b.
Wikipedia. MS Selandia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/MS_Selandia>. Acessado em dezembro de 2024c.