Diálogos da Transição

Uma década de desastres climáticos intensificados por fósseis e desmatamento

Emissões de combustíveis fósseis e desmatamento contribuíram para intensificar ondas de calor e inundações

Na imagem: Vista aérea da enchente que atingiu a Av Loureiro da Silva, CAFF e região, em Porto Alegre, devido às fortes chuvas no Rio Grande do Sul, em 7/5/2024 (Fotos Gustavo Mansur/Palácio Piratini)
Vista aérea da enchente que atingiu Porto Alegre (RS), entre abril e maio de 2024 | Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

NESTA EDIÇÃO. Os 10 piores desastres climáticos desde 2004 foram intensificados pelo aumento de temperatura do planeta, aponta WWA.

Clima atual também aumenta a probabilidade de chuvas intensas como a que matou 200 pessoas na Espanha, no final de outubro.

E ainda: semana que vem tem COP29, em clima de “ano mais quente da história” e “o retorno de Trump”.


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Na última década, os 10 piores desastres climáticos mataram cerca de 570 mil pessoas e eles foram intensificados pela emissão de gases de efeito estufa de atividades humanas como queima de petróleo, gás e carvão, além do desmatamento, concluem cientistas da World Weather Attribution (WWA).

Estudo publicado na última semana pelo grupo de pesquisa internacional analisou três ciclones tropicais no Indo-Pacífico, quatro ondas de calor na Europa, duas inundações (Índia e Mediterrâneo) e uma seca na África ocorridos desde 2004, para entender sua relação com o aumento da temperatura do planeta.

De acordo com a WWA, a seca em 2011 na Somália, que matou pelo menos 258 mil pessoas, foi intensificada pelo aquecimento causado pelas atividades econômicas, interrompendo padrões de chuvas e levando a temperaturas mais altas que aceleraram a evaporação da umidade do solo. 

Antes dela, em 2008, o ciclone Nargis havia deixado mais de 138 mil pessoas mortas no sul de Mianmar. E o estudo descobriu que a velocidade do vento foi 18% maior por causa da mudança do clima, que aumentou a temperatura dos oceanos.

Mais recentemente, a onda de calor europeia de 2023, que matou mais de 37 mil pessoas, também teve dedo humano.

Os pesquisadores calculam que alguns dos picos de temperatura na região do Mediterrâneo teriam sido impossíveis sem o aquecimento global e se tornaram 1.000 vezes mais prováveis ​​no sul da Europa.

“Sabemos que não existe desastre natural. É a vulnerabilidade e a exposição da população que transformam riscos meteorológicos em desastres humanitários. Cada vez mais, porém, há cada vez menos riscos meteorológicos que podem ser puramente descritos como ‘naturais’”, diz a WWA. 

“Nosso trabalho, juntamente com a literatura científica mais ampla, agora mostra que, com cada tonelada de carvão, petróleo e gás queimados, todas as ondas de calor ficam mais quentes, e a esmagadora maioria dos eventos de chuvas intensas, secas e ciclones tropicais ficam mais intensos”, completa.



De 29 a 30 de outubro de 2024, o leste da Espanha foi atingido por chuvas excepcionalmente fortes, que provocaram inundações e mataram mais de 200 pessoas.

A enchente também deixou centenas de milhares de pessoas sem água potável e eletricidade na região de Valencia.

Foi o maior número de vidas perdidas por causa de uma inundação na Europa desde 1967.

Segundo a análise da WWA, a partir de valores diários de precipitação, há indícios de que eventos de chuva intensa de um único dia, tão intensos quanto o observado, são cerca de 12% mais intensos e cerca de duas vezes mais prováveis ​​no clima atual, ou seja, 1,3 °C mais quente do que seria no clima pré-industrial.

Eles observam, no entanto, que muitos dados oficiais estão desatualizados, o que impede uma avaliação mais aprofundada.

Além disso, no caso espanhol, um outro fator humano que contribuiu para o desastre foi a demora em emitir alertas para prevenir a população.

Na próxima semana, começa em Baku, capital do Azerbaijão a tão aguardada COP29, conferência sobre mudanças climáticas das Nações Unidas que terá como missão destravar recursos financeiros para a transição energética global.

Tão aguardada porque dinheiro é ponto central: são os investimentos que definem se vamos seguir em uma economia fóssil ou vamos em direção às renováveis. E sem dinheiro, países que já precisam lidar com questões sociais desafiadoras, dificilmente conseguirão acompanhar as nações mais abastadas.

Mas essa COP ocorre em meio a um cenário pouco animador. Guerras na Ucrânia e na região do Oriente Médio adicionam obstáculos a negociações historicamente complexas. 

Some-se a isso, a recente eleição de Trump nos EUA, que embora só assuma a presidência em janeiro de 2025, já desanima diplomatas. Afinal, o que for decidido nas próximas semanas pode ser desfeito em alguns meses. Vale lembrar a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2020.

E ainda: nesta sexta (8/11) uma gravação secreta mostrou o presidente-executivo da equipe da COP29, Elnur Soltanov, discutindo “oportunidades de investimento” na empresa estatal de petróleo e gás com um homem se passando por um potencial investidor – usando o cargo na conferência para discutir possíveis acordos sobre combustíveis fósseis, segundo a BBC.

Isso tudo embalado em previsões cada vez mais alarmantes: 2024 caminha para ser o ano mais quente da história (depois de 2023 ter quebrado o recorde), segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO, em inglês). 

E sem perspectivas de quando a temperatura irá baixar, já que as políticas atuais levam a cenários de 2,6°C a 3,1°C.


Planejamento fóssil. O total de investimentos previstos até 2034 em energia elétrica, biocombustíveis, petróleo e gás natural é de R$ 3,2 trilhões, sendo 78% em petróleo e gás natural, de acordo com o caderno de consolidação dos resultados do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2034).

De acordo com a publicação, a Oferta Interna de Energia deve crescer, em média, 2,2% ao ano. A geração de energia elétrica deve evoluir a uma taxa média de 3,3% ao ano, e ter uma oferta de 1.045,3 TWh em 2034.

Preço versus emissões. A Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2) quer que os incentivos governamentais para produção de hidrogênio no Brasil priorizem projetos que ofereçam custos acessíveis ao consumidor final, independente da intensidade das emissões de carbono, considerando o limite de 7 kg de CO2 por H2 produzido, estabelecido por lei.

“Não adianta querermos forçar com um custo de hidrogênio que vai ficar muito alto, porque a demanda não vai conseguir acomodar”, comenta Marina Domingues, diretora de mercado e regulamentação da ABH2 em entrevista à agência eixos.

Combustíveis sustentáveis. Chamada pública do BNDES e Finep para seleção de planos de negócios de biorrefinarias recebeu 76 propostas, com total de investimento potencial de R$ 167 bilhões. Do total de propostas recebidas, 43 são para produção de combustível sustentável de aviação (SAF), totalizando R$ 120 bilhões em investimentos.

GD mais barata. O custo da instalação de um projeto de geração de energia solar residencial diminuiu 5% no terceiro trimestre de 2024, em comparação com o segundo trimestre do ano, segundo dados da Solfácil divulgados nesta quinta-feira (7/11). O preço dos equipamentos foi apontado pela empresa como determinante para a queda.

Caminhões a hidrogênio. A FTXT, subsidiária da montadora chinesa GWM para tecnologias de hidrogênio, assinou um acordo com o governo de Minas Gerais e a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) para impulsionar o desenvolvimento de caminhões movidos a hidrogênio verde no Brasil. Projeto inclui infraestrutura de abastecimento.

Edifícios verdes. A rede GBC, que representa países que cobrem mais de 62% do PIB global e 60% do estoque de edifícios do mundo, divulgou recomendações para que os membros da COP29 sejam ousados em relação às metas para o segmento de construção. 

Por enquanto, a indústria de construção civil não está no caminho certo para reduzir as emissões pela metade até 2030 ou atingir o zero líquido até 2050. Mas o setor pode oferecer mais de 40% das soluções necessárias para dobrar as melhorias de intensidade energética até 2030.


O domínio chinês na produção de eletrolisadores e as oportunidades para o Brasil Líder global em painéis solares e baterias de íon-lítio, China detém cerca de 60% da capacidade mundial de fabricação de eletrolisadores, escreve o jornalista Gabriel Chiappini
 
O dilema europeu: entre a descarbonização e a proteção à indústria Na medida em que a Europa vê seu setor produtivo ameaçado pela presença massiva de bens chineses, interesses estratégicos passam a ser prioritários, em detrimento da economia verde, escreve André Leão
 
Tributação do etanol hidratado volta a acirrar os ânimos na reforma A entrada imediata do etanol hidratado no sistema monofásico (onde já estão a gasolina, o diesel e o GLP) é uma demanda antiga das distribuidoras. Os usineiros, por outro lado, resistem, escreve o jornalista Hanrrikson de Andrade

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