A velocidade da evolução do setor de transição energética da China é notável. O país assumiu um firme compromisso de descarbonizar sua economia, investindo cada vez mais na utilização de fontes de energia limpa. Esse movimento agressivo representa um desafio comercial e tecnológico para outros países e blocos econômicos, por exemplo, a União Europeia (UE).
A crescente exportação de produtos chineses para o continente europeu, como o biodiesel e os veículos elétricos, levou as autoridades da UE a discutir a implementação de práticas protecionistas.
Nos últimos dois meses, o bloco europeu anunciou duas medidas visando proteger o seu mercado interno: no fim de agosto, decidiu adotar tarifas antidumping provisórias contra o biodiesel chinês, que passaram a ter valores entre 12,8% e 36,4%. E, no início de outubro, resolveu impor tarifas de até 45% a veículos elétricos da China.
O alto protecionismo da UE mostra que o caminho para o desenvolvimento de uma economia verde global oferece obstáculos significativos.
Ainda antes de a UE estabelecer barreiras formais contra a entrada de produtos chineses, já havia um movimento de redução da participação destes no mercado europeu, como ilustram os dados divulgados pela agência Reuters.
Se considerado apenas o ano de 2023, o volume exportado de biodiesel atingiu o pico de 1,8 milhão de toneladas, o que representou 90% do total de exportações do combustível da China. No entanto, ao se analisar um recorte que se inicia em meados de 2023 e que termina na metade de 2024, nota-se uma queda de 51% nas exportações de biodiesel para a Europa.
Paralelamente, as vendas de veículos elétricos chineses nesse continente seguiram a mesma tendência. No primeiro semestre de 2024, as exportações caíram 15% em relação ao mesmo período do ano anterior. Apenas em junho deste ano, a redução foi de 31% comparativamente ao mesmo mês de 2023.
Ou seja, a aplicação de medidas mais duras por parte da UE certamente dificulta o desenvolvimento das relações comerciais com a China.
Embora a UE tenha a possibilidade de buscar outro parceiro comercial no futuro, ao frear a entrada de produtos chineses que poderiam contribuir com o avanço da transição energética atualmente, o bloco coloca em xeque o discurso europeu de comprometimento com a transformação de sua matriz energética em prol da descarbonização da economia.
A alegação da UE para a aplicação de tarifas em relação aos veículos elétricos chineses é a de que o país tem promovido subsídios supostamente injustos para manter os preços artificialmente baixos.
Em resposta, o governo da China apresentou uma queixa formal à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a decisão da UE, no âmbito do Sistema de Solução de Controvérsias da instituição.
A postura das autoridades da UE está amparada na chamada Regulação de Subsídios Estrangeiros, aprovada pelo Parlamento Europeu no fim de 2022, cujo intuito é justamente permitir que a Comissão Europeia verifique se subvenções externas distorcem o mercado interno.
A rigor, o objetivo da UE é reduzir a perda de competitividade da indústria automotiva regional, como mostra o relatório recente de autoria do ex-primeiro ministro da Itália, Mario Draghi, intitulado The Future of European Competitiveness.
No documento, embora Draghi reconheça que os produtos chineses oferecem uma rota mais rápida e eficiente para o atingimento das metas de descarbonização, destaca que sua alta competitividade consiste em uma ameaça à indústria automotiva e ao desenvolvimento de tecnologia limpa na Europa.
Essas ações da UE contra o avanço da China no continente representam muito mais do que apenas entraves nas relações comerciais bilaterais. Elas mostram como o comprometimento europeu com a descarbonização das economias do bloco e com a transição energética é bastante relativo.
Na medida em que a Europa vê seu setor produtivo ameaçado pela presença massiva de bens chineses, os interesses estratégicos passam a ser prioritários, em detrimento do desenvolvimento mais veloz de uma economia verde. E a imposição de barreiras aos produtos chineses serve como a justificativa ideal para denunciar os subsídios “injustos”.
Em um momento no qual a UE busca reduzir sua dependência energética da Rússia e diminuir, substancialmente, o uso de fontes fósseis de modo autônomo, a entrada de um ator externo, como a China, representa mais um desafio concreto à garantia de segurança energética. Além disso, os produtos chineses ocupariam um espaço que é de interesse de outros aliados da UE, como os Estados Unidos.
Enquanto isso, o objetivo de acelerar a transição energética fica em segundo plano.
André Leão é pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)